quarta-feira, 6 de abril de 2011

O que não é óbvio e nem ululante

Professor questiona pensamento positivista ainda vigente nas escolas e propõe nova forma de ensinar biologia, química e física.
Por: Thiago Camelo
Publicado em 16/12/2010 | Atualizado em 16/12/2010
O que não é óbvio e nem ululante
Um retrato de Kant: o filósofo prussiano tentou transportar as teorias físicas de Newton para o mundo das ideias. Forças naturais pairariam sobre a ética dos homens (foto: Wikimedia Commons). 
 
O ocidente teve lá seus momentos-chave. A construção do pensamento do lado de cá foi abalada, por exemplo, no século 16, quando a unidade política, religiosa e espiritual, a relação da Igreja com o Estado e as demais condições estabelecidas previamente foram questionadas. Isaac Newton e René Descartes lançaram-se em busca de novos modelos investigativos, mais deterministas, que rumaram a passos largos para ideias positivistas de mundo.

A ideia de clareza, tanto científica quanto ética, foi desconstruída pelas proposições humanas e científicas do início do século 20
Não era apenas nas ciências duras que se vislumbrava um novo mundo. O filósofo Emanuel Kant propunha um diferente olhar sobre a ética dos homens, estabelecendo visões que, grosso modo, corroboravam um comportamento individual que deveria ser condizente com leis pré-estabelecidas pela sociedade. Ou seja: propunha um mundo regido por regras claras.

Essa ideia de clareza, tanto científica quanto ética,  foi, em larga escala, desconstruída pelas proposições humanas e científicas do final do século 19 e início do século 20. Einstein talvez seja o bastião dessa desconstrução, dessa literal relativização das coisas.
Pois bem. E a educação, e o Alô, Professor com isso?
O doutor em educação pela PUC-RJ e docente da faculdade de educação da UFRJ Renato José de Oliveira ajuda a responder a pergunta, em artigo publicado na edição de novembro da revista Química Nova na Escola [PDF].

"Acho que a ciência mudou, não se pensa mais como no século 19, quando se viam uma natureza e um universo estáticos. Só que essa mudança ocorreu nos centros de pesquisa, na elaboração do conhecimento científico, não ocorreu nas salas de aula", explica Oliveira, que deu aula por mais de uma década no ensino médio de colégios da rede pública fluminense.
O professor, atualmente com 52 anos, responsabiliza – tanto no artigo quanto na conversa por telefone com a CH – os livros didáticos pelo olhar restrito. Segundo ele, esses livros estão "impregnados de cânones positivistas".

A ética nas escolas

Para Oliveira, a solução passaria por uma nova postura do professor diante do aluno. Na verdade, uma nova postura que superasse o positivismo e a ética kantiana. Ou seja, uma nova proposição de mundo e de ensino, que se chocaria com o que o químico chama de "farsa didática". Em vez da certeza de uma postura secular sobre as coisas do mundo (típica do positivismo e das ideias de Kant), o convívio saudável de certezas e incertezas.
No artigo, Oliveira afirma que alguns debates precisam ser levados à baia:
[...] Temas como o aborto, a eutanásia e os direitos sexuais podem ser trabalhados pelos professores de biologia quando abordarem, por exemplo, conteúdos como a origem da vida e a reprodução. Interfaces com a ética podem ser estabelecidas mediante a problematização desses temas: em que situações o aborto e a eutanásia merecem ser considerados crimes? A orientação sexual adotada por um individuo é motivo para considerá-lo melhor ou pior do que outro?
Uma das propostas do químico é dar margem sempre ao diálogo – atitude que gera, inevitavelmente, uma fundamental dialética. Cita Paulo Freire como teórico e educador que bebe dessa fonte, daqueles que percebem que o que é óbvio e ululante é, apenas, um lado de uma coleção de saudáveis dúvidas.

Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line

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