terça-feira, 23 de outubro de 2012

Uma boa história de química

Artigo toma como base a penicilina e a narrativa de sua descoberta para aguçar a curiosidade do aluno diante de uma matéria rejeitada por muitos: a química orgânica
 
Por: Thiago Camelo
Publicado em 22/10/2012 | Atualizado em 22/10/2012
 
Uma boa história de química
Alexander Fleming posa junto às suas culturas de bactérias: a penicilina, descoberta pelo cientista, é tema de artigo na revista ‘Química Nova na Escola’. (foto: Wikimedia Commons) 
 
Muitos professores já falaram isto ao ‘Alô, Professor’: quanto mais distante da realidade do aluno for o tema, mais difícil será capturar o seu interesse. Agora, imagine-se estudante. A aula é de química orgânica. Muito prazer cadeias de carbono, hidrogênio, hidrocarbonetos! Pela primeira vez você é apresentado àquelas ligações. Não deve ser fácil o primeiro contato.
Quanto mais distante da realidade do aluno for o tema, mais difícil será capturar o seu interesse
Outro cenário. Antes de apresentar cadeias de carbono, hidrogênio e afins, o professor conta a história da penicilina – antibiótico e, para fins didáticos, um composto orgânico. Só depois de narrar a inesperada história da descoberta do antibiótico, apresenta a estrutura molecular da penicilina e suas especificidades. Relaciona assim a penicilina a algo maior – aos acasos da ciência, à conjuntura do mundo na época, à atual fase da indústria farmacêutica.
“A história da penicilina chama a atenção dos alunos para a importância de certas substâncias orgânicas; além disso, constrói a aula de modo multidisciplinar, o que sempre é mais interessante para o estudante”, defende o químico Éder Cavalheiro, pesquisador da Universidade de São Paulo, campus de São Carlos. Ele e sua aluna de doutorado Carolina Calixto escreveram artigo para a revista Química Nova na Escola sobre o tema.

O acaso e a ciência

A história da descoberta da penicilina é um prato cheio para alunos minimamente curiosos. É quase mágico o acaso que fez com que o cientista britânico Alexander Fleming descobrisse o antibiótico natural derivado de um fungo, o Penicilium. Não é todo dia na ciência – aliás, é muitíssimo raro na ciência – que uma descoberta dessa estirpe é feita. Inclusive, diante do fantástico acidente, Fleming teria dito a notável frase: "Não inventei a penicilina, a natureza é que a fez".

Em espanhol, vídeo que conta
a história da descoberta de Fleming



 
A penicilina foi descoberta em 1928. O antibiótico foi produzido em larga escala apenas em 1942. “Uma das coisas interessantes da história da penicilina é que a descoberta demorou muito tempo para se transformar num benefício à sociedade”, diz Calixto.
O estudante, provavelmente, perguntará por quê. A explicação é interdisciplinar e envolve um evento histórico: a 2ª Guerra Mundial e a necessidade de tratar milhões de soldados feridos. Antes da guerra, não houve mobilização suficiente para produzir o medicamento em grande quantidade. Era caro e cientificamente desafiador. O artigo destaca um depoimento raro do próprio Fleming sobre o feito:
“O desenvolvimento da penicilina em grande escala constitui uma história maravilhosa. Governos, fabricantes, cientistas e todos, desde o operário mais humilde, desempenharam sua parte. Havia o estímulo da guerra e grande número de colaboradores de toda espécie possuía parentes próximos nas forças combatentes. A penicilina demonstrara aumentar consideravelmente a probabilidade de cura dos feridos e diminuir o seu sofrimento físico. Os pesquisadores sentiam que estavam realizando algo para seus próprios amigos e parentes e nisto foram auxiliados pelas autoridades...”

Veja abaixo, em espanhol, vídeo que conta
a história da descoberta de Fleming

A química, a penicilina e a medicina

Calixto diz que, após ouvirem a história, os alunos estarão mais interessados em conhecer a complexidade estrutural da penicilina. E mais: será possível, por exemplo, explicar a eles que substâncias análogas podem ser obtidas mudando-se a cadeia da estrutura básica do antibiótico. “Cada mudança pode inativar a função antibiótica da penicilina ou, ao contrário, fazer com que o remédio trate de uma infecção específica”, explica. “Todos ouvem a história do Fleming e da penicilina no colégio, mas ela pode ser mais bem explorada, o professor pode atiçar a curiosidade do aluno para a química orgânica”, completa.

Calixto destaca que ela e seu orientador se preocuparam em mostrar no artigo a grande variedade de penicilinas que podem ser criadas a partir da fórmula estrutural da substância. É um jeito também de falar da variedade de antibióticos e de bactérias que existem. É também uma forma de tocar em outro assunto: o uso indiscriminado de antibióticos e a resistência bacteriana a esse tipo de medicamento. “Podemos falar, nesse tópico, das adaptações biológicas das bactérias”, explica Cavalheiro.
No final do artigo, eles escrevem: “Deve ficar evidente desse debate a importância da penicilina e, consequentemente, das moléculas orgânicas em geral na sociedade contemporânea, provocando assim o efeito motivador para o estudo das funções orgânicas no ensino médio e dos conteúdos mais avançados de química (e bioquímica) no ensino superior”.

Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line

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