sexta-feira, 27 de junho de 2014

Baleias e golfinhos à vista!

Diversidade de espécies e abundância de animais na costa paulista são maiores do que o imaginado 

CARLOS FIORAVANTI | Edição 218 - Abril de 2014
© EDUARDO CESAR
Golfinho-pintado-do-atlântico: agora recenseado no litoral paulista
Golfinho-pintado-do-atlântico: agora recenseado no litoral paulista.

Em pé, à direita da proa da lancha que oscilava como um pêndulo enquanto deslizava com rapidez, Victor Uber Paschoalini foi quem viu primeiro algo se mexendo ao longe no meio do mar por volta das 11 da manhã do dia 10 de fevereiro deste ano, a menos de 1 quilômetro da Ilha da Queimada Grande, no litoral paulista. Ele achou que eram golfinhos, exatamente o que estavam procurando. Para confirmar, chamou o chefe da expedição, o biólogo Marcos César de Oliveira Santos, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Aproximaram-se com a lancha e confirmaram: eram mais de 20 golfinhos-pintados-do-atlântico (Stenella frontalis), com 2 a 2,5 metros de comprimento, que logo começaram a saltar na água límpida ao lado da lancha. Santos pediu para o piloto reduzir a velocidade e, com sua equipe, fotografou os animais – principalmente as nadadeiras dorsais, que funcionam como uma cédula de identidade, por causa das cicatrizes e marcas únicas em cada indivíduo – e gravou seus sons com um hidrofone, colocado na água. Em seguida, com uma flecha atirada de uma balestra, ele coletou uma amostra de pele com 1 milímetro de espessura, para análises genéticas, e 2 centímetros de gordura para análise de contaminantes químicos.

Esse era o início da quinta viagem de uma série de 23 planejadas até 2015 para mapear a diversidade e a distribuição de cetáceos – baleias e golfinhos, também chamados de botos – do litoral paulista. Santos e sua equipe, com base nos animais mortos que encontraram na praia nos últimos anos e nos vivos que estão vendo agora, registraram até agora mais de 300 indivíduos de 29 espécies de cetáceos, o equivalente a 63% das 46 espécies já observadas no litoral brasileiro. Em rios a diversidade de golfinhos é menor: uma nova espécie, batizada de Inia araguaiaensis, a quinta já registrada, foi anunciada em janeiro por pesquisadores do Amazonas, que a encontraram no rio Araguaia e seus afluentes. Embora pouco vistos e pouco estudados, os cetáceos da costa brasileira representam quase metade das 87 espécies já identificadas nos mares do mundo.
© EDUARDO CESAR
Em conjunto: grupos de até 20 golfinhos (aqui, pintados-do-atlântico) se exibem no caminho da Ilha da Queimada Grande
Em conjunto: grupos de até 20 golfinhos (aqui, pintados-do-atlântico) se exibem no caminho da Ilha da Queimada Grande

Os resultados preliminares sugerem também uma diversidade de espécies e de abundância de cetáceos maiores do que o imaginado – desde as toninhas (Pontoporia blanivillei), um dos menores mamíferos de água doce, com até 2 metros de comprimento, encontrada do Espírito Santo à Argentina e vítima constante da captura acidental nas redes para peixes, até as colossais baleias-de-bryde (Balaenoptera brydei), que chegam a 15 metros de comprimento.

Desse trabalho estão também emergindo novas conclusões e hipóteses sobre as baleias e os golfinhos que percorrem o litoral brasileiro. Comparando amostras de DNA, Santos e outros pesquisadores da USP, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Colômbia e de Porto Rico verificaram que as populações de golfinhos-pintados-do-atlântico encontrados no Sul e Sudeste do Brasil e no Caribe são distintas entre si e não se misturam. Além disso, um equívoco sobre outra espécie está sendo desfeito. As baleias-de-bryde, uma espécie arisca e ágil, que permanecem pouco tempo na superfície, aparentemente percorrem o litoral paulista ao longo de todo o ano e não apenas no verão e na primavera, como se pensava, porque os mergulhadores as viam apenas na temporada de mergulho.
© EDUARDO CESAR
Amostra de  pele, para análise filogenética
Amostra de
pele, para análise filogenética
Outra abordagem possível – e bastante usada – de mapeamento das populações de cetáceos é a partir de um ponto fixo. É como se faz no arquipélago de Abrolhos, litoral da Bahia, com as baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae), uma das espécies de maior distribuição geográfica no mundo e a mais estudada no Brasil, em vista de suas características únicas, como as nadadeiras peitorais, que chegam a um terço do corpo, e por sua distribuição espacial e temporal previsível: 80% das jubartes que visitam a costa brasileira se concentram na região de Abrolhos, principalmente de julho a novembro, para terem e amamentarem os filhotes em águas mornas e rasas.

O biólogo Salvatore Siciliano, atualmente na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, esteve lá em 1989 e 1990 para fazer seu mestrado e, “sentado em uma pedra com prancheta e binóculo”, como ele recordou, avistou 604 grupos de jubarte (metade era de mães com filhotes) em 191 dias de observação. Nessa época havia equipes de pesquisa em mamíferos marinhos estabelecidas apenas em Manaus, no Amazonas, e em Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Outros grupos se formaram depois, mas os estudos sobre cetáceos antes de 1980 são muito raros, lembra Siciliano, dificultando análises e comparações, diferentemente de aves ou mamíferos terrestres, estudados há três séculos.

© EDUARDO CESAR
Nariz-de-garrafa, outra espécie encontrada no litoral paulista
Nariz-de-garrafa, outra espécie encontrada no litoral paulista

Daniela Abras, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP, esteve em Abrolhos em julho de 2013. Com apoio da Marinha, do Instituto Jubarte, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Cetacean Society International (CSI), assentada sobre um dos pontos mais altos do arquipélago, ela registrou 500 majestosas baleias, bem mais que as 200 registradas em 2004. “Está havendo um aumento populacional de baleias-jubarte, como resultado da proibição da caça, mas ainda está muito abaixo do que era”, diz ela. Hoje se estima a população de baleias-jubarte em 7.900 animais, que podem ser vistos na costa desde a região de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, até o Rio Grande do Norte, ainda abaixo das estimadas 25 mil jubartes antes de começarem a ser intensamente caçadas. A partir de 1650, nas principais cidades do litoral, como descrito no livro A baleia no Brasil colonial, da historiadora Myriam Ellis (Edusp/Melhoramentos, 1969), a caça de baleias era uma importante atividade econômica, para extração do chamado azeite de peixe, usado como argamassa para construções e em iluminação pública, e cerdas bucais, vendidas na Europa para a fabricação de espartilhos. Com barcos de 10 a 12 metros de comprimento, as baleias eram capturadas com arpão, depois abatidas por meio de sucessivos golpes de lanças de 2 metros de comprimento, arrastadas à praia e abertas: cada animal fornecia em média 7 mil litros de óleo. Uma lei federal proibindo a caça de baleias entrou em vigor apenas em 1987.
“Esta é a primeira vez que fazemos cruzeiros oceanográficos específicos para mapear cetáceos nos 600 quilômetros do litoral de São Paulo”, afirma Santos. “Por falta de especialistas e limitações financeiras, antes os trabalhos eram feitos apenas com animais mortos”, conta Santos. Ele próprio, durante o mestrado, percorreu de bicicleta ou mobilete as praias de Cananeia e Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, coletando crânios de cetáceos encontrados mortos – ao todo, Santos reuniu e examinou 124 crânios. Foi também a primeira vez que um repórter fotográfico – Eduardo Cesar, de Pesquisa Fapesp – acompanhou uma das viagens de fevereiro e passou três dias com os pesquisadores em alto-mar.

Duas semanas antes da viagem, Santos, impressionado com a curiosidade de Paschoalini em sala de aula, convidou-o para completar sua equipe nessa expedição, mas não imaginava o tamanho da sorte do rapaz de 19 anos, agora no segundo ano do curso de oceanografia, com um provérbio bretão tatuado no braço direito, “lute e lute novamente até os cordeiros virarem leões”. Os quatro integrantes da equipe revezavam-se na observação, em turnos de uma hora, com meia de descanso, mas foi Paschoalini quem, duas horas mais tarde, avistou o segundo grupo de golfinhos, desta vez de outra espécie, o nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus), também com cerca de 20 animais, um pouco maiores e menos abundantes que os pintados, agora em uma água turva e sob sol forte.

© JOÃO HIPÓLITO DO NASCIMENTO / ACERVO MUSEU DA BALEIA DE IMBITUBA
Praia do porto de Imbituba, Santa Catarina, final da década de 1940: matança desenfreada de baleias-francas
Praia do porto de Imbituba, Santa Catarina, final da década de 1940: matança desenfreada de baleias-francas.

Ao seu lado, a oceanógrafa Giovanna Corrêa e Figueiredo notou que os animais, normalmente dóceis – como o amigável Flipper de um antigo seriado da televisão –, naquele dia estavam arredios. Talvez porque, ela cogitou, estivessem com fome e apressados atrás de um cardume ou incomodados com a temperatura da água, que variava de 30 a 33º Celsius, quase cinco graus acima do habitual. Algas e outros organismos proliferam mais facilmente na água mais quente, formando uma mancha escura que dificulta a visibilidade, como a que se estendeu em fevereiro da costa do Rio de Janeiro a Santa Catarina. Nesse dia e nos dois seguintes – percorreram cerca de 650 quilômetros desde São Vicente até a Ilha do Mel, norte do Paraná – permaneceram atentos olhando o mar, da proa à popa, mesmo com o sol refletindo na água no final da tarde, e não viram mais golfinhos ou baleias. “Em alguns momentos o cansaço é tão grande que a gente vê onda e acha que é golfinho”, diz Giovanna.

Ela acompanha Santos desde a primeira expedição, em dezembro de 2012. No primeiro dia eles e outros pesquisadores do grupo percorreram o mar sem ver qualquer cetáceo, mas no segundo maravilharam-se ao avistar um grupo de 16 orcas (Orcinus orca), a espécie mais encorpada de golfinhos (não, não são baleias) – os machos mais taludos chegam a 10 metros de comprimento e 10 toneladas de peso –, atrás de Ilhabela, litoral norte de São Paulo. Não é comum encontrá-las tão perto da costa. “Passamos quase duas horas com as orcas, observando e fotografando”, relatou Santos. “Sabemos muito pouco sobre elas, quantas são, quando vão aparecer.”
Comparando fotografias das nadadeiras dorsais, pôde-se ver que dois indivíduos do grupo de Ilhabela, um mês antes, estavam perto das praias da cidade do Rio de Janeiro, a 400 quilômetros de distância. Alexandre Azevedo, oceanógrafo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, auxiliou na comparação das fotografias e confirmou que os animais eram os mesmos. Depois de cada viagem, uma das tarefas dos pesquisadores é analisar as fotos das nadadeiras dorsais, por meio de um programa de computador específico, para encontrar as que provêm de indivíduos novos e reforçar o catálogo no site do laboratório, já com 104 animais de duas espécies de baleias e três de golfinhos, representados por suas nadadeiras únicas.

Há também razões para inquietação: em consequência da construção de portos e do aumento do número de embarcações e da poluição crescente na costa, os cetáceos podem estar se afastando da costa e procurando áreas mais calmas. Giovanna Figueiredo, da equipe de Santos, verificou que os registros de avistagem da baleia-franca-austral (Eubalaena australis), com até 18 metros de comprimento e 60 toneladas, antes comuns nas praias mais próximas da costa do Sudeste, escassearam desde 2002, mesmo que a população estivesse aumentando, com o fim da caça. Em uma das viagens, a equipe da USP avistou uma baleia-franca com um filhote na Ilha da Queimada Grande, a 27 quilômetros da costa. Karina Groch e outros biólogos do Projeto Baleia-franca estão atentos sobre os possíveis efeitos da construção do porto de Imbituba, em Santa Catarina, e do aumento do tráfego de embarcações na região, antes um centro regional de caça à baleia-franca. Em 2005, Karina estimou em 500 o número de baleias-francas que visitam regularmente a costa brasileira, das quais 100 se abrigam no litoral sul, principalmente no período reprodutivo, de julho a novembro.

“Estamos afastando as baleias e os golfinhos, por um conjunto de causas, com efeitos cumulativos”, reitera Siciliano, que publicou vários artigos nos últimos anos indicando a contaminação por metais pesados e outras substâncias tóxicas, que devem favorecer, em golfinhos, as deformações ósseas, que ele próprio registrou, e as doenças de pele, que Santos descreveu em 2009. “É uma pena, porque as populações estão se refazendo e os cetáceos estão buscando as baías que ocupavam antes, mas as encontram transformadas em estacionamento de navios e depósito de esgoto.”
Siciliano foi um dos pesquisadores que participaram da elaboração do plano de ação para conservação da toninha, uma espécie que vive na faixa costeira e apresenta alta mortalidade ao se prender em redes de pescadores (Santos está examinando com pescadores de Cananeia as formas possíveis de reduzir a mortalidade de toninhas). Aprovado e publicado em 2010, o plano de ação previa a criação de dois parques nacionais (em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul) e a ampliação de outro, atualmente apenas com restinga, no litoral norte do estado do Rio, de modo a se limitar um espaço adequado para toninhas, tubarões, raias, tartarugas e outros animais marinhos. Siciliano, ao comentar que os parques ainda não foram criados, lembrou-se da resistência para a proibição da pesca e a transformação em parque nacional de uma área cobiçada para a construção de portos. Em uma das reuniões sobre a criação das unidades de conservação marinhas, ele se lembrou, um dirigente de um órgão público ambiental perguntou aos pesquisadores: “Afinal, para que serve uma toninha?”. Em uma peça do teatrólogo Bertolt Brecht, um cardeal fez uma pergunta parecida enquanto se recusava a ver pelo telescópio de Galileu: “Serão as estrelas realmente necessárias?”.

Projetos

1. Ocorrência, distribuição e movimentos de cetáceos na costa do estado de São Paulo (nº 11/51543-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular/Biota; Pesquisador responsável Marcos César de Oliveira Santos – IO/USP; Investimento R$ 454.775,03 (FAPESP).

2. Capturas acidentais de pequenos cetáceos em atividades pesqueiras no litoral sul paulista: buscando subsídios para formulação de políticas de conservação (nº 10/51323-6); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador responsável Marcos César de Oliveira Santos – IO/USP. Investimento R$ 242.490,33 (FAPESP).

Artigos científicos

CABALLERO, S. et al. Initial description of the phylogeography, population structure and genetic diversity of Atlantic spotted dolphins from Brazil and the Caribbean, inferred from analyses of mitochondrial and nuclear DNA. Biochemical Systematics and Ecology. v. 48, p. 263-70. 2013.

SANTOS, M.C.O. et al . Cetacean records along São Paulo state coast, Southeastern Brazil. Brazilian Journal of Oceanography. v. 58, n. 2, p. 123-42. 2010.

Astrônomos encontram anéis em objeto celeste

A característica era conhecida apenas em quatro planetas gigantes no sistema solar 

MARIA GUIMARÃES | Edição Online 10:18 27 de março de 2014
© L. CALÇADA/M. KORNMESSER/NICK RISINGER / ESO
A superfície escura de Chariklo é contrastante com o brilho dos anéis
A superfície escura de Chariklo é contrastante com o brilho dos anéis.

Um grupo internacional de astrônomos encontrou anéis em torno de um corpo celeste relativamente pequeno do nosso sistema solar chamado Chariklo. A descoberta contraria a noção de que esse tipo de estrutura só pudesse existir em planetas gigantes, já que só tinha sido observada em Júpiter, Urano, Netuno e, é claro, Saturno – o planeta conhecido exatamente por seus anéis. O achado foi publicado ontem (26/3) no site da Nature, em artigo que envolve 11 pesquisadores brasileiros em 7 instituições.

Chariklo foi descoberto em 1997 entre as órbitas de Saturno e Urano e pertence à categoria dos centauros, corpos celestes gelados que habitam órbitas instáveis na região de planetas gigantes.  O achado pode ser indício de que os anéis são mais comuns do que se pensava. “Seria muita sorte encontrarmos anéis logo nas nossas primeiras observações”, diz Felipe Braga Ribas, do Observatório Nacional no Rio de Janeiro, primeiro autor do artigo. “Só agora começamos a estudar os centauros por meio de ocultações estelares”, explica. “Em menos de 10 milhões de anos Chariklo deve sair dessa região”, prevê o pesquisador. É um tempo considerado relativamente curto pelos astrônomos.

Chariklo é importante por ser o maior dos centauros já identificados, com um diâmetro de cerca de 250 quilômetros (km). Ele tem sido estudado por uma técnica conhecida como ocultação, que funciona de maneira semelhante a um eclipse observado por telescópios. Depois de prever quando o objeto passaria em frente a uma estrela brilhante, uma tarefa liderada por Julio Camargo, do Observatório Nacional, o extenso grupo de colaboradores de diversos países voltou sua atenção para suas características, por meio de treze telescópios na América do Sul.

© L. CALÇADA/M. KORNMESSER/NICK RISINGER / ESO
Invisíveis desde a Terra pela distância, os anéis seriam um belo espetáculo se observados da superfície de Chariklos
Invisíveis desde a Terra pela distância, os anéis seriam um belo espetáculo se observados da superfície de Chariklos.

A principal observação, que surpreendeu os envolvidos, foi obtida pelo telescópio dinamarquês na montanha La Silla, no Chile. Cerca de 10 segundos antes e 10 segundos depois da ocultação causada pela passagem do objeto na frente da estrela, os equipamentos detectaram eclipses mais sutis. Foram causados pelos dois anéis que circundam o centauro, apelidados pelos pesquisadores de Oiapoque e Chuí, em homenagem aos rios que marcam o norte e o sul do Brasil. “Aproximadamente metade do brilho de Chariklo vem dos anéis”, disse Felipe Braga Ribas em conferência de imprensa no Observatório Nacional. Eles contêm gelo de água, acredita-se que numa proporção de 40%.

O primeiro, mais próximo de Chariklo, tem uma espessura estimada de 6,6 km, enquanto o segundo mede 3,4 km. Um aspecto surpreendente é eles estarem separados por 8,7 km quase sem matéria. A expectativa dos astrônomos é que haja ali alguma lua que mantenha esses anéis confinados – por essa função conhecida como satélite-pastor. Essa hipótese, além da ideia de que os anéis foram formados por uma colisão que espirrou fragmentos para a órbita em torno de Chariklo, deverá ser examinada em futuras ocultações. A próxima está prevista para final de abril.

Também há planos de se fazer observações por meio do satélite espacial Hubble. “Vamos fazer o pedido de tempo”, afirma Braga Ribas. “Se for aceito, a observação deve acontecer em 2015.” Mas ele não aposta muito nessas imagens. “Chariklo está tão distante que a imagem que se consegue obter ocupa apenas 2 pixels do Hubble.” É muito pouco para se enxergar detalhes. Os dados mais reveladores devem vir mesmo de outras ocultações, além de estudos com espectroscopia que revelam a composição do centauro, realizados por outros grupos.

Além de contribuir para avanços científicos importantes, os estudos de ocultações têm a particularidade de serem bastante democráticos. “É uma ciência bonita pela sua simplicidade, mas é muito poderosa”, conta Braga Ribas. “Ela pode ser feita por muitas pessoas, profissionais e amadoras, usando telescópios profissionais e amadores.”

Artigo científico
Braga-Ribas, F. et al. A ring system detected around the Centaur (10199) Chariklo. Nature. On-line 26 mar. 2014.

Pesquisa identifica gene associado ao ganho de peso

Relações de regulação entre zonas distantes no DNA desviavam a atenção para um suspeito incorreto 

MARIA GUIMARÃES | Edição Online 0:04 13 de março de 2014
© LÉO RAMOS
Gene chamado de IRX3  poderia ser o maior responsável pelo ganho de peso
Gene chamado de IRX3 poderia ser o maior responsável pelo ganho de peso

Na busca por culpados pelo excesso de peso, um gene conhecido como FTO ganhou destaque nos últimos anos. Mais especificamente, alterações numa região sem função conhecida, já que não participa da produção da proteína codificada por aquele gene. Um artigo publicado em 12/3 no site da revista Nature, porém, desvia o foco e explica por que não se conseguia estabelecer uma conexão entre mutações nessa região, um íntron, e a função do FTO. “Estávamos procurando os efeitos no gene errado”, diz o geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. O estudo coordenado por ele mostrou que alterações na parte não codificante do FTO na verdade afeta o funcionamento de outro gene bem distante na fita do DNA, chamado de IRX3. No material genético, este assume agora o topo do pódio como o maior responsável pelo ganho de peso.

Mas não adianta jogar toda a culpa nele como justificativa para comer grandes quantidades de doces e deixar de fazer exercícios. “O efeito dessas variantes genéticas no peso são modestos: se você as tiver, é cerca de 3 quilogramas mais gordo do que se não as tiver”, explica Nóbrega. Segundo ele, duas em cada três pessoas têm pelo menos uma cópia dessa alteração em seu gene FTO, e uma em cada seis tem ambas as cópias alteradas, aumentando o risco de ganho excessivo de peso.

O trabalho do laboratório de Nóbrega se baseia na noção que emergiu de inúmeros estudos anteriores que examinaram o genoma inteiro em busca de genes que afetam características específicas: mais importante do que as porções dos genes que contêm o código para alguma proteína são as regiões antigamente conhecida como DNA-lixo por não ter função conhecida. Hoje se sabe que elas atuam na regulação de outros genes, e é o que o grupo de Chicago e colaboradores mostram no caso específico da obesidade. O feito raro do trabalho é desvendar os mecanismos pelos quais o gene está associado ao efeito, o que depende de procedimentos experimentais complexos.

Para isso, eles usaram abordagens múltiplas. Encontraram a interação entre o funcionamento do FTO e do IRX3 em embriões de camundongo e de peixe-paulistinha, o zebrafish, no cérebro de camundongos adultos e em células humanas, um indício de que do ponto de vista evolutivo a relação entre esses genes é antiga. Em 153 amostras de células cerebrais humanas, os pesquisadores mostraram que a expressão do IRX3 de fato afeta a produção de substâncias associadas à obesidade, ao contrário do que observaram para o FTO. Por fim, produziram camundongos com defeito no IRX3 e observaram que eles são mais magros do que os normais, caracterizados por um metabolismo mais rápido e um acúmulo menor de gordura. Eles na verdade tendem a produzir um tipo de gordura não associado ao sobrepeso, a marrom.
Os resultados são um passo na compreensão da influência genética sobre a tendência a ganhar peso, mas Nóbrega é realista quanto à possibilidade de se desenvolver novos medicamentos emagrecedores com base em suas descobertas. “No momento não tem nenhuma e é possível que continue a não ter”, afirma. “Tendo dito isso, é exatamente o que estamos agora investigando e investindo.”

Um aspecto importante do trabalho é dar um exemplo de como investigar associações entre o genoma e determinadas características. “Acreditamos que há um número grande de histórias parecidas com a do FTO-IRX3, em que uma avaliação mais cuidadosa acabará por revelar que o gene-alvo das variantes associadas a um traço não era o que a comunidade acreditava”, diz Nóbrega. Estudos desse tipo ajudam cada vez mais a entender a complexidade dos sistemas de regulação embutidos no material genético.

Artigo científico

SMEMO, S. et al. Obesity-associated variants within FTO form long-range functional connections with IRX3. Nature. on-line 12 mar. 2014

Pastagem adapta-se a mudanças climáticas

27/06/2014
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – O aumento de 2 °C na temperatura global até 2050, conforme um dos cenários previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), poderá beneficiar a fisiologia e os processos bioquímicos e biofísicos envolvidos no crescimento de plantas forrageiras como a Stylosanthes capitata Vogel, leguminosa utilizada para pastagem de gado em países tropicais como o Brasil.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.


Com 2 ºC a mais na temperatura, a planta Stylosanthes capitata Vogel teve suas folhas e a biomassa aumentadas em um estudo realizado na USP de Ribeirão Preto (foto: C.A.Martinez

Resultado de um Projeto Temático, realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), o estudo acaba de ser publicado na revista Environmental and Experimental Botany.
“O aumento de 2 °C na temperatura do ambiente em que a Stylosanthes capitata Vogel foi cultivada experimentalmente favoreceu a fotossíntese, além do aumento das folhas e da biomassa da planta”, disse Carlos Alberto Martinez, coordenador do projeto e primeiro autor do estudo, durante palestra no Workshop on Impacts of Global Climate Change on Agriculture and Livestock, realizado no dia 27 de maio, na FAPESP.
De acordo com Martinez, a Stylosanthes capitata Vogel é uma importante leguminosa forrageira em regiões tropicais e subtropicais no mundo. A espécie de planta pode crescer em ambientes arenosos e é muito resistente à seca.

Com as mudanças climáticas globais, estimava-se que um aumento moderado de pouco mais de 2 °C na temperatura poderia ter efeitos prejudiciais sobre o desempenho fisiológico e o crescimento da planta quando cultivada em um ambiente tropical, como no Brasil.
A fim de testar essas hipóteses, os pesquisadores realizaram um experimento em que cultivaram plantas em campo aberto, em um ambiente com temperatura normal, e em uma área com temperatura controlada, por meio de um sistema chamado T-FACE.

O sistema conta com um equipamento que permite controlar a irradiação de calor sobre a copa das plantas, por meio de aquecedores de infravermelho, de modo a permitir que a temperatura do ambiente de cultivo esteja sempre 2 °C acima da temperatura normal.
Após cultivar as plantas com essas diferenças de temperatura durante 30 dias, os pesquisadores realizaram medições de conversão de energia fotossintética, além de análises bioquímicas e da biomassa acima do solo.
Os resultados das medições e análises indicaram que o aumento de cerca de 2 °C na temperatura foi capaz de melhorar a atividade fotossintética e a proteção antioxidante das plantas.
Além disso, resultou em um incremento de 32% no índice de área foliar e de 16% na produção de biomassa acima do solo em comparação com as plantas cultivadas sob temperatura normal, segundo Martinez.
“O aumento da temperatura durante o período experimental foi favorável para o desenvolvimento dos processos bioquímicos e biofísicos envolvidos no crescimento da planta”, afirmou.
Adaptação climática
Segundo Martinez, algumas das possíveis explicações para o aumento da atividade fotossintética, além do índice de área foliar e da produção de biomassa de exemplares de Stylosanthes capitata Vogel submetidas ao aumento da temperatura foram a aclimatação térmica e fotossintética da planta.
A planta promoveu ajustes em sua fisiologia de modo a não só lidar com um aumento potencialmente estressante na temperatura durante sua fase de crescimento, mas também para realizar fotossíntese com maior eficiência e manter ou até mesmo aumentar seu crescimento sob essa nova condição climática.
“Os resultados do estudo indicaram que um aumento de até por volta de 2 °C na temperatura pode ser vantajoso para o crescimento de algumas espécies de plantas tropicais, como a Stylosanthes capitata Vogel”, afirmou Martinez.
“É necessário elucidar, no entanto, os efeitos do aquecimento na fase reprodutiva para detectar possíveis impactos do aumento da temperatura sobre a floração, fecundação, rendimento de sementes e outros processos do desenvolvimento dessas plantas”, disse.
Em outro experimento, os pesquisadores cultivaram a planta forrageira Panicum maximum em temperatura 2 °C acima da normal e com uma concentração de carbono de 600 partes por milhão (ppm) – equivalente a 50% a mais do que a existente hoje e que deve ser atingida até 2050, conforme um dos cenários projetados pelo IPCC.
Os pesquisadores constataram que houve uma menor partição de biomassa para as folhas em relação ao caule das plantas cultivadas sob essas condições.
“Essa mudança na relação folha-caule é ruim porque o gado se alimenta da folha e não do caule, que é muito duro e o animal não consegue digerir”, disse Martinez.

Braquiária

Resultados similares também foram obtidos por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, campus de Piracicaba, em um experimento realizado com Brachiaria decumbens – mato comum em lavouras de café e principal planta forrageira no Brasil, conhecida popularmente como capim-mombaça.
Ao cultivar a planta em um ambiente com 200 ppm de carbono acima do nível atual também em um sistema FACE, instalado na Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna, no interior de São Paulo, os pesquisadores observaram um aumento na produção de caule e diminuição de biomassa nas folhas da planta.
“Isso pode ter uma série de implicações para o uso dessa planta como forrageira, utilizada em mais de 80 milhões de hectares de pasto no Brasil”, disse Raquel Ghini, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e uma das autoras do estudo, durante sua palestra no evento.

Segurança alimentar

Na avaliação de Martinez, é preciso investigar os possíveis impactos das mudanças climáticas globais sobre plantas utilizadas como pastagem, porque elas representam a principal fonte de alimento para o gado em países como o Brasil – um dos únicos no mundo que produz carne e leite por meio da pecuária extensiva, ou seja, por meio da criação de gado em pasto.
Se o rendimento de culturas tropicais e pastagens for afetado pelas mudanças climáticas, trará consequências econômicas importantes para o país e para a produção mundial de alimentos, avaliou.
“Os impactos das mudanças climáticas sobre as áreas de pastagem são muito sérios e já estão ocorrendo”, afirmou Martinez. “A solução para cultivar pasto em áreas suscetíveis à seca poderá ser a irrigação ou a utilização de espécies resistentes à deficiência hídrica e adaptadas às mudanças climáticas”, disse o
pesquisador à Agência FAPESP.

O Projeto Temático coordenado por Martinez conta com a participação de pesquisadores da University of Illinois, da Columbia University e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), além do Consiglio Nazionale delle Ricerche, da Itália, da Universitat de Barcelona, na Espanha, e no Brasil das Universidades Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual Paulista (Unesp) e Estadual do Norte Fluminense (UENF), além do Cena da USP, do Instituto de Botânica e da Embrapa.

O artigo Moderate warming increases PSII performance, antioxidant scavenging systems and biomass production in Stylosanthes capitata Vogel (doi: 10.1016/j.envexpbot.2014.02.001), de Martinez e outros, pode ser lido por assinantes da revista Environmental and Experimental Botany em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S009884721400029X.

E o artigo Biomass production, elemental and fibre composition of Brachiaria produced under free air carbon dioxide enrichment conditions, de Ghini e outros, pode ser lido em www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/981745/1/2013RA011.pdf.

Projeto regulamenta profissão de arqueólogo

Proposta torna o exercício da profissão de arqueólogo privativo dos diplomados em bacharelado em arqueologia e dos pós-graduados em área de concentração em arqueologia.
Aguarda votação em decisão terminativa na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) o Projeto de Lei do Senado (PLS) 1/2014, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de arqueólogo. De autoria da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a matéria está sendo relatada por Waldemir Moka (PMDB-MS), presidente da comissão.

O projeto torna o exercício da profissão de arqueólogo privativo dos diplomados em bacharelado em arqueologia no país e no exterior, desde que o título tenha sido revalidado no país, e dos pós-graduados em área de concentração em arqueologia, com monografia ou tese sobre arqueologia, e com pelo menos dois anos consecutivos de atividades científicas no campo profissional da arqueologia.

Também poderão exercer a profissão os diplomados em outros cursos de nível superior que, na data da publicação da futura lei, contem com pelo menos 5 anos consecutivos - ou 10 anos intercalados - de exercício de atividades científicas no campo profissional da arqueologia; e os que tenham concluído curso de especialização em arqueologia e contem com pelo menos 3 anos consecutivos de atividades nesse campo profissional.
A proposta estabelece como atribuições do arqueólogo, dentre outras: planejar, organizar, administrar, dirigir e supervisionar as atividades de pesquisa arqueológica; identificar, registrar, prospectar, escavar e proceder ao levantamento de sítios arqueológicos; executar serviços de análise, classificação, interpretação e informação científica de interesse arqueológico; chefiar, supervisionar e administrar os setores de arqueologia nas instituições governamentais de administração pública direta e indireta e de órgãos particulares; prestar serviços de consultoria e assessoramento na área de arqueologia; realizar perícias destinadas a apurar o valor científico e cultural de bens de interesse arqueológico, assim como sua autenticidade; coordenar, supervisionar e chefiar projetos e programas na área de arqueologia.

O projeto dispõe ainda sobre responsabilidades em pesquisa de campo e estabelece que em toda expedição ou missão estrangeira de arqueologia em território nacional será obrigatória a presença de um número de arqueólogos brasileiros que corresponda, pelo menos, "à metade do número de arqueólogos estrangeiros nela atuantes".

Para Vanessa Grazziotin, a regulamentação da profissão permitirá "a identificação dos profissionais competentes, facilitando, para a administração pública e para a iniciativa privada, a contratação do profissional certo para aquele projeto, programa ou exploração específica".

A autora informa que o Brasil tem atualmente mais de seis mil sítios arqueológicos identificados.
"Não podemos entregar ao abandono, à incompetência, aos furtos e à deterioração esses valores inestimáveis, fundamentais para o futuro do conhecimento e da cultura nacionais. Caso isso aconteça, iremos lamentar muito no futuro a perda de referências históricas importantes, com redução do potencial turístico e deterioração de nosso patrimônio comum, que, bem explorado, pode gerar emprego e renda para nossos cidadãos", argumenta a senadora.
Agência Senado - 24/04/2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Hábito incomum e ancestral

Fósseis encontrados no Egito sugerem que morcegos que dormem em pé, atualmente restritos à ilha africana de Madagascar, descendem de espécies que viviam no continente há mais de 30 milhões de anos. 
 
Por: Mariana Rocha
Publicado em 24/06/2014 | Atualizado em 24/06/2014
Hábito incomum e ancestral
Diferentemente da maioria dos morcegos, os da família Myzopodidae dormem de cabeça para cima. (foto: S BKennedy/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0) 
 
Morcegos dormem de cabeça para baixo, certo? Nem sempre. Prova disso são as duas únicas espécies representantes da família Myzopodidae, que dormem em pé. Atualmente restritos à ilha africana de Madagascar, esses animais descendem de ancestrais que viviam no continente e cujos fósseis foram descobertos recentemente. O material, encontrado na depressão de Fayum, no Egito, levou à descrição de duas novas espécies – já extintas – da mesma família.
De acordo com o estudo, publicado na revista PLoS One, uma das espécies viveu há 37 milhões de anos, enquanto a outra, há 30 milhões.
Apesar da semelhança com os morcegos de Madagascar, os fósseis encontrados foram descritos como novas espécies depois que os cientistas perceberam diferenças nos tamanhos e formatos dos dentes. “Notamos detalhes como um terceiro molar mais curto e um quarto molar maior em comparação aos morcegos de Madagascar, o que fez a diferença na hora de classificá-los como novas espécies”, afirma o paleontólogo e coautor da pesquisa Gregg Gunnell, da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Dentes de morcegos
Nomeadas ‘Phasmatonycteris phiomensis’ n. sp. e ‘Phasmatonycteris butleri’ n. sp., as novas espécies de morcegos foram identificadas a partir da análise dos tamanhos e formatos dos dentes dos fósseis egípcios. (imagem: Gregg Gunnell)
Assim como os exemplares de Madagascar, esses animais tinham almofadas adesivas nos polegares e calcanhares, característica que dividem apenas com membros da família Thyropteridae, que vivem na América do Sul.
Segundo Gunnell, as almofadas adesivas servem para que os morcegos se agarrem à superfície de folhas muito lisas. “Eles normalmente ficam presos às folhas da palmeira, onde costumam dormir e caçar”, explica.
Para o paleontólogo, os primeiros morcegos a habitarem a Terra provavelmente dormiam de cabeça para cima
Os pesquisadores, no entanto, ainda não sabem por que os morcegos da família Myzopodidae têm o hábito de dormir em pé. “Deve haver alguma vantagem, mas não conseguimos descobrir”, diz Gunell.
Para o paleontólogo, os primeiros morcegos a habitarem a Terra provavelmente dormiam de cabeça para cima. “Eles não tinham asas e se apoiavam nos braços e pernas. Depois, os braços ganharam uma pele extensa, que os cobriu formando asas, levando os morcegos a se apoiarem somente nos pés”, completa.

Do continente para a ilha

O achado dos fósseis no Egito sugere que os ancestrais dos morcegos que habitam a ilha de Madagascar surgiram no continente. O paleontólogo acredita que correntes oceânicas tenham carregado pedaços de vegetação entre 55 e 33 milhões de anos atrás e os morcegos do continente tenham voado de uma vegetação para outra, chegando à ilha em algum momento.
Gunnell acrescenta que o ambiente onde esses morcegos ancestrais viviam era bem diferente do deserto em que seus fósseis foram encontrados. “Havia grandes rios e florestas, o que tornava o local muito propício para esses animais, que se alimentavam de insetos”, completa.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line

segunda-feira, 16 de junho de 2014

PALEONTOLOGIA

O último litoral de Minas

Fósseis de cloudinas e corumbellas encontrados no norte do estado indicam que um mar raso cobria partes da América do Sul e da África há cerca de 550 milhões de anos 

MARCOS PIVETTA | Edição 220 - Junho de 2014
© PEDRO STRIKIS
Paredão em Januária, norte de Minas Gerais: fósseis de diminutos animais marinhos foram achados na Formação Sete Lagoas, que faz parte da unidade geológica chamada Grupo Bambuí
Paredão em Januária, norte de Minas Gerais: fósseis de diminutos animais marinhos foram achados na Formação Sete Lagoas, que faz parte da unidade geológica chamada Grupo Bambuí.

Com pouco menos de 70 mil habitantes, o município de Januária, no norte de Minas Gerais, é conhecido hoje por suas cachoeiras, grutas calcárias e cachaças artesanais, cujas virtudes derivam, segundo os produtores, do clima e da umidade natural do solo local, bom para o cultivo de cana-de-açúcar destinada à fabricação da aguardente. Sua posição geográfica estratégica, na margem esquerda de quem sobe o grande São Francisco, chamado de opará (rio-mar) pelos antigos índios da região, fez com que fosse um importante porto e entreposto comercial na época colonial. Vestígios de um passado muito mais remoto, quase imemorial e também marcado por uma relação íntima com as águas, acabam de vir à tona em pedreiras ainda ativas nos arredores da cidade.

Uma equipe de geólogos e paleontólogos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) encontrou ali um tipo de fóssil especial: diminutos fragmentos de animais marinhos do gênero Cloudina, seres de formato tubular compostos por uma sucessão de cones calcários encaixados uns sobre os outros. Os restos dos animais, que viveram na Terra por volta de 550 milhões de anos atrás, estavam incrustados em um paredão e em outros afloramentos constituídos de rochas da Formação Sete Lagoas, que faz parte do Grupo Bambuí. Unidade sedimentar da bacia sanfranciscana, o Bambuí se espalha por aproximadamente 300 mil quilômetros quadrados e abarca vastas porções de Minas Gerais e da Bahia, além de se estender para os estados de Goiás, Tocantins e Distrito Federal.

© PEDRO STRIKIS
Afloramento em pedreira em Januária
Afloramento em pedreira em Januária

Os fósseis são uma prova praticamente irrefutável de que, pouco mais de meio bilhão de anos atrás, um braço de mar, raso, com no máximo 10 metros de profundidade, cobria essa parte do Brasil. “Essa deve ter sido a última praia que Minas Gerais teve”, comenta, com bom humor, o geólogo Lucas Warren, hoje professor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) de Rio Claro, da Unesp, mas que fazia pós-doutorado na USP, com bolsa da FAPESP, quando a descoberta foi feita, no ano passado.

O pesquisador é o autor principal de um artigo na edição de maio da revista científica Geology sobre a descoberta dos fósseis em Januária. “Até agora ninguém havia seguramente encontrado fósseis de animais no Grupo Bambuí”, afirma Warren, que contou com a colaboração de Fernanda Quaglio, especialista em paleobiogeografia, para identificar os fósseis. “Além das cloudinas, também achamos ao menos três fragmentos atribuídos ao gênero Corumbella e rastros em rocha deixados provavelmente por um animal de corpo mole.” Também dotadas possivelmente de um esqueleto, as corumbellas dividiam o mesmo ambiente marinho com as cloudinas. A equipe que coletou os fósseis de Januária incluiu ainda o geólogo Nicolás Strikis, doutorando da USP, também autor do artigo, e um biólogo da cidade mineira, Hamilton dos Reis Salles. Em 2012, o próprio Warren e colegas da América do Sul já tinham encontrado cloudinas e corumbellas em Puerto Vallemí, localidade do norte do Paraguai (ver Pesquisa FAPESP nº 199).
No novo estudo, os pesquisadores defendem a hipótese de que esse braço de mar pouco profundo cobria não apenas a parte do território nacional com rochas do Grupo Bambuí, mas vastas porções do leste da América do Sul, do oeste da África e do sul da Antártida (ver mapa). “Esse mar conectava os três continentes e se ligava ao oceano”, afirma o biólogo Pedro Strikis, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, outro autor do trabalho. Há pouco mais de meio bilhão de anos, a conformação dos blocos rochosos razoavelmente estáveis que constituem a crosta continental, denominados crátons pelos geólogos, era diferente da atual. A América do Sul, a África e a Antártida estavam ligadas entre si. Eram parte do Gondwana, o supercontinente austral, que reunia a maior porção das terras hoje situadas no hemisfério Sul. Apesar de ainda ocorrerem debates intensos entre os pesquisadores brasileiros sobre como e quando exatamente todas as peças do Gondwana se juntaram (se há 520 milhões ou 620 milhões de anos), é consensual a visão de que a maior parte da América do Sul já estava ligada à África e à Antártida por volta de 550 milhões de anos atrás.

A proposta de que houve um mar raso que inundou grandes trechos do Gondwana se baseia fundamentalmente na distribuição geográfica das cloudinas encontradas em várias partes do mundo. Exemplares do fóssil foram obtidos em lugares como a Namíbia, Omã, Argentina, Paraguai, Espanha e China. No Brasil, antes da descoberta dos espécimes no norte de Minas, restos desses seres marinhos tinham sido resgatados em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Com até três centímetros de comprimento, as cloudinas são um dos primeiros animais macroscópicos a apresentar exoesqueleto, concha ou carapaça à base de carbonato de cálcio. De difícil classificação, foram inicialmente incluídas como membros dos anelídeos, que incluem as minhocas, mas atualmente costumam ser classificadas, a exemplo das corumbellas, como parte dos cnidários, grupo que inclui os corais. Seu hábitat era o assoalho de mares pouco profundos, ricos em gás carbônico, numa faixa em que a luz consegue atravessar a água. As cloudinas viviam presas no fundo do mar a esteiras ou tapetes microbianos, finas camadas de cianobactérias que retiram sua energia da fotossíntese. Em alguns casos, essas esteiras estão associadas à formação de rochas calcárias que, quando fossilizadas, podem originar os chamados estromatólitos (se suas camadas forem perceptíveis) ou trombólitos (quando as camadas tiverem aparência grumosa).
© LUCAS WARREN
Fragmentos fósseis de cloudinas: vestígios de vida marinha há 550 milhões de anos em Januária
Fragmentos fósseis de cloudinas: vestígios de vida marinha há 550 milhões de anos em Januária

Os resquícios de exemplares de cloudina são considerados fósseis-guia. No jargão dos paleontólogos, isso significa que são um tipo de registro encontrado em várias partes do globo terreste, mas cuja ocorrência se restringe a um período de tempo bem definido. Essas peculiaridades fazem com que fósseis-guia sejam internacionalmente usados para correlacionar e datar camadas geológicas e, por extensão, o ambiente de deposição a elas associado. As cloudinas só ocorrem em rochas sedimentares de origem marinha que foram depositadas sobre a crosta terrestre entre 550 milhões e 542 milhões de anos atrás, no final do período geológico denominado Ediacarano. Esse período é imediatamente anterior ao início do Cambriano, quando, em curto espaço de tempo, os invertebrados marinhos providos de carapaças biomineralizadas se diversificaram.

As carapaças das cloudinas são frágeis, possuem quantidade pequena de carbonato de cálcio. “As conchas não eram mecanicamente resistentes e não poderiam ‘sobreviver’ a um intenso transporte ou à ação continuada da água corrente”, diz o paleontólogo Marcello Guimarães Simões, do Instituto de Biociências (IB) da Unesp de Botucatu, que também assina o paper na Geology. “Em outras palavras, elas eram autóctones ou parautóctones.” Por isso, os fósseis desses animais são considerados como originários dos locais em que foram encontrados ou de lugares muito próximos. Tal particularidade reforça a ideia de que um mar raso cobria de fato os locais de ocorrência desses fósseis. Como os sítios com cloudinas faziam parte de crátons mais ou menos contíguos ao que seria o Gondwana há cerca de 550 milhões de anos, é razoável supor que esse antigo mar raso juntasse a América do Sul à África.
© LUCAS WARREN
Rastro de animal de corpo mole
Rastro de animal de corpo mole

A idade do Bambuí

Além de ser uma evidência de que águas oceânicas inundaram partes do supercontinente austral em seus primórdios, os exemplares de cloudinas ajudam os geólogos nacionais a estabelecer uma cronologia mais precisa para os sedimentos que estão na base do Grupo Bambuí. A idade dessa unidade geológica tem sido alvo de controvérsias nas últimas décadas. As estimativas para o período em que suas rochas se formaram variam enormemente, de 740 milhões a 550 milhões de anos atrás. Em 2012, o geólogo Márcio Pimentel, então na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e hoje na Universidade de Brasília (UnB), determinou a idade de 25 amostras de zircão detrítico coletadas em áreas do Grupo Bambuí no norte de Minas e no centro da Bahia. Os zircões são minerais cristalizados em granitos ou em rochas vulcânicas que, posteriormente, são erodidos, transportados com os sedimentos e depositados em bacias. Contêm quantidades significativas de urânio e sua idade pode ser calculada por meio do decaimento radioativo. A idade obtida por Pimentel para os cristais encontrados no Bambuí foi entre 600 milhões e 550 milhões de anos, mais jovem do que normalmente se associava ao grupo (ver Pesquisa FAPESP nº 195). “Encontrar fósseis de animais em Januária foi uma grata surpresa e praticamente encerra a polêmica em torno da idade do Grupo Bambuí”, afirma Pimentel.

O geólogo Claudio Riccomini, do IGc-USP, vai na mesma linha, embora faça uma ressalva. “A descoberta de cloudinas e também de fragmentos de corumbellas responde de forma conclusiva à questão da idade do Grupo Bambuí, pelo menos no plano do conhecimento atualmente estabelecido”, diz Riccomini, que, aliás, é também um dos coautores do artigo sobre os novos fósseis marinhos. “Mas esse debate não se encerra por completo. Entre outros temas, é importante verificar se o Grupo Bambuí apresenta a mesma idade em diferentes partes de sua bacia e averiguar as relações que as rochas da Formação Sete Lagoas apresentam com os depósitos glaciais que estão situados abaixo delas.”
© PEDRO STRIKIS
Formações calcárias em caverna da região de Januária
Formações calcárias em caverna da região de Januária
Em linhas gerais, os especialistas concordam a respeito da importância dos fósseis de Januária para o estabelecimento de uma cronologia mais precisa do Grupo Bambuí e para a formulação da hipótese de que partes significativas da América do Sul, da África e da Antártida estavam cobertas por um mar raso cerca de 550 milhões de anos atrás. No entanto, a descoberta das cloudinas no norte de Minas intensifica a discórdia em torno de uma questão de fundo: há pouco mais de meio bilhão de anos, o supercontinente austral Gondwana já estava totalmente formado ou não? Esse tema divide os estudiosos, que nos últimos anos se alinharam em torno de dois grupos com visões distintas. Cada corrente de pensamento se baseia em diferentes tipos de dados, como datações de rochas e informações sobre paleomagnetismo, que ajudam a determinar onde estariam os crátons do Gondwana num determinado período e como poderia ter sido sua movimentação e interação dentro do globo terrestre ao longo do tempo.
Os autores do trabalho com os fósseis de Januária defendem a hipótese de que o Gondwana, sobretudo sua porção oeste (que hoje inclui a América do Sul), ainda não estava totalmente formado no período em que cloudinas e corumbellas viveram. De acordo com essa teoria, a maioria dos grandes blocos continentais, os tais crátons, constituintes do supercontinente já estavam juntos, mas um deles, o grande cráton da Amazônia, ainda se encontrava apartado dos demais há cerca de 550 milhões. Um antigo oceano, batizado de Clymene em 2006 pelo geólogo Ricardo Trindade, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, separaria a maior parte do Gondwana do cráton da Amazônia. Por esse cenário, o Clymene seria a fonte das águas salgadas que teriam criado o mar raso sobre uma parte significativa das terras do nascente Gondwana no tempo das cloudinas. Apenas por volta de 520 milhões de anos atrás esse oceano teria se fechado e o quebra-cabeça da montagem do supercontinente austral teria terminado. “A formação da parte ocidental do Gondwana é mais complexa e se deu mais tarde do que se acreditava”, diz Trindade.
© LUCAS WARREN
Marcas de pequenas ondulações: evidência de antigo mar raso no norte de Minas
Marcas de pequenas ondulações: evidência de antigo mar raso no norte de Minas

Para o geólogo Umberto Cordani, do IGc da USP, as águas do mar raso que provavelmente cobriram uma parte da América do Sul e da África no final do período Ediacarano não podem ter vindo do Clymene. O motivo de tal impossibilidade é, segundo ele, simples: esse oceano nunca existiu. Cordani, Márcio Pimentel, da UnB, e outros pesquisadores defendem a visão mais clássica a respeito do estabelecimento do Gondwana. Segundo essa hipótese, a parte ocidental desse supercontinente, formada pela África e pela América do Sul, juntou-se por volta de 620 milhões de anos atrás, por meio do fechamento de um grande oceano, o Goiás-Pharusian, que separava os crátons do Congo e do Saara dos blocos continentais da Amazônia e do oeste africano. No período das cloudinas, portanto, a América do Sul e a África não possuiriam oceanos internos, de acordo com essa visão. Os pequenos animais marinhos agora encontrados em Minas Gerais e em outros sítios do Gondwana povoariam um extenso mar interior, raso, apoiado sobre litosfera (crosta) de tipo continental. “Não há nenhuma evidência geológica no Brasil Central de uma litosfera de tipo oceânica no período Ediacarano ou Cambriano que possa estar associada à possível existência do Clymene”, afirma Cordani.
De forma cordial, os dois grupos com visões distintas sobre o processo de formação do Gondwana têm publicado artigos e comentários questionando dados e interpretações feitas pelos colegas que não compartilham de sua posição. A descoberta dos fósseis marinhos no norte de Minas – para uns, prova de que o oceano Clymene transbordou sobre a América do Sul e África – é mais um ingrediente adicionado à polêmica.

Projeto

Tectônica e sedimentação do Grupo Itapucumi no contexto das plataformas carbonáticas ediacaranas: abordagem geoquímica, geocronológica, paleomagnética e bioestratigráfica (nº 2010/19584-4);

Modalidade Bolsa no país – Regular – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Claudio Riccomini (IGc-USP); Bolsista Lucas Verissimo Warren – IGc/USP; Investimento R$ 150.870,57 (FAPESP).

Artigo científico

WARREN, L.V et al. The puzzle assembled: Ediacaran guide fossil Cloudina reveals an old proto-Gondwana seaway. Geology. v. 42, n. 5, p. 391-94. mai. 2014.

Seriguela e sucupira pela agricultura

Genes de plantas do cerrado e do semiárido podem contribuir para o melhoramento de cultivares 

NOÊMIA LOPES e RICARDO ZORZETTO | Edição 220 - Junho de 2014
© FABIO COLOMBINI
Tolerância elevada: flor de pequizeiro, árvore nativa do cerrado, adaptada ao calor e à seca
Tolerância elevada: flor de pequizeiro, árvore nativa do cerrado, adaptada ao calor e à seca

A seriguela e o umbuzeiro, árvores comuns no semiárido nordestino, e a sucupira-preta, do cerrado, integram um grupo de plantas brasileiras que podem ajudar a agricultura a enfrentar duas das consequências das mudanças climáticas: o aumento da temperatura e a escassez de água em certas regiões. É que essas três espécies apresentam grande capacidade adaptativa por serem tolerantes ao calor e à seca.
A identificação e o isolamento dos genes que conferem resistência a essas plantas podem ajudar a tornar culturas agrícolas como a soja, o milho, o arroz e o feijão mais tolerantes aos extremos climáticos, afirmou o engenheiro agrícola Eduardo Assad, do Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica em Informática para a Agricultura (CNPTIA) da Embrapa, em palestra apresentada no quarto encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa Biota-FAPESP Educação, realizado em 22 de maio em São Paulo.

“O cerrado já foi muito mais quente e seco do que hoje e árvores como pau-terra, pequi e faveiro, além da sucupira-preta, sobreviveram”, disse Assad. “Precisamos estudar o genoma dessas espécies para identificar e isolar os genes que as tornam tão adaptáveis.” Uma vez feito isso, o passo seguinte é tentar inseri-los em plantas como a soja ou o milho para aumentar a tolerância à falta de água e ao calor. “Não é fácil, mas precisamos começar”, afirmou.
© EDUARDO CESAR
Eduardo Assad, Leonardo Meireles e Alexandre Colombo: necessidade de adaptação
Eduardo Assad, Leonardo Meireles e Alexandre

Colombo: necessidade de adaptação

O Brasil abriga, segundo Assad, a maior variedade conhecida de plantas resistentes ao calor e à seca. E aumentar a capacidade de suportar escassez de água e temperaturas elevadas é um dos grandes desafios da agricultura nacional. Afinal, as simulações de cenários futuros feitas pela Embrapa indicam que a produtividade de culturas como milho, soja e arroz deve cair ainda mais nas próximas décadas em consequência das alterações no clima do planeta. “Esses cenários valem para as variedades genéticas atuais”, explicou Assad. “Uma das soluções é buscar genes alternativos para trabalhar com melhoramento [dessas culturas].”

Como exemplo de contribuição do Centro Nacional de Pesquisa de Soja da Embrapa para enfrentar um cenário de aumento de temperatura e redução de chuvas, Assad apresentou uma variedade de soja geneticamente alterada a ser lançada em 2015. Essa variedade contém um gene chamado Dreb (sigla em inglês de proteína de resposta à desidratação celular), que codifica uma proteína responsável por acionar as defesas naturais da planta contra a perda de água. Patenteado pelo Centro de Pesquisa Internacional do Japão para Ciências Agrícolas (Jircas), esse gene foi extraído de uma planta da família da mostarda, a Arabidopsis thaliana, o primeiro vegetal a ter o genoma sequenciado. Na soja, esse gene parece aumentar a resistência à escassez de água. “Nós a testamos neste ano, no Paraná, durante um terrível período sem chuvas”, contou. “Ainda há estudos a serem feitos, mas ela está se saindo muito bem.”
Ele também mencionou avanços obtidos pelo Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), que já lançou quatro cultivares de feijão tolerante a temperaturas elevadas, e pesquisas feitas no município de Varginha, em Minas Gerais, em busca de variedades de café mais tolerantes ao calor e à falta de água.

Prejuízos

Cálculos da Embrapa feitos com base na produtividade média da soja mostram que somente esse grão acumulou no Brasil perdas de mais de US$ 8,4 bilhões em consequência de mudanças climáticas entre 2003 e 2013. Já a produção de milho perdeu mais de US$ 5,2 bilhões no mesmo período.
© FABIO COLOMBINI
Pequizeiro: o sequenciamento de seu genoma pode revelar genes que favorecem a tolerância a altas temperaturas e à escassez de água
Pequizeiro: o sequenciamento de seu genoma pode revelar genes que favorecem a tolerância a altas temperaturas e à escassez de água

Pesquisas feitas pela Embrapa e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam ainda que nos próximos anos deve ocorrer uma redução na área favorável ao plantio de algumas culturas. Essas análises preveem um encolhimento de 9,45% na área considerada de baixo risco para o cultivo do café arábica até 2020, o que pode causar prejuízos de R$ 882 milhões. A perda de área boa para o café pode chegar a 17,15% até 2050, elevando as perdas para R$ 1,6 bilhão.

Diante do risco de prejuízos, outra solução proposta por Assad é a revisão do modelo produtivo agrícola. “A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera aumentou mais de 20% nos últimos 30 anos, tornando indispensável a implantação de sistemas produtivos mais limpos”, disse à Agência FAPESP. “O Brasil é muito respeitado nessa área, em especial porque reduziu o desmatamento na Amazônia e, ao mesmo tempo, ampliou a produtividade na região.”
Esse resultado, segundo Assad, cria a oportunidade de se discutir a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis, como a integração da lavoura com a pecuária e a floresta, o plantio direto na palha, o uso de bactérias fixadoras de nitrogênio no solo, a rochagem (uso de micro e macronutrientes para melhorar a fertilidade dos solos), a aplicação de adubos organominerais, além do melhoramento genético.
“O confinamento do gado é outro ponto que está em discussão por pesquisadores e criadores em diversas partes do mundo”, lembrou Assad. Para diminuir o risco de contaminação dos rebanhos confinados, a saída é a recuperação de pastos degradados. Estudos da Embrapa Agrobiologia mostra que a produção de carne em pastagens recuperadas pode reduzir em até 10 vezes a emissão de gases de efeito estufa.
“Ambientalistas, ruralistas, o governo e o setor privado precisam sentar e decidir o que fazer daqui em diante”, afirmou Assad. “Qual sistema de produção adotar? Com ou sem pasto? Com ou sem árvores? Rotacionado ou não? São mudanças difíceis, de longo prazo, mas muitos agricultores já estão preocupados com essas questões e com os prejuízos que o aquecimento global pode trazer, e começam a buscar soluções”, disse.
© FABIO COLOMBINI
Palmito-juçara: palmeira que pode perder espaço na mata atlântica com o aquecimento global
Palmito-juçara: palmeira que pode perder espaço na mata atlântica com o aquecimento global
Biodiversidade
As consequências das alterações no clima do planeta não deverão se restringir à agricultura. Em ecossistemas bastante degradados, como a mata atlântica, muitas das espécies de árvores também podem perder espaço com o aumento da temperatura média da superfície do planeta prevista para as próximas décadas. Em sua apresentação, o biólogo Alexandre Colombo mostrou o que deve acontecer com 38 espécies de árvores nativas da mata atlântica até a metade deste século.
Colombo usou informações sobre a distribuição dessas 38 espécies, coletadas em 2.837 localidades do país, para alimentar um modelo matemático que levou em consideração as alterações na temperatura previstas para as próximas décadas. No cenário otimista, em que se espera um aumento de dois graus na temperatura média da superfície do planeta, 32 espécies poderiam sofrer uma redução significativa em sua área de distribuição até 2050 – na média, a área de ocorrência dessas espécies pode sofrer uma redução de 25%. Já no cenário pessimista, em que a temperatura pode subir quatro graus, a área de ocorrência de 19 espécies pode encolher em mais de 50%.

A redução do ambiente adequado para sobreviver deve afetar principalmente árvores como o palmito-juçara (Euterpe edulis) e a pimenteira (Mollinedia schottiana), segundo o estudo de Colombo, realizado sob a coordenação de Carlos Alfredo Joly, professor da Unicamp e coordenador do Biota-FAPESP.

Das 38 espécies analisadas nesse trabalho, publicado em 2010 no Brazilian Journal of Biology, a que mais pode perder espaço é a guaricica (Vochysia magnifica), uma árvore que pode alcançar quase 25 metros de altura cuja distribuição pode sofrer uma redução brutal (73%). Hoje encontrada no Sudeste e no Sul do país, a guaricica pode passar a existir apenas no oeste de Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul se a temperatura subir quatro graus até 2050.

Atualmente os pesquisadores trabalham em colaboração também com equipes da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com apoio da Petrobras, para investigar o que deve ocorrer com a distribuição de 81 espécies de árvores dos diferentes biomas brasileiros até 2100.
Como estratégia para reduzir o possível impacto causado pelas alterações no clima do planeta, Colombo propõe que se invista na preservação dos remanescentes florestais e no reflorestamento de áreas em que a vegetação natural foi degradada. Também sugere que sejam criados corredores conectando os fragmentos de vegetação nativa.

O biólogo Leonardo Dias Meireles, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, explicou em sua palestra como são construídos os modelos de distribuição geográfica potencial de uma espécie. Por levarem em consideração variáveis ambientais e climáticas dos locais onde as espécies já foram encontradas, esses modelos permitem, por exemplo, identificar novas áreas com condições similares às habitadas hoje pelas espécies. Assim, é possível a área de ocupação potencial de uma espécie orientar coletas ou mesmo sua reintrodução consciente no ambiente. Como exemplo, ele citou o caso da árvore casca-d’anta (Drimys brasiliensis), que recentemente foi encontrada em uma região do sudeste de Goiás, como apontado por modelos desenvolvidos por Meireles durante seu doutorado, sob orientação de George Shepherd, na Unicamp.

Segundo Meireles, esses modelos são importantes para estimar o ganho ou redução na área de ocorrência de uma espécie e como elas podem responder às alterações climáticas. Também auxiliam na identificação de áreas climaticamente favoráveis ao estabelecimento de novas populações no futuro, permitindo ajudar na concepção de estratégias de preservação da flora e da fauna.

O ciclo de conferências organizado em 2014 pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo tem como foco os serviços ecossistêmicos. O último encontro da série tem como tema “Biodiversidade e ciclagem de nutrientes” e deve ser realizado no dia 25 de junho.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Um achado sem precedente

Divulgada a descoberta de vários fósseis de pterossauros, com ovos em três dimensões, em depósitos do Cretáceo na China. Novas informações sobre esses répteis alados são apresentadas por Alexander Kellner em sua coluna de junho. 
 
Por: Alexander Kellner
Publicado em 13/06/2014 | Atualizado em 13/06/2014
Um achado sem precedente
Reconstrução de um casal de ‘Hamipterus’, em vida, acompanhado de um filhote. Pela primeira vez, como mostra estudo que acaba de ser publicado, foram encontrados vários fósseis de pterossauros em um mesmo local. (arte: Maurílio Oliveira.
 
Normalmente não costumo abordar como tema central desta coluna descoberta na qual eu esteja diretamente envolvido. Mas não há como deixar passar em branco a identificação de uma população de pterossauros, contendo machos e fêmeas. E o melhor: com alguns ovos preservados em três dimensões (3D).
Não foi à toa que a pesquisa – fruto de uma colaboração sino-brasileira – ganhou destaque na capa de uma das mais importantes revistas de biologia do mundo, a Current Biology. Além da importância do trabalho em si, o tema possibilita apresentar algumas informações de bastidores desse extraordinário achado científico.
Há mais de uma década trabalho com pesquisadores do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia (IVPP, na sigla em inglês), de Pequim, China, particularmente com o colega Xiaolin Wang, recentemente empossado como membro correspondente da Academia Brasileira de Ciências. Nesse período, fizemos vários trabalhos em colaboração. Mas o principal deles é, sem dúvida, a descoberta de Hamipterus tianshanensis, como foi denominado o novo pterossauro.

O que vi me deixou pasmo: um bloco de rocha com nada mais, nada menos que três crânios de pterossauros, além de vários ossos
Tudo começou em 2006, quando Xiaolin encontrou restos de ossos de pterossauros na província de Xinjiang. Situada na parte noroeste da China, essa região é autônoma, e a maioria de sua população, os uigures, é muçulmana. Lembro-me bem de quando vi o material pela primeira vez: os ossos brancos estavam muito bem preservados e representavam vários indivíduos.
Sabia que nos anos seguintes Xiaolin continuou realizando expedições naquela região, mas não tinha mais detalhes. Até que, em maio de 2008, pelo quinto ano consecutivo, eu estava novamente no IVPP, em Pequim. Fui ao escritório de Xiaolin para discutir aspectos de um trabalho que estávamos fazendo juntos, mas ele não se encontrava.
Como a porta estava aberta, entrei e vi no canto direito da sala o que parecia ser um bloco de rocha coberto por um tecido de seda verde. Xiaolin sempre guarda novidades de suas coletas em sua sala. Nem é preciso dizer que fiquei curioso ao ver aquele material e tive que me conter para não levantar o pano e dar uma espiada no que ele escondia.

Minutos depois, Xiaolin entrou. Conversamos sobre o trabalho e, quando eu estava de saída, ele me chamou para mostrar o que estava debaixo do tecido de seda verde. O que vi me deixou pasmo: um bloco de rocha com nada mais, nada menos que três crânios de pterossauros, além de vários ossos.
Fósseis de pterossauros
Bloco com três crânios (indicados pelas setas) e vários outros ossos de pterossauros encontrados na província de Xinjiang, na China. (foto: W. Gao)
Sabem quando três crânios desses répteis voadores foram encontrados juntos em um mesmo bloco de rocha sedimentar? Nunca! Após rápida conversa, Xiaolin cobriu novamente o material e sentenciou: “Para o ano que vem”. Não é preciso mencionar minha ansiedade; queria estudar logo o material, que sem dúvida era uma grande descoberta. O “ano que vem” demorou mais que o previsto, mas a espera valeu a pena.

Ovos em 3D

Logo de início, quando Xiaolin mostrou os primeiros ossos de pterossauros, informando que haviam sido coletados em uma mesma camada, levantei a hipótese de que se trataria de uma região que talvez fosse uma espécie de berçário daquele réptil voador.
Antes dessa descoberta havia apenas quatro ovos de pterossauros, todos muito comprimidos e com a superfície mal preservada.
 
O motivo é simples: pterossauros são raros e, até agora, mesmo nas regiões onde há muitos deles, como a Formação Solnhofen, na Alemanha, e a Formação Romualdo da Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil, fósseis desses répteis voadores nunca haviam sido encontrados juntos em um mesmo local. Até na Argentina, onde foram descobertas centenas de ossos de Pterodaustro, a maioria estava isolada. E, pelo que se lê nas publicações, crânios são raros. Bem diferente do que Xiaolin havia descoberto.
Sugeri então que ele ficasse atento a ovos e ninhos. Dito e feito. Alguns anos depois, Xiaolin me trouxe uma daquelas luxuosas caixas chinesas. E, dentro dela, guardado como um verdadeiro tesouro, um ovo de pterossauro preservado em 3D. Não posso deixar de enfatizar a grande emoção que senti quando vi aquele exemplar.
Desde então foram descobertos alguns novos ovos, mas nenhum ninho ainda. A importância daquele material está em sua preservação. Para que o leitor tenha uma ideia, antes dessa descoberta havia apenas quatro ovos de pterossauros, todos muito comprimidos e com a superfície mal preservada.
Ovo de pterossauro
Ovo do pterossauro preservado em 3D (à esquerda), ao lado do ovo de uma cobra recente. Embora sua casca externa seja rígida, o ovo do pterossauro é bastante maleável, semelhante ao das cobras atuais. (foto: W. Gao)
A análise dos ovos do Hamipterus revelou que eles tinham uma casca externa formada por uma fina camada de calcário, seguida de uma membrana. Essa configuração lhe dava maleabilidade, com grande semelhança aos ovos de alguns lagartos e cobras.
Com base em três dos quatro achados de ovos anteriores, ficou estabelecido que a casca externa era mole, sem a presença de uma camada exterior rígida. O quarto ovo conhecido pertence a Pterodaustro e nele é possível identificar uma casca externa calcária, mas muito mais fina que a do Hamipterus.

Machos e fêmeas

Pudemos contabilizar a evidência de mais de 40 indivíduos. Infelizmente, não estavam todos completos, mas a conta é feita com base nos restos de suas arcadas superiores. Um fato chamou bastante a atenção: havia animais com tamanho similar, mas com formato e projeção da crista craniana um tanto diferentes. Esse padrão se repetiu em vários exemplares.
Tal fato fez surgir a hipótese de que talvez se tratasse de machos e fêmeas, sendo que os primeiros teriam uma crista maior e mais robusta. Com a presença de ovos, fêmeas teriam que estar presentes. E seria estranho que, com tantos indivíduos, não houvesse nenhum macho.
Crânios de Hamipterus tianshanensis
Diferentes crânios de ‘Hamipterus tianshanensis’ demonstram dimorfismo sexual na espécie. Os machos (B, D e F) possuem cristas maiores e mais robustas, enquanto nas fêmeas (A, C e E) elas são menores. (foto: W. Gao)
Não é possível ter certeza de que os animais com cristas maiores eram realmente machos, já que, em tese, poderiam também ser fêmeas. Seja como for, o novo depósito fossilífero de Xinjiang é a melhor evidência que se tem de que ao menos algumas espécies de pterossauros apresentavam dimorfismo sexual. Notem que não é a presença ou ausência da crista, mas sim sua expressão. Isso contraria a percepção dos pesquisadores que defendiam que machos possuíam cristas cranianas, ao passo que fêmeas não.

O futuro

Parece desnecessário dizer que esse é o primeiro de muitos trabalhos que se seguirão sobre esse material. Claramente, com tantos indivíduos à disposição, teremos oportunidade de fazer novos estudos, como os paleohistológicos, em que será possível caracterizar as mudanças ocorridas nos ossos desde animais mais jovens até adultos.
Também vamos procurar mais ovos e, quem sabe, encontrar alguns com embriões. Enfim, muita coisa nova poderá surgir do estudo de Hamipterus, o que coloca mais viagens à China no meu horizonte. Não só no meu, mas também no de outros pesquisadores brasileiros, como Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo, coautora do trabalho.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

quinta-feira, 12 de junho de 2014

ICMBIO APROVA PLANO DE AÇÃO PARA A CONSERVAÇÃO DO TATU-BOLA

A espécie está ameaçada de extinção. Anúncio foi feito no Dia da Biodiversidade (22)
tatubola
Lorene Lima e Nara Souto
ascomchicomendes@icmbio.gov.br

Brasília (23/05/2014) – O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) aprovou nesta quinta-feira (22), durante a cerimônia de comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, em Brasília, o Plano de Ação Nacional (PAN) para preservação do tatu-bola. A oficina de trabalho para a elaboração do PAN foi realizada entre 12 e 16 de maio na Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) Serra das Almas, em Crateús, Ceará.

Saiba mais sobre a cerimônia de comemoração
A intenção é diminuir o risco de extinção de duas espécies do gênero Tolypeutes, ordem a que pertence o tatu-bola, conhecidas como T. Tricinctus (tatu-bola-do-Nordeste) e T. Matacus (tatu-bola-do-Centro-Oeste). A meta é levar o T. Tricinctus, atualmente classificado como "Em Perigo", para a categoria "Vulnerável". Essa espécie vive exclusivamente no Brasil, na caatinga ou cerrado, e está ameaçada de extinção. Já o T. Matacus habita o Pantanal e áreas vizinhas de cerrado, porém é mais comum em outros países. Com o PAN, esta espécie será melhor estudada, uma vez que encontra-se na categoria "Dados Insuficientes" por falta de informações em solo brasileiro.
Para atingir a meta, foi criado um Grupo de Assessoramento Estratégico e estabelecidas 38 ações. "Em cinco anos, o objetivo é que a gente consiga diminuir esse grau de ameaça", afirmou a coordenadora-substituta de Planos de Ação do ICMBio (COPAN), Marília Marini.

A elaboração do PAN Tatu-bola foi coordenada pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio), com o apoio da ONG Associação Caatinga e do Grupo Especialista em Tatus, Preguiças e Tamanduás. Outras 15 instituições, entre universidades, órgãos estaduais e federais do meio ambiente, também participaram da elaboração dos planos, que terão coordenação executiva da Associação Caatinga e serão acompanhados pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação do Cerrado e Caatinga (Cecat) e pela Coordenação-Geral de Espécies Ameaçadas (CGESP).

O Tatu-bola ganhou esse nome por fechar-se completamente, formando uma bola, para se defender de predadores. Essa característica fez com que a espécie fosse escolhida como mascote para a Copa do Mundo 2014, mas isso não diminui o risco de extinção. "A pressão para o tatu-bola nesses últimos anos foi muito grande. Ele perdeu 50% do seu habitat natural. Já havia a necessidade de criar um plano de ação e esse é um momento em que ele ganha visibilidade por conta do Mundial. A ideia foi aproveitar essa oportunidad", acrescentou Marília Marini.
Planos de Ação Nacional
Os PANs são instrumentos de gestão para troca de experiências entre entidades com o intuito de buscar novas ações para conservação da biodiversidade. Assim, é possível reunir e potencializar os esforços para a preservação do meio ambiente. "O Plano de Ação é uma ferramenta definida pelo governo brasileiro a partir do Programa Pró-Espécie. Ele soma a integração de esforços, identificação de lacunas e orientação para que a gente tenha um sucesso maior na conservação de espécies. É um pacto de ações entre diferentes parceiros e instituições", afirmou o Coordenador Geral de Manejo para Conservação do ICMBio (CGESP), Ugo Vercillo.

Saiba mais sobre o Pró-Espécie

As etapas para elaboração de um Plano de Ação consistem em organizar e analisar todas as informações apuradas para identificar as ameaças e os atores. Nesse processo, são apontados os objetivos, metas e ações que irão promover mudança do risco de extinção dos animais. O trabalho de elaboração, monitoria e revisão é instituído pela Instrução Normativa ICMBio nº25/2012, com base no planejamento estratégico que estabelece um método simples a ser aplicado em todos os níveis taxonômicos ou geográficos. Cabe aos Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação do ICMBio coordenar todo o processo de elaboração e implementação dos PANS, conforme estabelecido na Portaria ICMBio n° 78/2009, sob a supervisão da Coordenação-geral de Manejo para a Conservação. O Instituto conta ainda com o apoio do Projeto PROBIO II/MMA.

Após o diagnóstico das ameaças, são definidos quais instrumentos de gestão deverão ser aplicados ou otimizados. As ações abrangem objetivamente a interferência em políticas públicas, desenvolvimento de conhecimentos específicos, sensibilização de comunidades e controle da ação humana para combater as ameaças. São medidas adotadas nos PAN: a criação e implementação de unidades de conservação, regularização fundiária, licenciamento e compensação ambiental, pesquisa aplicada, conservação ex-situ - fora do lugar de origem - educação ambiental, fiscalização, recuperação de áreas degradadas e projetos de usos sustentáveis dos recursos naturais.
Confira a Portaria 56, de 22 de maio de 2014.
Confira a lista de 77 espécies que saíram da lista de ameaçadas de extinção, clicando aqui