quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Faca de 3,4 milhões de anos

12/8/2010

Agência FAPESP – A mais antiga evidência do uso de ferramentas de pedra por hominídeos foi descoberta na Etiópia, na forma de dois ossos de ungulados (animais com casco). Também é a mais remota prova de consumo de carne por um ancestral do homem moderno.

A descoberta leva o uso de pedras como ferramentas a cerca de 3,4 milhões de anos atrás, ou mais de 800 mil anos antes do mais antigo exemplo de que se tinha notícia até agora.

O estudo, publicado na edição desta quinta-feira (12/8) da revista Nature, foi feito por Shannon McPherron, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, e colegas de diversos países.

Os pesquisadores encontraram na região de Gona, no país africano, uma costela de um animal do tamanho de um boi e o fêmur de um pequeno antílope que tinha tamanho semelhante ao das atuais cabras. Os ossos estão marcados com cortes que sugerem o uso de ferramentas para a remoção da carne e do tutano dos ossos.
Faca de 3,4 milhões de anos

Faca de 3,4 milhões de anos

Cientistas descobrem que uso de ferramenta para remover carne de animais é pelo menos 800 mil anos anterior ao que se acreditava. Estudo é capa da Nature (divulgação)

Segundo o estudo, os ossos podem ter sido manipulados por indivíduos da espécie extinta Australopithecus afarensis, à qual pertence a célebre Lucy, descoberta em 1974 também na Etiópia.

As marcas encontradas, de acordo com os pesquisadores, não deixam dúvidas sobre o que significam. Os sinais deixados demonstram o uso de pedra como ferramenta para retirar a carne e quebrar ossos para a extração do tutano.

“Essa descoberta muda dramaticamente o período que conhecemos de um comportamento decisivo de nossos ancestrais. O uso de ferramentas alterou a maneira como eles interagiram com a natureza, permitindo que consumissem novos tipos de alimentos e que explorassem novos territórios”, disse Zeresenay Alemseged, do Departamento de Antropologia da Academia de Ciências da Califórnia, um dos autores principais do estudo.

“Esse uso também levou à própria fabricação de ferramentas, um passo crítico no nosso caminho evolucionário que eventualmente deu origem a todas as tecnologias atuais, do avião ao telefone celular”, disse.

Segundo Alemseged, ao estender o uso de utensílios para auxiliar na alimentação em quase 1 milhão de anos, a descoberta deverá levar a uma revisão dos conhecimento sobre a evolução humana.

Até então, a mais antiga evidência de tal uso que se tinha notícia eram ossos com marcas de corte de 2,6 milhões de anos, encontrados na região de Bouri, também na Etiópia.

Os ossos encontrados agora forem escavados a apenas 200 metros de onde Alemseged e equipe encontraram o fóssil denominado Selam, ou “filho de Lucy”, em 2000. Selam, um exemplar de fêmea jovem de Australopithecus afarensis que viveu há cerca de 3,3 bilhões de anos, representa até hoje o mais completo esqueleto de um ancestral humano já descoberto.

“Após uma década estudando os vestígios de Selam e buscando novas pistas sobre sua vida, agora podemos adicionar um detalhe novo e significativo na sua história. À luz dessa descoberta, é muito provável que Selam carregasse pedras e ajudasse membros de sua família a desossar animais”, disse Alemseged.

O cientista destaca que, embora o uso de pedra como ferramenta seja inquestionável, não é possível saber se as marcas foram feitas com pedras pontiagudas encontradas pelos Australopithecus afarensis ou se elas foram quebradas com essa finalidade.

O artigo Evidence for stone-tool-assisted consumption of animal tissues before 3.39 million years ago at Dikika, Ethiopia (doi:10.1038/nature09248), de Zeresenay Alemseged e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com.

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