segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Espécie do parasita é determinante na resposta imune à leishmaniose cutânea

15/09/2014
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Profissionais de saúde que atuam na região amazônica deparam-se frequentemente com pacientes com leishmaniose tegumentar (ou cutânea). Esses pacientes podem apresentar desde lesões na pele – que, em alguns imunologicamente resistentes, se curam de forma espontânea – até úlceras nas mucosas que atingem a cartilagem do nariz e o palato, além de nódulos e placas eritematosas infiltradas, incuráveis pelo corpo.


Interação com o hospedeiro varia de acordo com o subgênero e a espécie do protozoário, apontam estudos feitos na USP e em instituições do Pará e do Maranhão (imagem: FMUSP)

“Acompanhamos por mais de 20 anos um paciente com leishmaniose tegumentar cheio de lesões espalhadas pelo corpo que não curaram”, disse Carlos Eduardo Pereira Corbett, professor do Departamento de Patologia e chefe do Laboratório de Patologia de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), à Agência FAPESP. “Nesse caso, indicamos ações paliativas, para que o paciente não sofra muito.”
Um grupo de pesquisadores da instituição, em colaboração com colegas do Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA), e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), descobriu, durante pesquisas desenvolvidas no âmbito de um Projeto Temático, que, além de ser influenciada pelo perfil genético e imunológico do hospedeiro, a resposta imune à leishmaniose tegumentar também é determinada pela espécie do parasita.
Alguns dos principais resultados do estudo, coordenado por Corbett, foram publicados nas revistas Archives of Dermatological Research, The Journal of Federation of American Societies for Experimental Biology – Faseb Journal, Parasite Immunology e Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene.
“Constatamos que alguns tipos de lesões cutâneas de leishmaniose tegumentar estão mais relacionados a uma espécie de parasita que modula a resposta imune do paciente infectado para desenvolver resistência ou suscetibilidade à doença”, afirmou Corbett.
A constatação foi feita por meio de estudos realizados pelos pesquisadores com pacientes de áreas endêmicas de leishmaniose no Pará e no Maranhão, diagnosticados e acompanhados por eles, em alguns casos, há cerca de 20 anos.

De acordo com Corbett, a leishmaniose tegumentar é transmitida para os humanos – e para animais silvestres como roedores, marsupiais, edentados e primatas – pela picada de fêmeas de insetos flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) infectados por Leishmania. Os pesquisadores estimam que tenha ocorrido, nos últimos cinco anos, cerca de 30 mil casos da doença por ano no Brasil.
Na Amazônia brasileira – que tem a maior variedade de espécies do parasita no mundo e o maior número de casos de infecção no país e na América Latina –, a doença é causada por sete espécies do protozoário, sendo seis do subgênero VianniaL. braziliensis, L. guyanensis, L. shawi, L. lainsoni, L. naiffi e L. lindenbergi – e uma do subgênero Leishmania, a L. amazonensis.

Ao ser infectado por uma dessas espécies de parasita intracelular – que ataca células macrofágicas (hospedeiras) –, o sistema imune do hospedeiro aciona uma série de células de defesa e anticorpos, entre outros mecanismos, que interagem com o protozoário e determinam sua destruição ou sobrevivência e, consequentemente, a resistência ou a suscetibilidade à doença.
Em caso de resistência à doença o hospedeiro pode desenvolver lesões na pele que são curadas espontaneamente. Em casos mais graves de infecção por L. braziliensis, nos quais a resposta imune do organismo ao parasita é muito agressiva, podem ser desencadeadas úlceras nas mucosas.
Já no caso da suscetibilidade, o hospedeiro pode desenvolver, na forma mais grave, lesões cutâneas incuráveis em todo o corpo – em um quadro denominado de leishmaniose alérgica difusa –, como um paciente atendido durante mais de 20 anos pelo pesquisador Fernando Silveira, do Instituto Evandro Chagas de Belém (PA), e um dos pesquisadores principais do projeto.
“A Leishmania tem 250 milhões de anos e foi se adaptando ao longo desse tempo”, disse o pesquisador. “A compreensão dos mecanismos de interação do parasita com o hospedeiro – foco do nosso grupo de pesquisa – ainda representa um grande desafio”, disse.

Papel do parasita

Até agora se sabia que a variação da resposta clínica e imunológica à infecção por Leishmania estava relacionada, principalmente, com o perfil genético e imunológico dos hospedeiros.
Os pesquisadores desse projeto demonstraram que a espécie do parasita também exerce um papel fundamental na determinação do tipo de resposta imune.

As espécies do protozoário do subgênero Viannia, como a L. braziliensis e a L. guyanensis, induzem a produção de duas citocinas (proteínas que modulam a função de células) – IFN-γ e TNF-α – que fazem as células macrofágicas infectadas produzir óxido nítrico (NO) e eliminar o parasita. O hospedeiro, nesse caso, desenvolve resistência à infecção.

Em contrapartida, as espécies do subgênero Leishmania, como a L. amazonensis, estimulam a produção das citocinas como a interleucina-4 (IL-4), interleucina-10 (IL-10) e TGFβ1, que têm capacidade de suprimir a função da citocina IFN-γ e, consequentemente, desativar o macrófago, favorecendo a multiplicação do parasita e a suscetibilidade do hospedeiro à doença.
“É claro que o perfil imunogenético é importante na resposta imune do hospedeiro contra a infecção”, disse Cláudia Maria de Castro Gomes, pesquisadora da FMUSP e uma das pesquisadoras principais do projeto. “Mas observamos por meio de análises de células e tecidos dos pacientes que a espécie do parasita também ajuda a polarizar a resposta ao modulá-la”, avaliou.
Infecção experimental
Para verificar se os resultados poderiam ser observados experimentalmente, os pesquisadores usaram modelos animais. Em um dos estudos, publicado nas revistas Parasite Immunology e Parasitology Research, eles infectaram camundongos com parasitas L. amazonensis e L. braziliensis.
A infecção por L. amazonensis levou à progressão da doença, com aumento do tamanho de lesões e da carga parasitária no animal. Já a infecção por L. braziliensis causou um discreto aumento de lesões entre a sexta e a sétima semana de inoculação do parasita, com posterior regressão e redução da carga parasitária.
“Conseguimos reproduzir e corroborar no modelo experimental os resultados observados na infecção em humanos”, disse Marcia Dalastra Laurenti, professora da FMUSP, que também é uma das pesquisadoras principais do projeto.
Os pesquisadores também realizaram um estudo experimental com cinco espécies de macacos neotropicais – Callithrix jacchus, Callithrix penicillata, Saimiri sciureus, Aotus azarae infulatus e Callimico goeldii –, do Centro de Primatas do Instituto Evandro Chagas em Belém, no Pará.
As células macrofágicas do peritônio dos animais foram infectadas com parasitas das espécies L. braziliensis e L. amazonensis, além da L. infantum chagasi, causadora de leishmaniose visceral, que atinge órgãos como o fígado e baço.

Os resultados do experimento, publicados na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, indicaram que, apesar de infectadas, as células macrofágicas dos animais controlaram a infecção.
“Observamos que, após 48 horas de infecção, a presença do parasita no interior das células diminuía e tendia a desaparecer”, disse Laurenti. “As células produziam citocinas, reagentes de oxigênio e nitrito que são capazes de controlar o crescimento e destruir o parasita”, explicou.


A fim de aprofundar os estudos e buscar outro modelo experimental de primata suscetível à infecção por Leishmania, os pesquisadores infectaram macacos-prego (Sapajus apella) por via intradérmica na cauda também com parasitas das espécies L. braziliensis e L. amazonensis.
Os resultados do estudo, publicado no fim de agosto na revista BioMed Research International, apontaram que, a exemplo das outras cinco espécies de primatas neotropicais, os macacos-prego também foram capazes de controlar a infecção por Leishmania.

A infecção por L. braziliensis durou, aproximadamente, 300 dias e causou lesões no animal que foram naturalmente cicatrizadas. Já a infecção por L. amazonensis durou menos – por volta de 180 dias – e também foi curada espontaneamente.
“Vimos que o primata é um bom modelo para estudar evolutivamente a forma localizada da doença, que culmina na cura espontânea e resistência”, disse Laurenti. “Das seis espécies de primatas que estudamos experimentalmente nenhuma apresentou suscetibilidade à leishmaniose visceral”, afirmou.

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