quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Quando os crocodilos dominavam

Com o fim dos dinossauros e monstros marinhos, por que os crocodilianos não tomaram conta da Terra de uma vez?

No verão de 2008, um crocodilo-americano afastou-se da baía de Biscayne, na Flórida, seguiu por um canal repleto de iates ancorados até o afluente bairro de Coral Gables e se instalou no campus da Universidade de Miami, onde vez por outra interrompia seus banhos de sol às margens do lago Osceola para devorar uma tartaruga. Com suas fileiras de dentes tortos e protuberantes, esse crocodilo era um lembrete aos estudantes de que haviam escolhido uma escola na ensolarada e subtropical Flórida. Embora não tenha sido o primeiro crocodilo no campus, ele tornou-se o mais famoso. As pessoas começaram a chamá-lo de Donna - em referência à reitora Donna Shalala -, nome que permaneceu mesmo quando se soube que era um macho. De vez em quando, Donna lagarteava no gramado ao lado do bar dos estudantes, obrigando a mudança de lugar de algumas mesas, mas, fora isso, não causava maiores comoções.
Na madrugada de 1º de outubro, alguém assassinou Donna, ato que escandalizou a comunidade, além de ser um crime: o crocodilo-americano é uma espécie ameaçada, segundo a legislação ambiental. Um mês após o crime, a polícia deteve um homem e um adolescente que queriam o crânio do animal como troféu.
É tentador usar o destino de Donna como metáfora da situação precária em que se encontram as 23 espécies de crocodilianos, um grupo de répteis que inclui os crocodilos, os aligatores, os jacarés e os gaviais. Após sobreviverem a milhões de anos de mudanças climáticas, da dança das cadeiras das placas tectônicas e de outras vicissitudes ecológicas, agora eles enfrentam nova ameaça: nós, os seres humanos.
Na década de 1970, estima-se que a população de crocodilos na Flórida tenha caído para menos de 400 indivíduos. A explosão demográfica humana expulsou os répteis das baías protegidas de água salgada em que viviam e muitos foram mortos por caçadores ilegais atrás de sua pele ou capturados para museus e exibições ao vivo.
Desde então, as medidas de conservação permitiram o aumento do número, hoje em torno de 2 mil espécimes. "O manejo dos animais não é complicado", comenta Steve Klett, administrador do Refúgio Nacional da Fauna Crocodile Lake. "Basta proteger o hábitat e eles se recuperam. O problema é a limitação desses hábitats." No caso de Donna, ele acabou em uma área urbana onde não deveria estar - o problema é que talvez não houvesse alternativa melhor.
Fala-se que os crocodilianos são sobreviventes da era dos dinossauros. Isso é verdade, mas não é tudo - afinal, os crocodilos modernos estão por aí há 80 milhões de anos. Eles são apenas uma amostra das espécies que vagavam pelo planeta e, na verdade, chegaram a dominá-lo.
Os crurotarsos (termo usado pelos paleontólogos para todos os crocodilianos aparentados) surgiram há cerca de 240 milhões de anos, na época dos dinossauros. No período Triássico, os ancestrais do crocodilo evoluíram em ampla gama de formas terrestres, desde animais esguios com membros longos, parecidos com lobos, até imensos e temíveis predadores no topo da cadeia alimentar. Alguns, como o chamado Effigia, caminhavam pelo menos em parte do tempo sobre duas pernas e eram herbívoros. Tão preponderantes eram os crurotarsos em terra que os dinossauros se restringiam aos nichos ecológicos que conseguiam ocupar, mantendo um porte pequeno e populações pouco numerosas.
No fim do Triássico, há 200 milhões de anos, um cataclismo desconhecido eliminou a maioria dos crurotarsos. Com o desaparecimento de seus concorrentes, os dinossauros tomaram conta do planeta. Ao mesmo tempo, enormes predadores aquáticos, como os plesiossauros, evoluíram nos oceanos, limitando o desenvolvimento de outras espécies. Os crocodilianos remanescentes assumiram novas formas, mas sobreviveram, tal como seus descendentes atuais, nos locais a que tinham acesso: rios, pântanos e manguezais.
Os nichos ecológicos restritos podem ter limitado as oportunidades evolutivas, mas, por outro lado, foi a salvação dessas criaturas. Muitas espécies de crocodilianos sobreviveram à maciça extinção do Cretáceo-Terciário (K-T), há 65 milhões de anos, quando a queda de um asteróide desfechou o golpe fatal contra os dinossauros (com exceção das aves, consideradas dinossauros tardios) e contra ampla variedade da fauna terrestre e oceânica. Ninguém sabe por que os crocodilianos se salvaram, mas seus hábitats de água doce talvez sejam uma explicação: as espécies de água doce em geral se saíram melhor, durante a extinção do K-T, que os animais marinhos, que perderam extensos hábitats de pouca profundidade pela queda acentuada no nível do mar. E eles também podem ter sido beneficiados por sua dieta diversificada e pela capacidade, comum aos répteis de sangue frio, de suportar longos períodos sem alimento.
Com o fim dos dinossauros e dos monstros marinhos, por que os crocodilianos não tomaram conta da Terra? Na época, os mamíferos haviam iniciado a marcha evolutiva que os conduziria ao domínio planetário. Com o passar do tempo, as linhas crocodilianas mais divergentes foram se extinguindo, restando apenas as de formas corporais achatadas e membros curtos.
"A grande mudança nos esforços recentes de preservação foi a redução na caça ilegal", diz John Thorbjarnarson, um dos principais especialistas nesses animais. Ela foi substituída pela criação e extração regulamentadas, o que permitiu a recuperação. "Enquanto, há 20 anos, existiam 15 ou 20 espécies em perigo”, diz, “agora são apenas sete, encurraladas pela destruição de seu hábitat." As populações do Pantanal, por exemplo, que chegaram a estar ameaçadas nos anos 1980, após décadas de caça, hoje estão estáveis.
Por outro lado, criaturas como o aligátor-chinês e o crocodilo-filipino foram expulsos de seus antigos territórios pelo avanço da urbanização e da agricultura. E até as espécies que reagiram bem a iniciativas de conservação se defrontam com um problema que é uma versão em maior escala daquele que levou ao fim de Donna: o contato, e o conflito, com os seres humanos.

O gavial-indiano, antes visto desde o Paquistão até Mianmar, sofreu acentuada queda populacional até a década de 1980. Sua recuperação posterior, em função do declínio da caça ilegal e da criação de áreas de preservação, levou os conservacionistas a acreditar que o perigo havia passado. Mas levantamentos recentes mostraram que a quantidade dos répteis voltou a diminuir.

Os gaviais alimentam-se de peixes e dependem de um hábitat específico de rios de correnteza rápida com margens arenosas. Entre os fatores que ocasionaram o decréscimo estão a perseguição por pescadores (que os veem como concorrentes) e a destruição do hábitat para retirada de areia. Além disso, animais no rio Chambal, na Índia, foram dizimados entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008 pela poluição. A população atual está reduzida a poucas centenas de indivíduos na Índia e no Nepal.

Alguns crocodilianos de regiões remotas não correm perigo imediato, e outros, como os aligatores-americanos, conseguiram se recuperar. Mas não sabemos quantos podem sobreviver em um mundo no qual seus lares em terras úmidas são cobiçados - e onde algumas espécies se comportam de maneira assustadora, devorando animais de estimação e até mesmo pessoas. Tido como inspiradores dos antigos mitos sobre dragões, os crocodilianos enfrentaram transformações quase inconcebíveis no planeta e se adaptaram a todas. Com a aceleração nas mudanças ambientais, porém, é daqui para a frente que terão de enfrentar os maiores desafios.

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