segunda-feira, 16 de abril de 2012

Os primeiros tetrápodes

Fósseis descobertos em depósitos de cerca de 348 milhões de anos na Escócia abrem uma janela para melhor compreender como os vertebrados conquistaram a terra firme. O achado é tema da coluna deste mês!!!
de Alexander Kellner.
Por: Alexander Kellner
Publicado em 13/04/2012 | Atualizado em 14/04/2012
Os primeiros tetrápodes
Reconstrução de um dos novos tetrápodes terrestres encontrados na Escócia. (ilustração: Michael Coates/ University of Chicago and National Museums Scotland - NMS) 
 
Descobertas da paleontologia que ganham destaque na imprensa estão geralmente vinculadas ao encontro e à descrição de novas formas de vida. Mas, desta vez, um trabalho que não propõe espécies novas despertou o interesse das pessoas, incluindo leitores desta coluna: achados de exemplares de tetrápodes (animais com os ossos das quatro patas bem diferenciados) que fornecem preciosas informações sobre a transição dos vertebrados da água para ambientes terrestres.

Conquista da terra firme

De uma forma simplificada, pesquisas apontam para a origem da vida no mar. Sim, os mares do passado eram certamente diferentes dos atuais em termos de composição, distribuição e correntes, mas o registro fossilífero demonstra que os primeiros organismos surgiram em corpos de água e, depois, conquistaram os ambientes terrestres.

Na história evolutiva dos vertebrados, essa transição do mar para a terra firme ainda está envolta em muito mistério. Às vezes ocorrem achados especiais, como o Tiktaalik roseae, um peixe que já possuía diversas adaptações encontradas nos primeiros tetrápodes e que surpreendem os pesquisadores. Em outros casos, é um conjunto de novos dados – e fósseis – que trazem avanços para a pesquisa. Essa é a situação do trabalho realizado por Timothy Smithson (University Museum of Zoology Cambridge, Inglaterra) e colaboradores que foi publicado no mês passado na prestigiosa PNAS – revista científica da Academia de Ciências dos Estados Unidos.

Devido a intensas buscas e coletas de fósseis, existe hoje ao redor do mundo uma quantidade expressiva de depósitos do Devoniano Médio a Superior (360-375 milhões de anos atrás) contendo tanto restos de tetrápodes como também de peixes, que seriam mais proximamente relacionados aos primeiros tetrápodes. No entanto, a vasta maioria dessas ocorrências é de animais aquáticos, cujo tamanho variava de um a dois metros de comprimento, com o crânio achatado e grande em relação ao seu corpo.

Já as formas tipicamente terrestres, ou seja, que podiam se locomover em terra firme, são encontradas em depósitos do Carbonífero (cerca de 330 milhões de anos atrás). Nesse período geológico, os tetrápodes já eram bastante diversificados, ocupando uma variedade relativamente grande de ambientes.
Esses animais tinham o crânio proporcionalmente menor e menos achatado do que as formas aquáticas, o que estaria relacionado ao desenvolvimento de uma respiração mais efetiva para o ambiente terrestre. E o tamanho de muitas dessas espécies é relativamente pequeno: 100 milímetros da ponta do focinha à cauda.

Mas, como e quando ocorreu essa transição da água para a terra firme?

Teoria da atmosfera com pouco oxigênio

Para responder essa pergunta, o que os paleontólogos precisavam era justamente de fósseis. No entanto, por algum motivo, estes não vinham sendo encontrados nas camadas de idade crucial para a conquista da terra firme, entre 330 e 360 milhões de anos.

Essa lacuna de informação já tinha sido registrada há bastante tempo pelo lendário paleontólogo Alfred Sherwood Romer (1894-1973), um dos principais especialistas em répteis fósseis. E apesar de ela ter sido reduzida por alguns achados realizados ao longo dos anos, os pesquisadores ainda não tinham respostas para essa ausência de tetrápodes terrestres nesse período de transição.

Uma das principais teorias levantadas para explicar essa falta de fósseis era de que eles simplesmente não existiam. Logo após a extinção ocorrida ao final do Devoniano (359 milhões de anos), a atmosfera teria sido muito pobre em oxigênio, o que impediria os tetrápodes primitivos, cujo sistema respiratório não era bem desenvolvido para um ambiente terrestre, de deixar a água.
Curiosamente, a falta de tetrápodes nesse intervalo de tempo também coincidia com a ausência de artrópodes (grupo de invertebrados que inclui, entre outros, insetos, aranhas e escorpiões), possível base da alimentação dos primeiros vertebrados terrestres.
Fósseis de artrópodes
Fósseis de artrópodes de 348 milhões de anos procedentes da Escócia. Esses invertebrados possivelmente constituíam a base da alimentação dos primeiros tetrápodes terrestres. (foto: National Museums Scotland - NMS)

Os novos achados

Por meio de uma coleta de fósseis sistemática, Timothy e colegas conseguiram encontrar em quatro localidades da Escócia depósitos contendo restos de tetrápodes – tanto terrestres como aquáticos – cuja idade gira em torno de 348 milhões de anos. Essa descoberta diminuiu a lacuna do conhecimento sobre a evolução dos vertebrados em aproximadamente 15 milhões de anos.

De quebra, os pesquisadores ainda encontraram em três desses depósitos restos de artrópodes – ou seja, o possível alimento dessas primeiras formas de tetrápodes terrestres.
Esses achados contradizem a teoria de que os níveis de oxigênio na atmosfera terrestre eram particularmente baixos durante esse período.
Mas a pesquisa ainda se encontra no início. Certamente, conforme os autores comentam, existem muitas espécies diferentes no conjunto de mais de centenas de tetrápodes encontrados. E alguns deles ainda precisam ser preparados para revelar detalhes de sua anatomia, o que levará algum tempo.
Restos de tetrápodes
Restos de diversos tetrápodes foram encontrados em rochas de 348 milhões de anos na Escócia. Em A e B, pata de um tetrápode ainda não identificado que exibe morfologia bem típica de formas terrestres modernas. Em C, arcada inferior de um tetrápode terrestre primitivo. (foto: Smithson et al./ PNAS)
Um dos achados, por exemplo, é uma pata ainda não identificada que claramente demonstra uma forma muito parecida com os tetrápodes mais derivados. Isso sem contar os diversos crânios – uns mais completos do que outros – que demonstram pertencer a tetrápodes com aspecto geral moderno.
Ou seja: em breve teremos mais novidades sobre essas fases iniciais da conquista da terra firme pelos vertebrados.

Aproveito para agradecer aos leitores Francisco Mello e Keila Koiss pela sugestão de abordar essa descoberta.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

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