segunda-feira, 23 de agosto de 2010

LINKS PALEONTOLÓGICOS

http://www.nhm.ac.uk/jdsml/nature-online/dino-directory/

http://www.nhm.ac.uk/nature-online/earth/fossils/index.html

http://www.nhm.ac.uk/nature-online/museum-of-life/episode-two/index.html

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tomografia - Crânio

Estresse nas granjas

Engana-se quem pensa que estresse é exclusividade dos humanos. O mal dos tempos modernos já afeta até pequenas aves, como as codornas – que podem ser tratadas com passiflora.

Por: Camila Muniz

Publicado em 16/08/2010 | Atualizado em 18/08/2010

Estresse nas granjas

Para aliviar o sofrimento de codornas em granjas, pesquisadores testaram o uso de diversos tipos de fitoterápicos, e tiveram a melhor resposta com passiflora (foto: Flickr.com/su-lin – CC BY-NC-ND 2.0).

O estresse atinge sobretudo populações de grandes cidades, mas não apenas: chegou também às granjas. Para cuidar de codornas, pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal (SP), estudam como fitoterápicos comumente usados por humanos podem aliviar o sofrimento desses animais.

O calor e as condições de vida nas granjas, onde várias codornas compartilham uma mesma gaiola, causam agitação e nervosismo nas aves. O comportamento inquieto faz o animal utilizar o bico para provocar ferimentos em si mesmo ou nas companheiras, principalmente na cabeça.

“Essa observação nos levou a buscar alguma coisa que pudesse amenizar tantos ferimentos e dor, assim como tamanha agressividade”, conta a zootecnista da Unesp Vera Maria Barbosa de Moraes.

O estresse ainda pode causar aumento da mortalidade entre codornas e queda na produção de ovos, reduzindo a lucratividade de criadores. Muitas vezes, os animais apresentam imobilidade tônica — quando ficam imóveis como se estivessem congelados — e podem até cair em depressão.

Diversas substâncias testadas

Criação de codornas
O calor e as condições de vida em granjas causam agitação e nervosismo nas aves, que podem provocar ferimentos em si mesmo ou nas companheiras (foto: Michael Angelo Lucas – CC BY-NC-ND 2.0).

Na primeira tentativa de ajudar as codornas a combater o estresse, os pesquisadores realizaram um estudo sobre a ação do triptofano nas aves. Esse aminoácido está relacionado ao aumento da serotonina, neurotransmissor que tem efeito direto na sensação de bem-estar. No entanto, constatou-se que ele não era eficaz na diminuição da agressividade dos animais.

Foi aí que os pesquisadores tiveram a ideia de estudar calmantes e ansiolíticos naturais que tivessem ação segura já comprovada em outras espécies, como ratos e humanos.

“Analisando trabalhos feitos com vários fitoterápicos, observamos que a passiflora, a camomila e a valeriana surtiam os efeitos que estávamos buscando para as aves”, explica a zootecnista.

As codornas estressadas foram submetidas a diferentes tratamentos baseados em cada um dos fitoterápicos. Durante o período em que receberam a medicação, elas foram filmadas para que os pesquisadores pudessem analisar posteriormente o comportamento das aves.

A partir da avaliação das respostas comportamentais e fisiológicas — níveis de hormônio e células sanguíneas relacionados ao estresse —, a equipe concluiu que a passiflora foi o fitoterápico que apresentou ação mais eficaz, em comparação à camomila e à valeriana.

Além de reduzir a agressividade, proporcionando mais conforto e qualidade de vida aos animais, a passiflora não afetou a produção de ovos.

Agora que os pesquisadores já conhecem a ação isolada dos fitoterápicos sobre o organismo das codornas, as próximas etapas do estudo buscarão investigar o efeito conjunto dessas três plantas. “A literatura mostra que existe efeito sinérgico desses fitoterápicos sobre ratos e humanos, mas nada se sabe ainda sobre a resposta desses três no comportamento das codornas”, diz Vera Moraes.


Camila Muniz
Ciência Hoje/RJ

Texto publicado originalmente na CH 273 (agosto/2010).


Orbitador da Lua desvenda impactos cósmicos
Pesquisas sobre crateras lunares podem melhorar os métodos de datação de superfícies do Sistema Solar
por Roberta Kwok
Nasa

No lado oculto da Lua, um rio de rochas negras se espalha a partir de uma cratera com 3 km de diâmetro e se divide como uma língua bifurcada. Ele se formou quando um asteroide ou cometa se chocou contra a superfície e aqueceu as rochas a mais de 1000ºC, fazendo com que material derretido se espalhasse 3 km a partir da borda da cratera. “É algo que realmente se destaca”, observa Brett Denevi, cientista planetário da Arizona State University, em Tempe.

Essa cicatriz de impacto é apenas uma dentre as milhares reveladas com um nível de detalhe sem precedentes pelo Orbitador de Reconhecimento Lunar (LRO, na sigla em inglês), que está circundando a Lua desde junho de 2009 e tirando fotos para mapear a superfície do satélite com uma resolução de até 50 cm por pixel.

A maior parte da atenção dedicada ao LRO se deve à detecção de água. No entanto, as fotos detalhadas do Orbitador, algumas das quais foram apresentadas no Fórum de Ciência Lunar no Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, em Moffett Field, na Califórnia, também estão causando insights acerca da mecânica de impactos de asteroides e cometas no que se refere à frequência com que ocorrem – informação que poderia melhorar as estimativas sobre a idade das formações geológicas em outros planetas.

O trabalho, afirma o geólogo planetário Peter Schultz da Brown University, em Providence, Rhode Island, “nos dá uma base mais sólida para datar o Sistema Solar”.

As crateras da Terra sofrem erosão muito rapidamente, então há poucos locais de impacto preservados por aqui para serem estudados pelos cientistas. Porém, há poucas coisas que podem apagar uma cratera na Lua, exceto outros impactos – então ela oferece um laboratório natural para a entendermos como os impactos escavam crateras e geram piscinas de rocha derretida. Denevi e seus colegas descobriram que crateras de tamanhos semelhantes têm uma vasta gama de volumes derretidos – o rio bifurcado tem uma quantidade excepcionalmente grande – e eles estão trabalhando para determinar os fatores, como velocidade, composição e ângulo de aproximação do impactante, que podem ser responsáveis por essa variabilidade.

Outros pesquisadores estão usando os dados para encontrar crateras formadas recentemente. Comparando as fotos do LRO com imagens coletadas pelas missões Apollo nos anos 1970, eles encontraram cinco crateras que apareceram nas últimas quatro décadas. Isso está ajudando a equipe a determinar com que frequência objetos atingem a Lua, afirma o geólogo planetário Alfred McEwen da University of Arizona, em Tucson. Eles observaram apenas uma pequena fatia da Lua e esperam encontrar mais crateras durante os próximos anos de estudo.

Os dados podem preencher uma lacuna no conhecimento científico sobre taxas de colisão para a Terra, assim como para a Lua, porque ambos devem ter taxas de impacto proporcionais a seus tamanhos. Grandes asteroides que podem ameaçar a Terra podem ser observados no espaço. Objetos menores, porém, podem cair sem serem detectados ou se desintegrarem na atmosfera. Na Lua, no entanto, eles deixariam sua marca.

A contagem de crateras também pode levar a uma recalibragem de métodos para estimar a idade das superfícies em outros pontos do Sistema Solar. No momento, a Lua age como uma espécie de relógio fundamental. Os cientistas dataram as amostras lunares trazidas à Terra pela Apollo e ligaram essas datas à densidade da cratera do terreno original da amostra. Assim, quando uma cratera com certa densidade é encontrada em Marte, por exemplo, os pesquisadores a comparam com a superfície da Lua para descobrir sua idade.

No entanto, correções devem ser aplicadas no que se refere às diferenças entre taxas de impacto entre a Lua e Marte. Elas são estimadas a partir do cálculo da órbita dos asteróides, da localização de Marte no Sistema Solar e de modelos que levem em conta seu maior tamanho e gravidade.

Combinando as observações do LRO com as de outras sondas, os cientistas podem conseguir determinar as taxas de impacto relativas por todo o Sistema Solar mais diretamente. McEwen e sua equipe encontraram novas crateras em Marte nos últimos quatro anos, usando os dados do Orbitador de Reconhecimento de Marte, da Nasa.

Além disso, uma taxa de impactos para Mercúrio pode surgir quando a missão Messenger da Nasa começar a orbitar o planeta no ano que vem, apesar de McEwen acreditar que novas crateras terão que ser muito grandes para serem detectadas.
Schultz avalia que esta é uma oportunidade para melhor a datação de superfícies em outros planetas com medidas em vez de modelos. “Queremos ver o que a natureza tem para mostrar”, completa.

Flora numa fria

Quatro espécies recém-descobertas na serra Fina, na divisa entre Minas, Rio e São Paulo, já estão ameaçadas pelo aquecimento global. A descoberta pode incentivar estudos e iniciativas de preservação da área.

Por: Debora Antunes

Publicado em 16/08/2010 | Atualizado em 16/08/2010

Flora numa fria

Pertencente à família das margaridas (‘Asteraceae’), a ‘Chinolaena sp’ é uma das novas espécies descobertas nos campos de altitude da Serra Fina (foto: Leonardo Dias Meireles).

Já bastariam as belas paisagens da serra Fina, pertencente à serra da Mantiqueira, para perceber o valor da região. Mas a descoberta de novas espécies da flora mostrou que o local guarda muitas riquezas para a ciência.

‘Symplocos sp’
O arbusto ‘Symplocos sp’, outra nova descoberta (foto: Leonardo Dias Meireles).

Três espécies pertencem à família das margaridas (Asteraceae), e outra à família Symplocaceae.

Além dessas quatro, ainda há três espécies em processo de análise por taxonomistas, e que devem se juntar à lista das descobertas. Todas elas foram encontradas nos campos de altitude da serra durante o trabalho de doutorado do biólogo Leonardo Dias Meireles pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

De acordo com Meireles, pouco se sabia sobre a área até agora. “Os poucos dados sobre a flora haviam sido coletados em áreas mais baixas da região e são de mais cinquenta anos atrás”, diz ele.

Dúvida fértil

Em 1997, George Shepherd, orientador da tese de Meireles, esteve no local e percebeu semelhanças da vegetação com os campos e florestas de altitude do Sul do país. Semelhanças que intrigaram o biólogo. Por que a vegetação se pareceria à do Sul do país, e não à vegetação da região Sudeste?

‘Berberis kleinii Mattos’
A ‘Berberis kleinii Mattos’, conhecida em Santa Catarina, foi encontrada na Serra Fina (foto: Leonardo Dias Meireles).

Impulsionado pela dúvida, Meireles foi a campo e conseguiu coletar aproximadamente 393 espécies da flora. Comparando o material coletado com espécies já catalogadas, o biólogo identificou sete espécies desconhecidas.

“Estudamos sua distribuição geográfica e verificamos que elas ocorrem em poucos locais e são típicas de áreas montanhosas”, conta ele, acrescentando que pertencem a gêneros que provavelmente vieram dos Andes e se modificaram na região.

De acordo com a pesquisa, um resfriamento na temperatura durante o período Quaternário (que compreende os últimos dois milhões de anos), poderia explicar a origem da vegetação no local.

É possível que ela tenha existido em maior extensão no passado, conectando o Sul e o Sudeste. Com o aumento das temperaturas no Holoceno, período mais recente na escala de tempo geológica, teria permanecido apenas no topo de cadeias montanhosas.

Serra Fina
A vegetação variada de ervas e arbustos que compõe os campos de altitude (foto: Leonardo Dias Meireles).
Criação por humanos modificou o cérebro canino
Reprodução seletiva teria alterado a posição cerebral em cães com crânios curtos, diminuindo a capacidade olfativa
por Ferris Jabr
Pomakis Keith/ Wikimedia Commons
Bulbos olfativos mudam de posição em certas raças
Compare o pequeno chihuahua com o assustador dogue alemão, ou com o ágil greyhound. Muitos cientistas concordam que isso mostra a variação morfológica do cão doméstico mais do que qualquer outra espécie conhecida, graças à criação seletiva dos seres humanos. Mas as raças dos cães diferem em mais do que suas aparências. Um novo estudo sugere que as preferências humanas alteraram dramaticamente a estrutura e função do cérebro de certas raças, modificando o sentido do olfato e do comportamento.

Em um estudo publicado em PLoS ONE, o neurocientista Michael Valenzuela, da University of New South Wales na Austrália, investigou um aspecto da anatomia canina que não tem recebido muita atenção em pesquisas anteriores: a posição do cérebro dentro do crânio. Todos os cães, não importa a raça, pertencem à mesma subespécie (Canis lupus familiaris) do lobo cinzento (Canis lupus), do qual foram domesticados. Os lobos cinzentos têm crânios relativamente longos. Em contraste, os crânios de cães domésticos variam de um extremo ao outro: do pastor alemão ou um husky siberiano para um terrier ou um bulldog. Valenzuela e seus colegas queriam determinar se as diferenças artificialmente selecionadas no comprimento do crânio entre as raças dos cães também reorganizaram o cérebro canino.

Os pesquisadores usaram a ressonância magnética para mapear o cérebro de 11 cães. O grupo era constituído por um akita, um maltês, um bullterrier, um shih tzu, um galgo, um Jack Russell terrier, um pit Bull e entre outros. Uma vez que eles adquiriram as imagens cerebrais, os pesquisadores analisaram a posição global do cérebro no crânio e estimaram qual o volume relativo do bulbo olfatório – tecido neural responsável pelo processamento de aromas, que no lobo é aproximadamente 40 vezes maior que nos seres humanos em relação ao tamanho total do cérebro. Os pesquisadores também calcularam o índice cefálico (IC), dividindo a largura do crânio pelo comprimento e multiplicando por 100. Quanto maior o IC, menor o comprimento do crânio e vice-versa.

Os cães com o menor crânio, como o pit bull, akita e shih tzu , demonstraram uma reorganização cerebral significativa. Nos cães de focinho curto, os bulbos olfativos tinham mudado de posição em direção à base do crânio. Em outras palavras, os resultados implicam que, quando a reprodução seletiva por seres humanos determina as raças do cão, também transforma seus cérebros. A criação seletiva pode ter “tirado” dos cães de focinho curto seu sentido olfativo apurado.
Parente do crocodilo pode ter mastigado como um mamífero
Cientistas reconstituem crânio que tinha dentes com funções de mastigação
por Katherine Harmon




























Crocodilos modernos podem ter dentes afiados para rasgar carne, mas não conseguem mastigar como os seres humanos. Na verdade, os mamíferos têm liderado a habilidade de mastigação, enquanto outras formas de vida simplesmente rasgam os alimentos antes de ingeri-los.

Mas uma espécie recentemente descrita em relação crocodilo do cretáceo (Pakasuchus kapilimai) talvez pudesse mastigar.

Considerando que os membros sobreviventes da família Crocodilidae têm a boca forrada com todos os dentes pontudos e ameaçadores, esta criatura antiga tinha dentes de diferentes formas e funções. Na parte da frente do crânio havia pequenos dentes cônicos, mas a parte traseira tinha dentes achatados como molares, sugerindo a mastigação dos alimentos. A descrição dos resultados da mandíbula foi publicada on-line na revista Nature.

"Os dentes são tipicamente de mamíferos", diz Patrick O\\'Connor, do Departamento de Ciências Biomédicas na Ohio University College e autor do estudo. "Sem dúvida, tiveram mais organização e melhor capacidade no processamento de alimentos, comparados a seus parentes mais modernos”.

Ele e sua equipe usaram um scanner para analisar o crânio do animal. Essa analise permitiu que reproduzissem digitalmente os dentes e a mandíbula.

Mas as características dessa espécie Crocodyliform notosuchian não terminam na sua dentição. “Esse crocodilo antigo era do tamanho de um gato doméstico e provavelmente viveu principalmente em terra firme”, observou O\\'Connor.

Embora P. kapilimai tinha formado um arranjo dos dentes e da mandíbula que eventualmente teve sucesso em muitos mamíferos, a experiência evolutiva não parece ter sido suficiente para mantê-los vivos até os dias atuais.
Fonte: www.sciam.com




segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vitória alada
Acreditava-se que as aves modernas surgiram após a extinção dos dinossauros, mas os dois foram contemporâneos
por Gareth Dyke
É DEZEMBRO EM MOSCOU, e a temperatura cai para 15o Celsius negativos. Os aquecedores do bar não funcionam bem. Estou sentado com um casaco pesado e luvas, bebendo vodca, enquanto reflito sobre os fósseis de aves. É 2001, e Evgeny N. Kurochkin, da Academia Russa de Ciências, e eu passamos horas no museu de paleontologia como parte de nosso trabalho de levantamento de todos os fósseis de aves já coletados por expedições conjuntas mongol-soviéticas. Entre os restos está uma asa desenterrada no deserto de Gobi em 1987. Se comparada a esqueletos de dinossauros espetacularmente preservados em coleções do museu, essa minúscula asa com os ossos delicados misturados e esmagados não demonstra nenhum glamour. Porém, oferece um forte indício de que uma opinião generalizada sobre a evolução das aves está equivocada.

Hoje, mais de 10 mil espécies de aves povoam a Terra. Algumas estão adaptadas a viver distantes, em mar aberto, outras sobrevivem em desertos áridos ou habitam as montanhas cobertas de neve. Aliás, de todas as classes de vertebrados terrestres, a que inclui as aves é, de longe, a mais variada. Os biólogos evolucionistas já há muito tempo supunham que os ancestrais das aves de hoje devem o seu sucesso ao impacto de um asteroide que extinguiu os dinossauros e muitos outros vertebrados terrestres há cerca de 65 milhões de anos. Seu raciocínio era simples: apesar de as aves terem evoluído antes dessa catástrofe, as variedades anatomicamente modernas surgiram em registros fósseis somente após esse acontecimento. O aparecimento de patos, cucos, beija-flores e outras formas modernas, que juntas compõem a linhagem das neornithes (“aves novas”), parecia ser um caso clássico de explosão evolutiva em resposta à abertura de novos nichos ecológicos provocados por um evento de extinção. Nesse caso, os nichos foram ocupados por dinossauros, répteis voadores conhecidos como pterossauros e aves primitivas.

Durante a última década, no entanto, evidências crescentes a partir de registros fósseis – inclusive aquela asa esmagada – e de análises do DNA de aves vivas revelaram que as aves neornithes provavelmente se diversificaram antes de 65 milhões de anos atrás. As descobertas acabaram com a visão tradicional da evolução das aves e suscitaram novas questões importantes sobre como esses animais ascenderam até as alturas evolutivas.

AS AVES PRIMITIVAS

AS AVES SÃO UM DOS TRÊS GRUPOS
de vertebrados que evoluíram a ponto de bater as asas, de forma ativa, para o voo. Os outros dois são os malfadados pterossauros e os morcegos, estes apareceram muito mais tarde e compartilham o céu com as aves até hoje. Os paleontólogos discutiram a origem das primeiras aves durante muitos anos. Uma parte argumentava que elas evoluíram a partir de pequenos dinossauros carnívoros pertencentes ao grupo dos terópodes, a outra defendia que evoluíram de répteis primitivos. Porém, descobertas de duas décadas passadas sobre dinossauros semelhantes a pássaros, inclusive muitos com penugem, convenceram a maioria dos cientistas de que os pássaros evoluíram dos dinossauros terópodes.

No entanto, preencher a lacuna entre os ancestrais aviários e as aves modernas provou- se ser muito mais capcioso. Vamos tomar o Archaeopteryx, a criatura de 145 milhões de anos da Alemanha, a mais antiga ave conhecida. O Archaeopteryx preserva a mais antiga evidência definitiva de asas com penas assimétricas capazes de gerar a sustentação necessária para o voo – a característica que defi ne o grupo. Entretanto, ele se assemelha mais aos dinossauros de porte pequeno, como o Velociraptor, o Deinonychus, o Anchiornis e o Troodon, que com as aves modernas. Como esses dinossauros, as aves primitivas, como o Archaeopteryx e o Jeholornis, descoberto mais recentemente na China, e o Rahonavis de Madagascar exibiam longas caudas ósseas, e algumas tinham dentes afi ados, dentre outras características primitivas. As neornithes, em contraste, não exibem essas características e apresentam um conjunto de traços avançados. Esses recursos incluem os ossos do dedo do pé totalmente fundidos e asas sem dedos, que reduzem o peso do esqueleto, permitindo voos mais eficientes; e pulsos e asas altamente flexíveis, que melhoram a maneabilidade no ar. Porém, foi impossível determinar como e quando as neornithes adquiriram essas características, por causa da ausência de fósseis que documentem essa transição.

Isso não quer dizer que o registro fóssil não tivesse nenhum remanescente aviário intermediário, em termos de idade, entre as aves primitivas e as neornithes pós-extinção. Claramente já no início do Cretáceo, há mais de 100 milhões de anos, as aves que representavam uma ampla gama de adaptações de voo e especializações ecológicas acabaram por evoluir. Algumas voaram com asas amplas e largas, enquanto outras tiveram asas longas e fi nas. Algumas viviam em florestas se alimentando de insetos e frutas, outras construíram seus lares às margens de lagos ou de água e subsistiram comendo peixes. Essa incrível diversidade persistiu até os últimos estágios do Cretáceo, há 65 milhões de anos. Na verdade, juntamente com os meus colegas holandeses do Museu de História Natural de Maastricht, descrevi restos de aves com dentes, encontrados logo abaixo do horizonte geológico que marca o evento de extinção do final do Cretáceo. Mas todas as aves do Cretáceo que estão completas o suficiente para ser classificadas pertenciam a linhagens mais antigas que as neornithes, e essas linhagens não sobreviveram à catástrofe. É por isso que, até recentemente, as evidências disponíveis sugeriam que a explicação mais simples para o aparecimento das aves modernas era que elas se originaram e se espalharam após o evento da extinção.
Na década de 90, enquanto os paleontólogos ainda buscavam as neornithes ancestrais do Cretáceo sem qualquer resultado positivo, outro método de reconstrução da história evolutiva dos organismos, à parte do registro fóssil, foi ganhando força. Os biólogos moleculares faziam o sequenciamento de DNA dos organismos vivos e comparavam essas sequências para estimar quando os dois grupos se separaram. Eles conseguem fazer essas estimativas porque determinadas partes do genoma sofrem mutação a uma taxa mais ou menos constante, formando o assim chamado “tique-taque” do relógio molecular.
Há muito tempo, os biólogos moleculares questionavam a visão clássica da evolução das aves modernas baseada em fósseis. Então lidaram com o problema usando sua técnica de relógio, para estimar a divergência de datas das principais linhagens de aves modernas. Dentre as separações mais significativas está a que ocorreu entre os enormes, e praticamente não voadores, Paleognathae (avestruzes, emas e parentes) e os Galloanserae (que inclui galinhas e outros membros do grupo Galiformes, bem como patos e outros membros do grupo dos Anseriformes). Os estudos de DNA concluíram que essas duas linhagens, a mais primitiva dentre as neornithes existentes, se separaram há muito tempo, no Cretáceo. E os pesquisadores obtiveram datas semelhantes dessa antiga separação para outras linhagens.

Os resultados inferiram que, contrariamente ao senso comum paleontológico, as neornithes conviveram com os dinossauros. É engraçado pensar em um tordo empoleirado nas costas de um Velociraptor, ou em um pato nadando ao lado de um Spinosaurus. Porém, a evidência molecular para a contemporaneidade das aves modernas com os dinossauros foi tão convincente que até mesmo os paleontólogos que geralmente viam com ceticismo as descobertas do DNA conflitantes com os registros fósseis começaram a aceitá-la. Ainda assim, aqueles dentre nós que estudam esqueletos antigos queriam a confirmação fóssil urgente dessa nova visão sobre a evolução das aves.

Finalmente, depois do novo milênio, a sorte dos paleontólogos começou a mudar para melhor, a partir da minúscula asa mongol sobre a qual Evgeny e eu nos concentramos em Moscou. Voltando ao tempo em que Evgeny viu o fóssil pela primeira vez em 1987, ele me disse que pensou que talvez fosse um membro das Presbyornithidae, grupo extinto de aves, aparentado dos patos e gansos modernos. Mas 70 milhões de anos atrás, era um pássaro do Cretáceo, e todos sabiam, ou supunham saber, que não havia evidências defi nitivas de Presbyornithidae no Cretáceo. No entanto, nossas comparações no museu, naquele gelado inverno em 2001, demonstraram conclusivamente que a asa com o seu carpo-metacarpo reto (osso formado pela fusão dos ossos da mão) e detalhes de canais, sulcos e cicatrizes musculares, de fato, pertencia a uma Presbyornithidae que, além disso, era o mais antigo representante inequívoco de qualquer grupo de neornithes. Nosso achado se ajustou perfeitamente às previsões dos biólogos moleculares. Em um documento de 2002, que descreveu o animal formalmente, demos-lhe o nome Teviornis.




[continuação]

Pouco tempo depois, o Teviornis ganhou a companhia de uma segunda neornithe primitiva, o Vegavis, da ilha de Vega, na Antártida. O Vegavis foi encontrado na década de 90, e descansou em relativo anonimato durante anos, antes de sua verdadeira importância vir à tona. Em 2005, Julia A. Clarke, que no momento está na University of Texas em Austin, e seus colegas publicaram um artigo mostrando que o Vegavis foi outro pássaro do Cretáceo que exibe várias características encontradas nos patos modernos, especialmente em relação ao ombro largo, à pélvis, aos ossos das asas e às pernas curtas. Com 66 a 68 milhões de anos, o Vegavis é um pouco mais jovem que o Teviornis, mas ainda pertence claramente ao período anterior à extinção em massa. Além de ser um fóssil mais completo, preservando a maior parte do esqueleto.

Para a maioria dos paleontólogos, o Vegavis venceu a batalha contra as neornithes do Cretáceo. Com esse esclarecimento, os estudiosos começaram a reexaminar as coleções de fósseis dessa época, buscando exemplos adicionais dessas aves modernas primitivas. Uma pesquisadora, Sylvia Hope, da California Academy of Sciences, em São Francisco, vinha defendendo fazia anos que havia identifi cado espécies de aves modernas a partir de fósseis encontrados em Nova Jersey e Wyoming, datados entre 80 milhões e 100 milhões de anos atrás. Mas essas descobertas – na maior parte apenas ossos isolados – foram consideradas por alguns pesquisadores como precárias demais para uma identifi cação conclusiva. As revelações sobre o Vegavis e o Teviornis sugerem que ela estava certa o tempo todo. As comparações dos ossos de Hope com restos mais completos devem se provar esclarecedoras sobre o assunto.

PONTO DE ESCAPE
A DESCOBERTA DA RAIZ DAS AVES MODERNAS no Cretáceo alinhou perfeitamente os registros fósseis com as datas divergentes baseadas no DNA. No entanto, ela levantou uma nova questão incômoda, ou seja, por que os pássaros modernos conseguiram sobreviver ao impacto de asteroides e às mudanças ecológicas consequentes, quando seus primos voadores aviários mais primitivos e seus companheiros, os pterossauros, não sobreviveram? Em minha opinião, isto constitui o único mistério relevante remanescente sobre a evolução das aves. A resposta ainda está muito longe de ser elucidada, e, neste momento, venho dedicando grande parte da minha pesquisa à tentativa de descobri-la.

por Gareth Dyke
DE “ DEFINITIVE FOSSIL EVIDENCE FOR THE EXTANT AVIAN RADIATION IN THE CRETACEOUS”, POR JULIA A. CLARKE ET AL., EM NATURE, VOL. 433; 20 DE JANEIRO DE 2005

Com apenas uma dupla de neornithes confi rmada no Cretáceo, não há muito em termos de pistas fósseis para seguir adiante. No entanto, novas suposições estão sendo feitas em estudos de aves vivas. Usando inúmeras informações de medições de aves vivas, os meus colegas do Reino Unido e eu demonstramos, por exemplo, que as proporções de osso de asa de pássaros primitivos modernos, inclusive o Teviornis e o Vegavis, não são diferentes dos extintos enantiornites. Comparando as proporções do osso da asa fóssil com as das aves de hoje podemos inferir alguns aspectos sobre o formato da asa e, em consequência, obtermos informações sobre as capacidades aerodinâmicas das aves dos fósseis. Mas só podemos concluir que as formas das asas dos dois grupos de aves fósseis não diferem entre si, em outras palavras, não achamos que as primitivas neornithes fossem melhores quanto ao voo do que os enantiornithes (embora os dois grupos provavelmente tivessem desempenho melhor no ar que os animais semelhantes aos terópodes, como o Archaeopteryx).

Se a capacidade de voo não propiciou às neornithes uma vantagem sobre os seus homólogos do Cretáceo, o que poderia propiciar? Vários paleontólogos, inclusive eu, propuseram que diferenças nos hábitos alimentares podem ter oferecido uma vantagem competitiva. Em apoio a essa teoria, mostrei em uma série de artigos publicados ao longo dos últimos anos que as aves modernas, preservadas no rescaldo da extinção em massa, em rochas de 60 milhões de anos ou mais jovens que isso, provavelmente habitavam sobretudo ambientes úmidos: litoral, lagos, as margens dos rios e o alto-mar, por exemplo. Muitas aves que vivem nesses ambientes hoje, dentre eles os patos, são tipicamente onívoras, capazes de subsistir com uma ampla gama de alimentos. E as aves semelhantes aos patos são atualmente a única linhagem confirmada de aves modernas encontradas no Cretáceo. Em contraste, os grupos de aves do Cretáceo que não sobreviveram ao desastre foram coletados de rochas formadas em vários tipos diferentes de ambientes, inclusive costas, zonas do interior, desertos e florestas. Essa diversidade ecológica pode indicar que as aves arcaicas evoluíram com especializações alimentares em cada um desses nichos. Talvez, então, o segredo do sucesso dos pássaros modernos primitivos foi simplesmente o fato de ser menos especializados que os outros grupos.

Essa flexibilidade pôde permitir às neornithes se adaptar mais facilmente às novas condições que se seguiram ao impacto do asteroide. É uma ideia atraente, mas trata-se apenas do princípio. Somente com a descoberta de mais fósseis, seja no solo ou em gavetas de museu, poderemos determinar como os pássaros modernos iludiram a extinção e criaram asas.

Gareth Dyke prefere fósseis de ossos secos e achatados a aves vivas. Paleontólogo do University College Dublin, interessou-se pelo voo de animais quando era estudante de pós-graduação na Inglaterra. Ao pesquisar a evolução das aves e seus voos, estudou e descreveu fósseis do mundo todo. Quando não está viajando para visitar museus ou fazer trabalho de campo no meio de desertos, Dyke gosta de estudar a história europeia do século 19. Ele está escrevendo um livro sobre um colecionador de dinossauros da Transilvânia que era também espião da Áustria-Hungria.
[continuação]

sábado, 14 de agosto de 2010

10 espécies de Tubarões

Lucy e suas ferramentas

Publicado em 11/08/2010

Um achado na Etiópia mostra que hominídeos podem ter usado ferramentas 800 mil anos antes que se acreditava, na época dos australopitecos, e indica que a espécie da famosa Lucy já comia carne. Todas essas informações vieram de apenas dois ossos.

Lucy e suas ferramentas

As marcas de cortes e talhos nos dois ossos encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que hominídeos da época – cerca de 3,4 milhões de anos atrás – já usavam ferramentas de pedra e comiam carne (foto: Dikika Research Project).

Eram dois ossos fossilizados de grandes mamíferos: um pedaço de costela e um trecho de um fêmur. Os depósitos vulcânicos onde foram encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que são de 3,42 a 3,24 milhões de anos atrás. Mas o fator decisivo para a descoberta foram as falhas em suas superfícies: marcas de cortes, talhos e golpes, que não poderiam ter sido feitos por outros animal nem pelas mãos humanas.

Fóssil em detalhe
O detalhe mostra dois cortes paralelos feitos por ferramentas na costela encontrado, que pertencia a um mamífero do tamanho de uma vaca (foto: Dikika Research Project).

A conclusão dos pesquisadores – liderados por Shannon McPherron, do Instituto de Antrolopogia Evolutiva Max Planck, na Alemanha, e Zeresenay Alemseged, da Academia de Ciências da Califórnia – é que estavam diante de ossos de animais que serviram de jantar aos Australopithecus afarensis.

As marcas teriam sido deixadas por instrumentos de pedra, usados para raspar a carne do osso e tirar a medula de seu interior, também para a alimentação. De acordo com o estudo, é a primeira evidência de que os australopitecos usavam ferramentas, e também que comiam carne.

Agora, quando imaginamos a Lucy caminhando pela paisagem do leste africano em busca de comida, pela primeira vez podemos imaginá-la com uma ferramenta de pedra na mão, e procurando carne”, disse o arqueólogo Shannon McPherron, em comunicado do Instituto Max Planck.

Os fósseis mais conhecidos de australopitecos são os de Lucy e Selam. Este último ficou conhecido como o ‘filho de Lucy’: uma criança de 3,3 milhões de anos descoberta também em Dikika, em 2006, e pela mesma equipe de pesquisadores – a apenas centenas de metros de onde foi feita a nova descoberta. Como naquela ocasião, o novo achado foi publicado na revista Nature, nesta semana.

Zeresenay Alemseged
O paleoantropologista Zeresenay Alemseged escava fóssil de um rinoceronte de 3,4 milhões de anos, encontrado no mesmo lugar que os ossos com marcas de ferramentas (Dikika Research Project).

As mais antigas até então

Até agora, as ferramentas de pedra mais antigas que se conhecia eram de entre 2,5 e 2,6 milhões de anos atrás, encontradas em Gona, na Etiópia. Eram também desta época as primeiras evidências do uso de ferramentas para abater animais, graças a ossos com marcas de corte encontradas em Bouri, no mesmo país.

“A descoberta desloca radicalmente a linha de tempo sobre os hábitos de caça de nossos ancestrais”, diz paleoantropologista Alemseged.

Segundo o estudo, as ferramentas provavelmente não seriam usadas pelos hominídeos para caçar, e sim para se aproveitar de restos deixados por predadores. Ainda assim, o consumo de carne e o uso de ferramentas são dois passos decisivos na trilha do desenvolvimento humano.

Além de representar grandes mudanças na interação com a natureza, permitindo explorar novos territórios e comer outros alimentos, o uso de ferramentas é acompanhado de sua fabricação – “hábito precursor de tecnologias tão avançadas quanto aviões, aparelhos de ressonância magnética e iPhones”, lembra Alemseged.


Júlia Dias Carneiro
Ciência Hoje On-line

O misterioso ‘peixe humano’

Considerado um dos animais mais peculiares da natureza, o proteus continua a intrigar os cientistas. Além da pele rosada que lhe rendeu a comparação aos humanos, o anfíbio cego de 20 gramas consegue – ainda não se sabe como – atingir até 100 anos de vida.

Por: Larissa Rangel

Publicado em 10/08/2010 | Atualizado em 10/08/2010

O misterioso ‘peixe humano’

Um par de proteus numa caverna na Eslovênia: existente apenas no sul da Europa, o anfíbio é exclusivamente aquático e diferente de qualquer outra espécie. Apesar de pesar apenas 20 gramas, consegue chegar aos 100 anos de idade (foto: Boštjan Burger).

O proteus (Proteus anguinus) é um anfíbio cego que vive nas águas subterrâneas de cavernas do sul da Europa. Por conta de sua pele rosada e sua forma tubular, ganhou o apelido de ‘peixe humano’. O seu nome, inspirado na mitologia grega, remete ao deus marinho que possuía cabeça e tronco humanos e o resto do corpo em forma de serpente – assim como a salamandra.

Mas não é apenas sua aparência que vem despertando a curiosidade dos cientistas. O ecólogo Yann Voituron, da Universidade Claude Bernard, na França, acaba de lançar um artigo no periódico Biology Letters levantando possíveis razões para a impressionante longevidade do animal – que pode chegar aos 100 anos.

O proteus pertence à ordem Caudata, família dos Proteídeos, gênero Proteu. É a única espécie de seu gênero, e o único representante europeu da família dos Proteídeos.

Segundo Voituron, a espécie vem sendo estudada há cinquenta anos numa caverna artificial que imita seu habitat com fidelidade. O objetivo era evitar caçá-la, já que é tão rara. Na época, os primeiros indivíduos do ambiente tinham 10 anos de idade. “Hoje, com 60 anos, as salamandras aquáticas não apresentam qualquer sinal de velhice”, garante o pesquisador.

Mistério da longevidade

Proteus
A pele rosada e o corpo em formato tubular garantiram ao proteus a aparência bizarra e o apelido de ‘peixe humano’ (foto: CNRS).

Em geral, há uma relação direta entre a massa e a expectativa de vida de um animal, como indica o fato de que um elefante consegue atingir muitos anos a mais que um rato. Segundo Voituron, de acordo com essa lógica, o proteus deveria pesar 35 quilos – e não apenas suas 20 gramas.

O paradoxo não para por aí. O metabolismo do animal não é tão lento assim, o que poderia favorecer a vida longa; e ele também não possui nenhum sistema de proteção antioxidante. Sua longevidade poderia, então, ser explicada pela falta de predadores, que torna sua sobrevivência muito mais fácil – mas não a ponto de estender sua sobrevida a um século.

Outro ponto observado pela equipe é a vida preguiçosa do ‘peixe humano’. Ele come apenas uma vez por mês e não precisa correr para fugir e, dessa forma, consegue manter sua taxa metabólica estável.

A terceira teoria, a novidade introduzida no artigo, está relacionada à funcionalidade das mitocôndrias, área de estudo de Voituron.

A sugestão é de que os proteus conseguem produzir mais energia celular com menos oxigênio, a partir de um mecanismo extra-eficiente, que emite poucos radicais livres. “Ao produzir mais energia, desprendendo menos radicais livres, é possível evitar o envelhecimento”, explica o pesquisador.

Ainda este ano, sua equipe pretende realizar experimentos com o apoio de gerontologistas, que estudam fenômenos do envelhecimento humano. Porém, Voituron ressalta: “Ainda há muito a entender sobre esse misterioso animal, e nós temos mais perguntas que respostas quanto aos reais motivos de sua vida tão longa”.


Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line

Sapos: À prova de frio

Análise genética de sapos revela que mata atlântica gaúcha pode ter resistido à última era do gelo. A linhagem genética de grupo nativo se mostrou mais antiga do que se esperava, indicando sua existência numa época em que a mata local se acreditava extinta.

Por: Fred Furtado

Publicado em 09/08/2010 | Atualizado em 09/08/2010

À prova de frio

A ‘Rhinella ornata’ é uma das espécies do grupo ‘Rhinella crucifer’ usadas na pesquisa (foto: Francisco Brusquetti).

A mata atlântica pode não estar resistindo à ação humana, mas ela conseguiu sobreviver, em alguma extensão, à era do gelo. Pelo menos é o que sugere um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro (SP).

Eles analisaram o perfil genético de um grupo de sapos que habita todo o bioma e descobriram que, no Rio Grande do Sul, as linhagens genéticas são mais antigas do que se esperava. Isso indicaria que seu hábitat, a mata atlântica, existia nessa região durante a última era glacial, 12 mil anos atrás. Os resultados contradizem os de outro trabalho, publicado na revista norte-americana Science.

A pesquisa começou em 2007 como tema da tese de doutorado da bióloga Maria Tereza Chiarioni Thomé. O objetivo era estudar a evolução do grupo de sapos Rhinella crucifer, nativo e amplamente distribuído na mata atlântica, e também obter informações sobre o bioma por meio dessa história evolutiva.

Os pesquisadores começaram os estudos averiguando a diversidade genética do grupo, composto por cinco espécies aparentadas que, até há pouco tempo, eram consideradas a mesma espécie. “Os resultados mostraram que a linhagem mais antiga estava localizada na região mais ao sul do bioma, ao contrário do que se esperaria segundo a hipótese publicada na Science”, constata Thomé.

Ela conta que, segundo as pesquisas na área, a mata atlântica teria sofrido grande fragmentação por conta das alterações climáticas na era do gelo, tendo sido extinta ao sul do estado de São Paulo durante esse período. Isso teria levado à extinção de populações animais que dependiam de seu hábitat para sobreviver.

Assim, o esperado seria encontrar linhagens genéticas mais recentes nessa região, provenientes de um processo de recolonização a partir de áreas mais ao norte, que permaneceram mais estáveis, como refúgios.

“Esperávamos detectar um alto grau de parentesco dos animais que hoje ocupam o sul com os do norte, mas não foi o que vimos. Isso acabou virando o tema principal desse artigo”, afirma a bióloga.

O resultado indica que a mata atlântica existia na região durante a última era glacial, 12 mil anos atrás

Os pesquisadores começaram os estudos averiguando a diversidade genética do grupo, composto por cinco espécies aparentadas que, até há pouco tempo, eram consideradas a mesma espécie. “Os resultados mostraram que a linhagem mais antiga estava localizada na região mais ao sul do bioma, ao contrário do que se esperaria segundo a hipótese publicada na Science”, constata Thomé.

Ela conta que, segundo as pesquisas na área, a mata atlântica teria sofrido grande fragmentação por conta das alterações climáticas na era do gelo, tendo sido extinta ao sul do estado de São Paulo durante esse período. Isso teria levado à extinção de populações animais que dependiam de seu hábitat para sobreviver.

Assim, o esperado seria encontrar linhagens genéticas mais recentes nessa região, provenientes de um processo de recolonização a partir de áreas mais ao norte, que permaneceram mais estáveis, como refúgios.

“Esperávamos detectar um alto grau de parentesco dos animais que hoje ocupam o sul com os do norte, mas não foi o que vimos. Isso acabou virando o tema principal desse artigo”, afirma a bióloga.

Mata atlântica gaúcha
A mata atlântica gaúcha pode ter resistido à era do gelo (foto: Maria Tereza Chiarioni Thomé).

Relógio molecular

Os pesquisadores analisaram 65 indivíduos pertencentes ao grupo da Rhinella crucifer. Eles usaram sequências de DNA mitocondrial e do núcleo para criar árvores filogenéticas, que revelam o grau de parentesco entre as espécies. Esses dados permitiram criar um relógio molecular para datar eventos e a idade das linhagens.

“As mutações são eventos raros e que ocorrem com uma frequência razoavelmente conhecida. Por isso, a partir de sua quantidade, podemos estimar a idade de uma linhagem. Quanto mais mutações, mais antiga a espécie é”, explica Thomé.

Além das informações genéticas, os cientistas também utilizaram dados sobre os pontos de ocorrência dos animais para construir modelos matemáticos com base em cenários sobre os climas passados (paleoclimáticos) para saber como essas espécies estariam distribuídas naquela época.

“São dados bem diferentes, mas que podem ajudar muito quando combinados com os dados genéticos”, diz a bióloga.

O resultado surpreendeu os pesquisadores, pois mostrava a presença dessas espécies em regiões onde a mata atlântica teria sido destruída. “Isso contradiz o outro estudo, pois, se os animais estavam lá, então o seu hábitat também estava”, esclarece Thomé.

Ela afirma que há pouca chance de os animais terem migrado para outra área e retornado quando a mata atlântica tivesse se reestruturado, já que eram pequenos e, diferentemente dos grandes mamíferos, têm pouca capacidade de dispersão.

Thomé acredita que a diferença entre os seus resultados, publicados na revista Molecular Phylogenetics and Evolution, e os do artigo da Science seja exatamente isso – uma diferença.

“Isso indica que a mata atlântica é uma região muito mais complexa e que não podemos explicar o surgimento dessa enorme diversidade com uma única teoria. Ela pode ser aplicada a alguns animais, o que já é importante, mas não a todos”, conclui a bióloga, que continuará estudando os sapos Rhinella crucifer e tentando encontrar mais pistas sobre processos de diversificação no bioma.

Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ

Texto originalmente publicado na CH 272 (julho/2010)

O manto negro da morte

O maior derramamento de petróleo da história, no golfo do México, parece ter sido contido. Jerry Borges afirma em sua coluna, porém, que o problema só começou, e que ainda não temos tecnologias para avaliar e combater esse desastre ambiental.

Por: Jerry Carvalho Borges

Publicado em 06/08/2010 | Atualizado em 06/08/2010

O manto negro da morte

Equipes de salvamento se aproximam da plataforma 'Deepwater Horizon' após a explosão, em 20 de abril: após acidente, o mundo se viu diante de uma situação inédita, escreve Jerry Borges: um vazamento submarino sem solução (foto: US Coast Guard).

Às 22h do dia 20 de abril de 2010, uma explosão destruiu a plataforma petrolífera Deepwater Horizon, da gigante do setor British Petroleum (BP). O acidente vitimou 11 pessoas e gerou chamas que chegaram a 90 metros de altura e puderam ser vistas a 56 quilômetros de distância. Contudo, os impactos desta explosão no golfo do México serão sentidos muito mais longe e por muito mais tempo.

Após o acidente – que pode ter sido causado por um erro humano – ocorreu uma falha no equipamento de segurança que deveria ter fechado a abertura do poço.

Assim, depois da explosão inicial, o mundo se viu diante de uma situação inédita: um vazamento submarino sem solução. Como consequência, o petróleo vazou sem interrupção por 86 dias até ser aparentemente bloqueado em 15 de julho de 2010.

Nesta semana, diante das medidas da BP para selar o poço definitivamente, o presidente norte-americano Barack Obama disse que a batalha estaria chegando ao fim e que cerca de 75% do petróleo havia sido recolhido ou “foi dissipado pela natureza”. Contudo, com o conhecimento científico que temos hoje, é impossível acreditar que essa informação esteja correta.

Os números associados ao acidente com essa plataforma são surpreendentes, e tornam-no o pior desastre ambiental da história.

Barack Obama
Barack Obama conversa com operários empenhados na contenção do petróleo, em Alabama (Foto: Chuck Kennedy/ The White House – CC BY 3.0).

Estimativas indicam que mais de 60 mil barris jorraram a cada dia pela abertura do poço da Deepwater Horizon. Como cada barril de petróleo comporta cerca de 159 litros, acredita-se que, nesses quase três meses de vazamento, tenham jorrado mais de 1,2 milhão de toneladas de petróleo.

Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) são ainda superiores e indicam que o vazamento tenha sido de 2,3 a 4,5 milhões de barris de petróleo. Para fins comparativos, vale lembrar que no Brasil se consomem 2,1 milhões de barris de petróleo por dia.

Baseando-se nesses números, o acidente supera o vazamento de 18 meses ocorrido entre março de 1910 e setembro de 1911, no poço Lakeview Gusher, na Califórnia (EUA), e seria cerca de 35 vezes maior que o derramamento causado pelo acidente com o petroleiro Exxon Valdez no Alasca (EUA) em 1989 (ou 112 vezes maior, com base nas estimativas da AIE).

O montante do petróleo que vazou é difícil de ser estimado. Da mesma forma, a contenção do vazamento é muito difícil de ser quantificada sem qualquer contestação e, mesmo que restem ‘apenas’ 25% de petróleo no ambiente, como afirmado, o acidente pode ter consequências ecológicas, sociais e econômicas muito mais graves do que estamos aventando agora.

A BP gastou em torno de US$ 5 bilhões em tentativas infrutíferas para bloquear a abertura do poço e mais de US$ 25 bilhões em gastos diversos associados com o acidente.

Ainda assim, o vazamento, a cerca de 1,6 km de profundidade gerou uma mancha de óleo que contaminou cerca de 6.500 km2 e poluiu as regiões litorâneas de seis estados norte-americanos destruindo manguezais e matando impiedosamente aves, caranguejos, peixes, corais e tudo o mais que podia alcançar. Estimativas indicam que a sobrevivência de mais de 600 espécies animais esteja ameaçada pelo vazamento.

Pelicano salvo do petróleo
Funcionários de agências de proteção à vida animal resgatam um pelicano coberto de óleo na costa da Louisiana (foto: John Miller/ US Coast Guard).

Sabe-se prevenir, mas não remediar

O problema é que, simplesmente, ainda não foi desenvolvida uma tecnologia eficaz para minimizar os efeitos de grandes vazamentos de petróleo.

O petróleo é um composto complexo constituído por quatro frações: os elementos saturados (parafinas e naftenos), os aromáticos, as resinas e os asfaltenos.

Cada uma dessas frações é formada por uma série de compostos com uma composição química complexa e, em diversos casos, ainda desconhecida. Além disso, há uma considerável variação na composição de amostras diferentes de petróleo.

Quando o petróleo é derramado em uma área, ele se espalha sobre a superfície da água, sofrendo modificações que transformam seus componentes. No caso do acidente com a Deepwater Horizon, parte do petróleo derramado, principalmente alguns de seus componentes mais tóxicos, pode também estar se espalhando pelo fundo do oceano, alcançando distâncias de até 50 km do poço danificado.

Banho em atobá
Banho em um atobá salvo do petróleo (foto: Les Stone, International Bird Rescue Research Center – CC BY 2.0).

O petróleo possui compostos altamente tóxicos, muitos dos quais são reconhecidos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos como carcinogênicos e mutagênicos.

Especialistas afirmam a exposição de organismos marinhos a esses produtos tóxicos pode se estender durante longos períodos, pois a eliminação desses componentes depende da ação de microrganismos e é um processo muito lento, que demora anos.

A degradação de componentes do petróleo através da ação de espécies de bactérias e de fungos filamentosos e de leveduras é amplamente conhecida.

Contudo, como o petróleo contém concentrações muito pequenas de nutrientes essenciais, como o nitrogênio e o fosfato, o desenvolvimento da imensa maioria de microrganismos é diminuído ou mesmo impedido.

A disponibilidade reduzida de oxigênio no fundo do mar faz com que a degradação do petróleo dependa da ação de microrganismos anaeróbicos.

Além disso, a degradação microbiana de petróleo torna-se mais lenta quando há uma diminuição da temperatura ambiental, sendo praticamente nula em temperaturas próximas do congelamento.

Essas condições ambientais tornam mais difícil a utilização de técnicas para se eliminar a contaminação por petróleo. Mesmo em ambientes sujeitos a condições mais amenas, os processos metabólicos bacterianos consomem um tempo considerável, o que limita bastante a sua eficácia em situações como as observadas no golfo do México.

Apenas para se ter uma ideia, algumas bactérias que vivem nesses ambientes podem demandar entre 20 e 160 dias para se multiplicarem – processo que consome apenas algumas horas em bactérias que vivem em temperaturas maiores.

Vazamento de petróleo no golfo do México
Os vazamento de petróleo é visível nas ilhas Chandeleur, na costa da Louisiana (foto: Jeffrey Warren – CC BY 2.0).

Biorremediação

O emprego de microrganismos para a eliminação dos efeitos de poluentes, conhecido como biorremediação, foi desenvolvido durante as décadas de 1980 e 1990. Atualmente, essas técnicas têm sido empregadas para a atenuação da poluição ambiental causada por atividades de mineração e eliminação de efluentes tóxicos e pela extração, transporte e transformações químicas do petróleo.

Quando comparadas com métodos tradicionais, as técnicas de biorremediação são interessantes devido ao seu baixo custo, por apresentarem riscos ambientais menores, além de serem mais específicas e eficientes do que métodos tradicionais.

Alterações fisico-químicas também podem ser realizadas como parte dos processos de biorremediação. Essas modificações podem estimular o metabolismo de bactérias naturalmente presentes no ambiente ou, alternativamente, de microrganismos introduzidos no local.

Para alguns especialistas na área, uma alternativa para se minimizar os problemas ambientais da Deepwater Horizon, poderia ser, por exemplo, a adição de compostos ricos em nutrientes, como os fertilizantes agrícolas. Essa metodologia tem se mostrado efetiva e proporcionado uma elevação na taxa de biodegradação em cerca de 2 a 5 vezes, sem causar efeitos adversos reconhecíveis.

Os desdobramentos políticos e ecológicos do desastre no golfo do México ainda não são totalmente conhecidos, porém há indícios de que ocorrerão muitas mudanças no futuro da exploração submarina de petróleo. O presidente norte-americano Barack Obama, por exemplo, que era favorável a um aumento na prospecção petrolífera em águas profundas, suspendeu esse tipo de perfuração e vetou novas permissões de exploração petrolífera.

Cordão de isolamento para petróleo
Barcos de pesca de camarão puxam cordão de isolamento de petróleo na costa da Louisiana (foto: Patrick Kelley/ US Coast Guard).

Atualmente, cerca de 6% do petróleo produzido no mundo provém de plataformas similares à Deepwater Horizon, que era uma das mais avançadas do ponto de vista tecnológico. Estimativas indicam esse tipo de exploração poderá ser duplicada nos próximos vinte anos, apesar de a empreitada envolver enormes riscos para quem trabalha na sua operação e para o meio ambiente.

As lições do desastre no golfo do México devem de ser compreendidas pelo Brasil, um país que extrai cerca de 90% do petróleo que produz dos mares (são 826 poços marítimos, 200 deles em águas profundas) e que pretende começar a exploração comercial do petróleo localizado na camada pré-sal, em uma profundidade de onde nunca se extraiu petróleo.

Esperemos que esse acidente finalmente abra os olhos do governo brasileiro, já que as dezenas de pequenos e médios acidentes nas plataformas brasileiras e o total de quase cinquenta mortos nesses acidentes não foram capazes de fazê-lo.


Jerry Carvalho Borges

Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras

Sugestões para leitura:

Haines, J.R., Kleiner, E.J., McClellan, K.A., Koran, K.M., Holder, E.L., King, D.W., and Venosa, A.D. (2005). Laboratory evaluation of oil spill bioremediation products in salt and freshwater systems. J. Ind. Microbiol. Biotechnol. 32, 171-185.

Harayama, S., Kasai, Y., and Hara, A. (2004). Microbial communities in oil-contaminated seawater. Curr. Opin. Biotechnol. 15, 205-214.

Head, I.M., Jones, D.M., and Roling, W.F. (2006). Marine microorganisms make a meal of oil. Nat. Rev. Microbiol. 4, 173-182.

Joye, S., MacDonald, I. (2010). Offshore oceanic impacts from the BP oil spill. Nature Geoscience 3, 446.

Mills, M.A., Bonner, J.S., McDonald, T.J., Page,C.A., and Autenrieth, R.L. (2003). Intrinsic bioremediation of a petroleum-impacted wetland. Mar. Pollut. Bull. 46, 887-899.

Riazi, M.R. and Roomi, Y.A. (2008). A model to predict rate of dissolution of toxic compounds into seawater from an oil spill. Int. J. Toxicol. 27, 379-386.

Roling, W.F., Milner, M.G., Jones, D.M., Lee, K., Daniel, F., Swannell, R.J., and Head, I.M. (2002). Robust hydrocarbon degradation and dynamics of bacterial communities during nutrient-enhanced oil spill bioremediation. Appl. Environ. Microbiol. 68, 5537-5548.

Fonte: ciencia hoje


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Faca de 3,4 milhões de anos

12/8/2010

Agência FAPESP – A mais antiga evidência do uso de ferramentas de pedra por hominídeos foi descoberta na Etiópia, na forma de dois ossos de ungulados (animais com casco). Também é a mais remota prova de consumo de carne por um ancestral do homem moderno.

A descoberta leva o uso de pedras como ferramentas a cerca de 3,4 milhões de anos atrás, ou mais de 800 mil anos antes do mais antigo exemplo de que se tinha notícia até agora.

O estudo, publicado na edição desta quinta-feira (12/8) da revista Nature, foi feito por Shannon McPherron, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, e colegas de diversos países.

Os pesquisadores encontraram na região de Gona, no país africano, uma costela de um animal do tamanho de um boi e o fêmur de um pequeno antílope que tinha tamanho semelhante ao das atuais cabras. Os ossos estão marcados com cortes que sugerem o uso de ferramentas para a remoção da carne e do tutano dos ossos.
Faca de 3,4 milhões de anos

Faca de 3,4 milhões de anos

Cientistas descobrem que uso de ferramenta para remover carne de animais é pelo menos 800 mil anos anterior ao que se acreditava. Estudo é capa da Nature (divulgação)

Segundo o estudo, os ossos podem ter sido manipulados por indivíduos da espécie extinta Australopithecus afarensis, à qual pertence a célebre Lucy, descoberta em 1974 também na Etiópia.

As marcas encontradas, de acordo com os pesquisadores, não deixam dúvidas sobre o que significam. Os sinais deixados demonstram o uso de pedra como ferramenta para retirar a carne e quebrar ossos para a extração do tutano.

“Essa descoberta muda dramaticamente o período que conhecemos de um comportamento decisivo de nossos ancestrais. O uso de ferramentas alterou a maneira como eles interagiram com a natureza, permitindo que consumissem novos tipos de alimentos e que explorassem novos territórios”, disse Zeresenay Alemseged, do Departamento de Antropologia da Academia de Ciências da Califórnia, um dos autores principais do estudo.

“Esse uso também levou à própria fabricação de ferramentas, um passo crítico no nosso caminho evolucionário que eventualmente deu origem a todas as tecnologias atuais, do avião ao telefone celular”, disse.

Segundo Alemseged, ao estender o uso de utensílios para auxiliar na alimentação em quase 1 milhão de anos, a descoberta deverá levar a uma revisão dos conhecimento sobre a evolução humana.

Até então, a mais antiga evidência de tal uso que se tinha notícia eram ossos com marcas de corte de 2,6 milhões de anos, encontrados na região de Bouri, também na Etiópia.

Os ossos encontrados agora forem escavados a apenas 200 metros de onde Alemseged e equipe encontraram o fóssil denominado Selam, ou “filho de Lucy”, em 2000. Selam, um exemplar de fêmea jovem de Australopithecus afarensis que viveu há cerca de 3,3 bilhões de anos, representa até hoje o mais completo esqueleto de um ancestral humano já descoberto.

“Após uma década estudando os vestígios de Selam e buscando novas pistas sobre sua vida, agora podemos adicionar um detalhe novo e significativo na sua história. À luz dessa descoberta, é muito provável que Selam carregasse pedras e ajudasse membros de sua família a desossar animais”, disse Alemseged.

O cientista destaca que, embora o uso de pedra como ferramenta seja inquestionável, não é possível saber se as marcas foram feitas com pedras pontiagudas encontradas pelos Australopithecus afarensis ou se elas foram quebradas com essa finalidade.

O artigo Evidence for stone-tool-assisted consumption of animal tissues before 3.39 million years ago at Dikika, Ethiopia (doi:10.1038/nature09248), de Zeresenay Alemseged e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com.
Ferramentas já eram usadas muito antes do que se pensava

PARIS (AFP) - Os ancestrais do homem moderno começaram a utilizar ferramentas de pedra para consumir a carne ou a medula óssea de grandes mamíferos há aproximadamente 3,4 milhões de anos, ou seja, 800.000 anos antes do que se acreditava até agora, segundo estudo publicado nesta quarta-feira.
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A famosa australopithecus Lucy, cujos restos foram encontrados na Etiópia em 1974, pode ter utilizado ferramentas de pedra, segundo a equipe internacional de paleontólogos dirigido por Zeresenay Alemseged, da Academia de Ciências da Califórnia.

"Agora, quando imaginamos Lucy buscando comida na África do Leste, a vemos com um utensílio de pedra na mão, em busca de carne", afirma Shannon McPherron, em um comunicado do Instituto de Antrolopogia Evolutiva Max Planck da Alemanha.

Dois ossos fossilizados foram encontrados na Etiópia, um fêmur de um mamífero do tamanho de uma cabra e uma costela de um animal grande como uma vaca, com marcas de golpes, talhos e cortes, indicando a utilização de ferramentas de pedra para extrair a carne ou a medula óssea.

Os fósseis encontrados em Dikika, no nordeste da Etiópia, datam de 3,39 milhões de anos, segundo as análises, antecipando em 800.000 anos um momento chave da evolução do homem.

"Esta descoberta avança consideravelmente o momento a partir do qual nossos ancestrais mudaram completamente as regras do jogo", declarou Alemseged no comunicado.

"A utilização de utensílios modificou enormemente sua interação com a natureza, permitindo a eles comer novos tipos de comida e explorar outros territórios", acrescentou, acrescentando que será preciso revisar nossos conhecimentos sobre a evolução humana.

"Isso quer dizer que os 'Australopithecus Afarensis' como Lucy ou a bebê Selam utilizavam utensílios de pedra".

Selam, uma australopithecus morta aos três anos de idade, teria vivido há 3,3 milhões de anos, 200.000 anos ante de Lucy.

Até agora, as provas mais antigas da utilização de utensílios de pedra ou de animais provenientes de Buri ou Gona, na Etiópia, remontavam a 2,5 ou 2,6 milhões de anos, recordam os autores deste estudo, publicado na revista Nature.

Mas os pesquisadores ainda não foram capazes de estabelecer se os utensílios eram fabricados.

"Um de nossos objetivos é voltar onde encontramos os fósseis e tentar achar os utensílios", afirmou McPherron.

Os pesquisadores sugerem que só o fato de utilizar tais utensílios mostra que nossos ancestrais competiam com outros carnívoros pela comida, e que isso pode ter iniciado o trabalho em equipe dos humanos.
A Corrente do Golfo

Este documentário é um vibrante e consistente alerta para a sobrevivência humana neste planeta. O fato de, pela primeira vez, o homem estar influenciando o clima da terra é exposto em detalhes sob vários ângulos e por diversos especialistas. O foco central para todas as reflexões é o movimento das correntes aquáticas nos oceanos. Neste caso específico, a Corrente do Golfo, que sempre foi empiricamente conhecida por pescadores e navegantes, mas que só foi verdadeiramente desenhada em termos cartográficos por Benjamin Franklin, em 1875. Na verdade, a Corrente do Golfo é um grande aquecedor que pega o calor dos trópicos e o leva para regiões bem mais frias. O fluxo, imensamente poderoso dessa corrente, é 150 vezes mais forte que o dos rios mais volumosos de qualquer bacia hidrográfica.

Ele é o responsável por amenizar o rigoroso inverno no Atlântico Norte, desde a Bretanha francesa (com suas enguias), passando pelas costas da Escócia (com seus jardins floridos), e indo até os mares da Noruega (com o acasalamento do bacalhau). A certeza científica de que havia uma regularidade periódica na sucessão de climas quentes e frios nas diversas eras geológicas foi colocada em xeque pela descoberta de sedimentos de rocha que teriam sido transportadas por icebergs derretidos. Essas pedras rochosas denunciam mudanças muito súbitas. E a periodicidade dessas mudanças vem se estreitando.

Nos séculos XX e XXI, a atuação humana através de emissões excessivas de dióxido de carbono, de poluição industrial e mesmo de criação maciça de animais - emissores de metano em suas fezes- colocam em perigo a harmonia climática. As previsões expostas neste documentário vão da catástrofe iminente a uma advertência mais precavida. Mas todos são unânimes em preconizar medidas urgentes que mudem o padrão atual. Sem o que as gerações de nossos filhos e netos estarão definitivamente comprometidas.

domingo, 8 de agosto de 2010

PRESS RELEASE - Remarkable fossil cave shows how ancient marsupials grew

The Society SVP & Paleo News
Date Posted: July 14, 2010


DEERFIELD, IL (July 14, 2010) – The discovery of a remarkable 15-million-year-old Australian fossil limestone cave packed with even older animal bones has revealed almost the entire life cycle of a large prehistoric marsupial, from suckling young in the pouch still cutting their milk teeth to elderly adults.

In an unprecedented find, a team of University of New South Wales (UNSW) researchers has unearthed from the cave floor hundreds of beautifully preserved fossils of the extinct browsing wombat-like marsupial Nimbadon lavarackorum, along with the remains of galloping kangaroos, primitive bandicoots, a fox-sized thylacine and forest bats.

Details of the find at a site known as AL90 in the famous Riversleigh World Heritage fossil field in Queensland are published in the Journal of Vertebrate Paleontology by a team led by Dr Karen Black of the UNSW School of Biological, Earth and Environmental Sciences. The research was supported by the Xstrata Community Partnership Program North Queensland and the Australian Research Council.

By comparing the skulls of 26 different Nimbadon individuals that died in the cave at varying stages of life the team has been able to show that its babies developed in much the same way as marsupials today, probably being born after only a month's gestation and crawling to the mother's pouch to complete their early development.

"This is a fantastic and incredibly rare site," says Dr. Black. "The exceptional preservation of the fossils has allowed us to piece together the growth and development of Nimbadon from baby to adult. So far 26 skulls – ranging in age from suckling pouch young and juveniles right through to elderly adults – have been recovered, as well as associated skeletons."

"The animals appear to have plunged to their deaths through a vertical cave entrance that may have been obscured by vegetation and acted as a natural pit-fall trap. These animals – including mothers with pouch young – either unwittingly fell to their deaths or survived the fall only to be entombed and unable to escape."

"The ceiling and walls of the cave were eroded away millions of years ago, but the floor of the cave remains at ground level. We have literally only scratched its surface, with thousands more bones evident at deeper levels in the deposit."

The site is also scientifically important because it documents a critical time in the evolution of Australia's flora and fauna when lush greenhouse conditions were giving way to a long, slow drying out that fundamentally reshaped the continent's cargo of life as rainforests retreated.

Dr. Black notes that the Nimbadon skulls also reveal that early in life, the emphasis of its growth was on the development of bones at the front of the face, to help the baby to suckle from its mother. As it grew older and its diet changed to eating leaves, the rest of the skull developed and grew quite massive by way of a series of bony chambers surrounding the brain.

Team member Professor Mike Archer says, "Yet we found that its brain was quite small and stopped growing relatively early in its life. We think it needed a large surface area of skull to provide attachments for all the muscle power it required to chew large quantities of leaves, so its skull features empty areas, or sinus cavities. Roughly translated, this may be the first demonstration of how a growing mammal ‘pays’ for the need to eat more greens – by becoming an 'airhead'."

'The abundance of Nimbadon fossils also suggests that they travelled in family groups or perhaps even larger gatherings; it's possible that this also reflects the beginning of mob behaviour in herbivorous marsupials, such as we see today in grey kangaroos."

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ABOUT THE SOCIETY OF VERTEBRATE PALEONTOLOGY
Founded in 1940 by thirty-four paleontologists, the Society now has more than 2,400 members representing professionals, students, artists, preparators and others interested in VP. It is organized exclusively for educational and scientific purposes, with the object of advancing the science of vertebrate paleontology.

The Journal of Vertebrate Paleontology
The Journal of Vertebrate Paleontology (JVP) is the leading journal of professional vertebrate paleontology and the flagship publication of the Society. It was founded in 1980 by Dr. Jiri Zidek and publishes contributions on all aspects of vertebrate paleontology.

Information for this release provided by the University of New South Wales.

Click here for complimentary access to the full article.

The article appears in the Journal of Vertebrate Paleontology 30(4) published by Taylor and Francis.

Journal Web site: Society of Vertebrate Paleontology: http://www.vertpaleo.org

CONTACT INFORMATION
Karen Black
UNSW
mobile + 61 (0) 428 591 429
k.black@unsw.edu.au

Mike Archer
UNSW
mobile + 61 (0) 423 553 333
m.archer@unsw.edu.au

Media liaison – Bob Beale
UNSW
+ 61 (0)411 705 435
bbeale@unsw.edu.au (from whom high-res images are available)

See also: http://vertebratepaleo.com/AL90/


http://vertpaleo.org/news/permalinks/2010/07/14/PRESS-RELEASE---Remarkable-fossil-cave-shows-how-ancient-marsupials-grew/

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Vale das Baleias

O deserto egípcio, que já foi um oceano, hoje guarda o segredo de uma das mais extraordinárias transformações evolutivas.

Por Tom Mueller
Foto de Richard Barnes
O Vale das Baleias
Imagine esta imensidão árida sob a água, com baleias mergulhando. No uádi Hitan, as rochas abrigaram fósseis de criaturas marinhas há muito extintas.

Ao longo de milhares de milênios, um manto de sedimentos foi se acumulando sobre seus ossos. O mar acabou recuando e, quando o antigo leito marinho virou um deserto, o vento começou a remover lentamente o arenito e o folhelho acima da ossada. Pouco a pouco o mundo mudou. Deslocamentos na crosta do planeta empurraram o subcontinente indiano para a Ásia e soergueram o Himalaia. Na África, os primeiros ancestrais humanos puseram-se em pé e passaram a caminhar eretos. Os faraós ergueram suas pirâmides. Roma ascendeu e caiu. E durante todo esse tempo o vento prosseguiu na paciente escavação. Aí, um dia, Philip Gingerich chega para concluir a tarefa.
Ele move-se pela espinha dorsal na direção da cauda, explorando com o cabo do pincel entre cada uma das vértebras. "Eis aqui o que interessa!", exclama afinal. Limpando delicadamente a areia com os dedos, deixa exposto um esguio bastão de osso que mal chega a medir 20 centímetros. "Não é todo o dia que a gente pode ver uma perna de baleia", diz enquanto ergue o osso reverentemente com ambas as mãos.

O Basilosaurus é de fato uma baleia primitiva, mas também exibe dois frágeis membros posteriores, cada qual do tamanho da perna de uma menina de 3 anos, se projetando de seus flancos. Essas pernas encantadoras e diminutas - perfeitamente formadas porém inúteis, pelo menos para facilitar o deslocamento - são uma pista crucial para entendermos como as baleias modernas, essas máquinas bem adaptadas à natação, podem ser descendentes de mamíferos terrestres que antes caminhavam com quatro patas. Gingerich devotou grande parte de sua carreira a explicar tal metamorfose, possivelmente a mais intrigante do reino animal. E, ao fazer isso, mostra que as baleias, um dia celebradas pelos criacionistas como o melhor indício contra a evolução, talvez sejam a comprovação mais elegante do processo darwiniano.

O uádi Hitan - literalmente, "vale das Baleias" - revela uma fantástica abundância dessas pedras de Roseta da biologia. Nos últimos 27 anos, Gingerich e seus colegas descobriram ali restos de mais de mil baleias, e um número ainda maior pode ser achado. No acampamento, encontramos vários membros da equipe de Gingerich que também haviam acabado de chegar de seus locais de pesquisa. Logo depois passamos a comentar os resultados da jornada durante um jantar de carne de bode assada, foul mudamas (purê de fava) e pão sírio. Mohammed Sameh, o responsável pela área de proteção do uádi Hitan, havia procurado por baleias mais a leste e relata ter avistado várias pilhas de ossos - novas pistas sobre um dos grandes enigmas da história natural. Dois jordanianos, o pós-graduando Iyad Zalmout e o estudante Ryan Bebej, haviam estado exumando um focinho de baleia que se projetava de um paredão rochoso. "O resto do corpo também deve estar lá", conclui Zalmout.

O ancestral comum das baleias e de todos os outros animais terrestres era um tetrápode com formato de salamandra e cabeça achatada, que se arrastou desde o mar até um terreno pantanoso há cerca de 360 milhões de anos. Pouco a pouco seus descendentes foram aperfeiçoando o funcionamento de pulmões primitivos, transformaram as nadadeiras em pernas e alteraram as articulações dos maxilares de modo que pudessem ouvir no ar e não na água. Os mamíferos revelaram-se um dos mais bem-sucedidos desses amantes da terra: por volta de 60 milhões de anos atrás, eles já dominavam todo o planeta. As baleias estavam entre o ínfimo punhado de mamíferos que deram uma meia-volta evolutiva, readaptando seu corpo terrestre à vida aquática.



Richard Barnes




Richard Barnes

Richard Barnes



Richard Barnes

Como as baleias realizaram tal transformação é algo que deixou perplexos até mesmo os maiores intelectos da ciência. Reconhecendo o problema como um dos grandes desafios a sua teoria da evolução por meio da seleção natural, Charles Darwin fez uma tentativa de explicar as baleias na primeira edição de A Origem das Espécies. Ele observou que os ursos-negros haviam sido vistos nadando com a boca aberta durante horas ininterruptas na superfície de um lago, alimentando-se de insetos que ali boiavam. "Não vejo problema em uma raça de ursos se tornar, por meio da seleção natural, progressivamente mais aquática em sua estrutura e seus hábitos, com a boca cada vez maior", e concluía Darwin, "até surgir uma criatura tão monstruosa quanto a baleia." Os críticos zombaram com tanto gosto dessa imagem que ele acabou omitindo o trecho nas edições seguintes da obra.

Quase 100 anos depois, George Gaylord Simpson, um dos mais eminentes paleontólogos do século 20, ainda tinha dificuldade para explicar onde se encaixavam as baleias em sua bem ordenada árvore evolutiva dos mamíferos. "Considerando tudo, os cetáceos estão entre os mamíferos mais peculiares e aberrantes", comentou. "Não há lugar adequado a eles na escala natural."

Se a ciência não podia explicar as baleias, argumentaram os antievolucionistas, talvez fosse por que isso jamais ocorreu. Além disso, se as baleias haviam de fato passado por essa enorme transição, onde estavam os fósseis que comprovavam tal coisa? "As diferenças anatômicas entre as baleias e os mamíferos terrestres são de tal magnitude que inúmeras formas intermediárias devem ter remado e nadado pelos mares antigos antes que surgisse uma baleia tal como a conhecemos", escreveram os autores do livro Of Pandas and People, um popular manual criacionista publicado em 1989. "E até agora essas formas transicionais ainda não foram achadas."

Inadvertidamente, Philip Gingerich havia aceito tal desafio na década de 1970. Após concluir o doutorado em Yale, ele começou a realizar escavações na bacia do rio Clarks Fork, em Wyoming, documentando a meteórica ascensão dos mamíferos no início do Eoceno, após a extinção dos dinossauros, há 10 milhões de anos. Em 1975, com o objetivo de reconstituir as migrações dos mamíferos desde a Ásia até a América do Norte, Gingerich começou a pesquisar formações do Eoceno médio em duas províncias do Paquistão, o Punjab e a Fronteira Noroeste. Ele ficou decepcionado ao descobrir que os sedimentos de 50 milhões de anos que havia selecionado não eram de terra seca, mas de leito marinho da borda oriental do oceano Tétis. Quando sua equipe exumou alguns ossos pélvicos em 1977, de brincadeira os atribuíram às "baleias que andavam" - uma ideia então ridícula. Na época, os fósseis de baleia mais bem conhecidos eram tidos como similares aos espécimes modernos, com requintado mecanismo de audição submarina, cauda poderosa e lobada e sem membros posteriores externos.
Foi então que, em 1979, um dos membros da equipe de Gingerich no Paquistão achou um crânio de tamanho similar ao de um lobo, mas com proeminentes - e nada lupinas - estruturas ósseas, semelhantes a velas, no alto e nas laterais do crânio, que serviam para fixar músculos vigorosos dos maxilares e do pescoço. Ainda mais curioso, o volume da caixa craniana era pouco maior que uma noz. Quando, naquele mesmo mês, Gingerich topou com espécimes arcaicos de baleia em museus, "aquela minúscula caixa craniana começou a fazer sentido, pois as baleias primitivas têm crânio grande e cérebro relativamente pequeno", recorda-se. "Comecei a desconfiar que aquela criatura de cérebro tão pequeno poderia ser uma baleia muito primitiva."

Quando extraiu o crânio da matriz de rocha vermelha e rígida no laboratório, Gingerich encontrou em sua base um nódulo de osso mais denso, do tamanho de uma passa, denominado "bula auditiva", com uma crista em forma de S denominada "processo sigmoide" - dois elementos anatômicos típicos das baleias e que lhes permitem ouvir dentro d’água. Por outro lado, o crânio não apresentava outras adaptações das quais as baleias atuais dependem para uma audição direcional. Por isso, ele concluiu que o animal provavelmente era semiaquático, passando tempo significativo em águas rasas mas voltando à terra para descansar e se reproduzir.

A descoberta dessa que é a mais primitiva baleia conhecida, batizada por Gingerich de
Pakicetus, fez com que visse toda a questão sob nova luz. "Passei a considerar cada vez mais a enorme transição ambiental realizada pela baleia", lembra-se ele. "Desde então, venho me dedicando à busca das inúmeras formas intermediárias necessárias para esse imenso salto da terra para o mar. Quero encontrar todas elas."

Na década de 1980, Gingerich passou a interessar-se pelo uádi Hitan. Ao lado de sua mulher, a paleontóloga B. Holly Smith, e William Sanders, colega de ambos na Universidade de Michigan, ele começou a procurar por baleias em formações cerca de 10 milhões de anos mais antigas que os leitos em que havia encontrado o Pakicetus. O trio exumou esqueletos parciais de baleias plenamente aquáticas, como a Basilosaurus e outra espécie menor, a Durodon, medindo 5 metros. Ambas exibiam grandes e densas bulas auditivas, assim como outras adaptações à audição subaquática; corpo comprido e esguio com coluna vertebral alongada; e cauda muito musculosa capaz de impulsioná-las pela água com poderosos movimentos verticais. Toda a área estava repleta dessas ossadas.

Apenas em 1989, porém, a equipe de pesquisadores encontraria, quase por acidente,
o que mais a interessava: o elo com os ancestrais terrestres da baleia. No fim da temporada de escavação, Gingerich estava trabalhando em um esqueleto de Basilosaurus quando encontrou o primeiro joelho de baleia conhecido, em um membro situado em um trecho bem mais posterior na coluna vertebral do animal do que ele havia esperado. Agora que sabiam onde buscar por indícios desses membros, os pesquisadores retornaram a várias baleias previamente mapeadas e acharam um fêmur, uma tíbia e uma fíbula, e uma protuberância óssea que formava a pata e o calcanhar de uma baleia. No último dia de escavações, B. Holly Smith achou um conjunto completo de ossos finos, com 2,5 centímetros de comprimento. A visão dos ossos diminutos fez com que seus olhos se enchessem de lágrimas.

Embora insuficientes para suportar o peso de uma Basilosaurus em terra, essas pernas não eram inteiramente vestigiais. Elas possuíam pontos de fixação de músculos poderosos, assim como articulações funcionais no calcanhar, além de mecanismos complexos de engate nos joelhos do animal. Gingerich especula que tais pernas podem ter servido de estimuladores ou guias durante a cópula.

Seja o que for que o Basilosaurus fazia com as pequenas pernas, a mera descoberta delas confirmou que os antepassados das baleias haviam em algum momento caminhado, trotado e galopado em terra firme. Mas a identidade desses ancestrais ainda continuava sendo um enigma. Certas características do esqueleto das baleias arcaicas, especialmente os molares e os pré-molares grandes e triangulares, assemelham-se muito às dos mesoniquídeos, um grupo de mamíferos carnívoros e ungulados do Eoceno. Nos anos 1950, imunologistas haviam descoberto características no sangue das baleias que sugeriam que elas eram descendentes dos artiodátilos, a ordem de mamíferos que inclui porco, veado, camelo e outros ungulados com dedos pares. Nos anos 1990, biólogos moleculares que realizaram estudos genéticos dos cetáceos concluíram que o parente vivo mais próximo da baleia é um ungulado específico, o hipopótamo.

Gingerich e muitos outros paleontólogos, porém, confiam mais na evidência incontestável dos fósseis que em comparações moleculares de animais vivos. E, para eles, as baleias são descendentes dos mesoquinídeos. No entanto, para verificar essa hipótese, era preciso que Gingerich encontrasse um osso específico. O astrágalo, o osso do tornozelo, é o elemento mais distintivo do esqueleto de um artiodátilo, pois apresenta o formato incomum de polia dupla, com ranhuras claramente definidas nas partes superior e inferior do osso, como no caso de uma roda de polia capaz de conter uma correia. Esse formato permite aos artiodátilos maior flexibilidade e capacidade de salto que o osso em forma de polia única encontrado em outros quadrúpedes.

De volta ao Paquistão em 2000, Gingerich por fim achou o primeiro astrágalo de baleia. Seu aluno Iyad Zalmout encontrou um pedaço de osso com ranhuras entre os restos de uma nova baleia de 47 milhões de anos, mais tarde batizada de Artiocetus. Logo depois, no mesmo dia, o paleontólogo paquistanês Munir ul-Haq achou um osso similar no mesmo local. No início, Gingerich pensava que os dois ossos eram astrágalos do tipo polia simples das pernas direita e esquerda do animal - uma prova de que tinha razão quanto à origem das baleias. Porém, quando colocou um ao lado do outro, ficou intrigado com o fato de serem ligeiramente assimétricos. Enquanto pensava sobre isso, manipulando os ossos como alguém que lida com peças de um quebra-cabeça, de repente eles se encaixaram perfeitamente, formando um astrágalo do tipo polia dupla. Os cientistas de laboratório estavam certos afinal. "Essa foi uma descoberta crucial, mas bagunçou o meu coreto", comenta Gingerich com um sorriso irônico. "Mesmo assim, agora sabemos com certeza de onde vêm as baleias, e também que a hipótese do hipopótamo não é totalmente uma ficção científica."

Desde então, Gingerich e um punhado de outros paleontólogos preenchem as lacunas da história das baleias primitivas, dente por dente, dedo por dedo. Para Gingerich, os primeiros cetáceos provavelmente se assemelhavam aos antracoterídeos, esguios animais vegetarianos, parecidos com o hipopótamo, que viviam em terras baixas pantanosas no Eoceno. (Uma hipótese alternativa, proposta pelo paleontólogo Hans Thewissen, é a de que as baleias descendem de um animal similar ao Indohyus, um cervídeo artiodátilo do tamanho de um guaxinim e semiaquático.) Quaisquer que tenham sido o formato e o tamanho delas, as primeiras baleias surgiram há uns 55 milhões de anos, bem como todas as outras ordens modernas de mamíferos, durante um pico de elevação na temperatura global no início do Eoceno. Elas viviam ao largo da margem oriental do oceano Tétis, cujas águas exerciam forte influência evolutiva: eram quentes, salgadas, com abundante fauna marinha e não abrigavam dinossauros aquáticos, que haviam se extinguido 10 milhões de anos antes. Buscando novas fontes de alimento em profundidades maiores nesse ambiente marinho, esses chapinhadores primitivos aos poucos foram desenvolvendo focinho maior e dentes mais aguçados, de modo a facilitar a captura de peixes. Por volta de 50 milhões de anos atrás, eles haviam alcançado a etapa exemplificada pelo Pakicetus: animais de quatro pernas que nadavam com eficiência mas também se moviam em terra firme.

Adaptando-se à água, as baleias primitivas puderam aproveitar um ambiente, inacessível à maioria dos outros mamíferos, rico em nutrientes e abrigos, e com poucos concorrentes e predadores - ou seja, dotado de condições ideais para um surto evolutivo. O que se seguiu foi uma explosão de experimentos idiossincráticos nas diversas formas de baleias, a maioria das quais extinta bem antes da época moderna. Entre elas, a volumosa Ambulocetus, com 725 quilos, uma caçadora com pernas atarracadas e maxilares enormes e ágeis, como um crocodilo peludo de água salgada; a Dalanistes, com pescoço longo e cabeça de garça; e a Makaracetus, com tromba musculosa, curta e encurvada, possivelmente adaptada ao consumo de moluscos.

Por volta de 45 milhões de anos atrás, à medida que as vantagens do ambiente aquático levavam as baleias para longe do litoral, seu pescoço foi se comprimindo e enrijecendo, a fim de permitir deslocamento mais eficiente através da água, enquanto sua cabeça se encompridava e ficava aguçada como a proa de um barco. Os membros posteriores se engrossaram e adquiriram a forma de pistão; os dedos se alargaram e foram unidos por membrana, assemelhando-se a enormes pés de pato com cascos residuais herdados dos antepassados ungulados. Os métodos de natação também foram sendo aperfeiçoados: algumas baleias desenvolveram cauda grossa e poderosa, que lhes permitia disparar pela água com vigorosas ondulações verticais na parte posterior do corpo. As pressões evolutivas para esse eficiente estilo de locomoção favoreceram uma coluna vertebral mais longa e flexível. As narinas se deslocaram para trás - do focinho ao alto da cabeça -, tornando-se espiráculos. Com o passar do tempo, à medida que os animais se adaptavam a profundidades maiores, os olhos começaram a migrar do topo para os lados da cabeça, melhorando sua visão lateral. E os ouvidos da baleia tornaram-se mais sensíveis, captando vibrações como antenas subquáticas e transmitindo-as para o ouvido médio.

Embora bem adaptadas à vida na água, essas baleias de 45 milhões de anos atrás ainda tinham de se arrastar até a praia, com os dedos palmados, em busca de água doce para beber, de parceiros para a reprodução ou de locais seguros para dar à luz. Porém, no breve período de poucos milhões de anos, as baleias haviam chegado a um ponto de onde não era mais possível retornar: a Basilosaurus, a Dorudon e seus parentes nunca botaram os pés em terra firme, nadando confiantes mar afora, e até mesmo cruzando o Atlântico e chegando ao litoral dos atuais Peru e sul dos Estados Unidos. Seu corpo ajustou-se a um modo de vida exclusivamente aquático, os membros dianteiros reduziram-se e enrijeceram para servir de nadadeiras direcionais, e a cauda alargou-se na ponta em nadadeiras horizontais que funcionam como hidrofólios. A pelve desconectou-se da espinha, permitindo à cauda uma gama maior de movimentos verticais. Entretanto, restaram os membros posteriores completos, com minúsculos joelhos, pés, tornozelos e dedos, agora inúteis para o deslocamento, mas talvez com alguma função específica durante as relações sexuais.

A transição final dos basilosaurídeos para as baleias modernas teve início há 34 milhões de anos, na súbita fase de esfriamento do clima que marcou o fim do Eoceno. Queda na temperatura da água nos polos, mudanças nas correntes oceânicas e ressurgência de água rica em nutrientes ao longo das costas ocidentais da África e da Europa atraíram esses animais a nichos ambientais novos e levaram às adaptações remanescentes - cérebro maior, camada isolante de gordura e barbatanas no lugar de dentes para a filtragem do krill - que encontramos nas baleias atuais.

Graças sobretudo a Philip Gingerich, o registro fóssil das baleias hoje proporciona uma das comprovações mais assombrosas da evolução darwiniana. Ironicamente, o próprio Gingerich cresceu em ambiente rigidamente cristão, em uma família de menonitas amish no leste do estado de Iowa. Todavia, na época ele não sentiu nenhum choque entre fé e ciência. "Meu avô tinha uma atitude aberta no que se refere à idade da Terra", conta ele, "e jamais mencionava a evolução. É preciso lembrar que eram pessoas de grande humildade, que só opinavam sobre aquilo que conheciam bem."

Gingerich ainda fica perplexo com o fato de tanta gente ser afetada pelo conflito entre religião e ciência. Na minha última noite no uádi Hitan, caminhamos um pouco sob o céu estrelado perto do acampamento. "Nunca fui especialmente devoto", diz ele. "Mas acho que meu trabalho tem um aspecto bastante espiritual. Só de imaginar aquelas baleias nadando aqui, o modo como viviam e morriam, e como o mundo mudou desde então - tudo isso o põe em contato com algo bem maior que você, sua comunidade ou sua existência cotidiana." Ele então abre os braços abarcando o horizonte escuro e o deserto com as esculturas de arenito criadas pelo vento e os incontáveis fósseis de baleia. "Aqui há espaço para toda a religião que alguém possa querer."


J.G.M. Thewissen, L.N. Cooper, J.C. George, and S. Bajpai. 2009. From land to water: The origin of whales, dolphins, and porpoises. Evolution: Education & Outreach 2:272-288.
 
Nicholas Hotton III, Paul D. MacLean, Jan J. Roth, and E. Carol Roth, editors, The Ecology and Biology of Mammal-like Reptiles, Smithsonian Institution Press, Washington and London, 1986 ISBN 0-87474-524-1.
 
Robert L. Carroll, Vertebrate Paleontology and Evolution, W. H. Freeman and Company, New York, 1988 ISBN 0-7167-1822-7. Do Capítulo XVII até o XXI.
 
T. S. Kemp, The Origin and Evolution of Mammals, Oxford University Press, New York, 2005 ISBN 0-19-850760-7.
 
Zhe-Xi Luo, "Transformation and diversification in early mammal evolution", Nature volume 450 number 7172 (13 December 2007) pages 1011-1019. doi:10.1038/nature06277.