sexta-feira, 9 de julho de 2010

Obra faraônica no canal do Panamá traz à tona milhões de anos do passado

Paleontólogos estão encontrando todo tipo de fóssil graças a projeto.
Região ajuda a documentar surgimento de 'ponte' entre as Américas.

Natalie Angier

Do 'New York Times'

Um pequeno grupo de cientistas e visitantes, usando capacetes de proteção e casacos de segurança laranja, movia-se ao redor das margens do Canal do Panamá. Eles conversavam sobre o programa de expansão de US$ 5 bilhões, agora em andamento para ampliar o célebre canal e então acomodar navios de carga cada vez maiores que viajam pelos mares do planeta. Enquanto isso, Aldo Rincón, 30 anos, calmamente puxou de sua mochila algumas ferramentas de escavação. Ele se agachou próximo a um local incrível, cheio de seixos e rochas em pedaços e começou, metodicamente, a remover a poeira.

Foto: Reprodução

Navio no canal do Panamá (Foto: Reprodução)

O grupo que usava capacetes caminhou para inspecionar um material vulcânico que o projeto de construção tinha exposto ali perto. Ao retornar a Rincón e sua ferramenta de varredura, os cientistas e visitantes perderam a respiração, tamanha a surpresa. Em apenas 15 minutos de trabalho, Rincón, estagiário de paleontologia do Smithsonian Tropical Research Institute, revelou um grande e lindo fêmur fossilizado, saindo de um substrato sedimentado. O osso tinha cerca de 18 centímetros de comprimento e estava perfeitamente preservado.

Rincón, alto, magro, religiosamente concentrado e de costeletas, usando óculos fashion de armação preta e um bracelete de couro trabalhado, supôs que o fêmur pertencia a uma espécie extinta de lhama que viveu na área há 20 milhões de anos. Ele sabia do que estava falando: encontrou ossos de lhamas antes, assim como elementos mineralizados de crocodilos, porcos, sucuris e tartarugas gigantes pré-históricas.

Uma de suas descobertas, um esqueleto parcial de um cavalo, foi descrito na edição de maio da publicação "Journal of Paleontology", num artigo escrito por Bruce MacFadden, do Museu de História Natural da Flórida. "Aldo tem uma habilidade incrível para encontrar fósseis", disse Camilo Montes, seu supervisor no Projeto de Geologia do Panamá. "Sempre que cava, encontra outro fóssil."

Corrida contra o tempo

Hoje, Rincón e vários outros cientistas estão cavando o mais rápido que podem à sombra da grande escavação que é o programa de expansão do Canal do Panamá, a mais ambiciosa reestruturação para o complexo conjunto de diques, canais, represas e pontes desde que o canal foi construído, há um século.

O governo panamenho iniciou o projeto por razões puramente econômicas. Em sua atual configuração, o atalho de 82 km entre os oceanos Pacífico e Atlântico pode dar passagem somente a barcos que carregam até 65 mil toneladas de carga. Porém, muitos navios de empresas de frete internacional preferem, cada vez mais, usar megacargueiros capazes de transportar até 300 mil toneladas.

Como resultado, o Canal do Panamá tem perdido negócios para outras rotas transoceânicas. Com os pedágios do canal correspondendo a aproximadamente US$ 10 mil por navio, por caminho percorrido, e potencialmente mais para os cargueiros gigantes, o governo percebeu não ter escolha, a não ser ampliar e endireitar o canal, a fim de dar mais espaço aos utilitários dos mares.

Para cientistas, o grande projeto de engenharia promete resultados espetaculares. Acredita-se que os trópicos sejam o parque de diversões da natureza, o habitat onde a maioria das formas de vida do mundo começou e, portanto, de maior interesse para os estudiosos evolucionários. Ainda assim, as mesmas condições que induziram a diversidade biológica e a inovação acabam obscurecendo a biografia da vida. O sol, a água, as plantas que crescem de forma exuberante: nada permanece exposto por muito tempo, e as evidências fósseis são empurradas mais para dentro, sob as sucessivas camadas de desenvolvimento e decomposição.

Geologia
O verde tropical também mascara a geologia tropical, a história oculta de como a paisagem virou o que é. Essa obscuridade é uma pena, especialmente no caso do istmo panamenho, devido ao seu papel fundamental como ponte entre os dois continentes. Geólogos há muito tempo buscam decifrar como e quando o istmo surgiu, mas os trópicos não são o Arizona e não existe nenhum Grand Canyon para servir como um livro aberto.

O projeto de expansão do Canal do Panamá, com duração prevista de cinco anos, iniciado no ano passado, oferece a cientistas um tipo de passeio no cânion, um breve puxão do manto da clorofila. Usando dinamite, escavadoras mecânicas, escavadeiras por guindaste e muitas, muitas pás, os trabalhadores irão rearranjar centenas de milhões de metros cúbicos de poeira e rocha. "Não há nada como isso, obter tanta exposição nos trópicos", disse Montes. "Não podemos perder esta oportunidade científica". Carlos Jaramillo, também do Smithsonian, disse: "Sabemos que somos apenas visitantes aqui, mas pelo menos eles estão escavando para nós um buraco de US$ 5 bilhões".

No canal, não existem lugares para os lerdos nem adiamentos para amanhã. No momento em que os trabalhadores explodem uma nova abertura, os pesquisadores devem entrar imediatamente e coletar todos os dados possíveis. Não somente a selva está sempre pronta para reclamar qualquer terra nua, mas as autoridades do canal estão similarmente dedicadas à rápida restauração florestal, e eles adicionam camadas superficiais de solo onde for necessário, a fim de estimular um ambiente propício para estabilizar a vegetação. Eles não querem a repetição das várias tragédias que acompanharam a construção do canal original, quando milhares de pessoas morreram em deslizamentos porque o terreno tinha sido desmatado rapidamente. "Estamos numa corrida contra o tempo", disse Jaramillo.

Os rápidos procedimentos de datação já deram frutos para os cientistas. Ao analisar mais de dois mil fósseis, os registros estratigráficos revelaram, a cada nova rocha cortada, dados paleomagnéticos, razões de isótopos, e mais: os pesquisadores estão tendo uma ideia de como era uma antiga floresta tropical.

Há cerca de 15 milhões de anos, quando o Panamá servia como o posto avançado mais ao sul do continente norte-americano, e a ponte de terra ainda tinha de se formar, a floresta era um sonho. Sua fauna, segundo MacFadden, do museu da Flórida, era similar à dos animais que vivem na Flórida e no Texas. Isso significa lhamas saltitantes, cavalos que pareciam antas gigantes, rinocerontes da floresta, e um carnívoro especialmente selvagem, meio-urso, meio-cachorro. Ainda assim, a flora parecia sul-americana, o aparente resultado de sementes atravessando o oceano em correntes de água ou ar e encontrando solo amigo no calor panamenho.

Há cerca de 10 milhões de anos, o istmo do Panamá começou a se formar, e os pesquisadores estão descobrindo que o pequeno país é um dos lugares mais complexos geologicamente, parte caribenho, parte norte-americano, parte um pequeno pedaço de uma ilha no meio do Pacífico, parte um pequeno pedaço de um arco de uma ilha. "Quatro placas tectônicas estão envolvidas, e todas elas estão colidindo no Panamá", disse Jaramillo. "Você não encontra esse tipo de placa tectônica em nenhum lugar no mundo."

Mais do que isso, enquanto a maioria das placas tectônicas é rígida, ora se batendo, ora se partindo, as placas do Panamá são elásticas. "Eles parecem se dobrar, e não sabemos o motivo", disse Jaramillo.

Talvez elas estejam se aquecendo para o dia em que os diques reestruturados sejam abertos e as grandes cargas comecem a passar.



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