segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Espinossauro

© Davide Bonadonna
© Tyler Keillor, Lauren Conroy e Erin Fitzgerald
Nome científico: Spinosaurus aegyptiacus, S. marocannus.
Significado do Nome: Lagarto Espinho Egípcio e Lagarto Espinho do Marrocos.
Tamanho: 15 a 18 metros de comprimento e 5,5 a 6 metros de altura aproximadamente.
Alimentação: Carnívora. Peso: 7 a 20 toneladas.
Viveu: Egito, Marrocos, Algéria e Tunísia - África e talvez Brazil.
Período: Cretáceo Inferior e Superior.
Veja onde viveu o mais longo dos terópodes!
© Patrick Król Padilha
Veja quando viveu o Spinosaurus!
© Patrick Król Padilha!
Você está lendo agora a terceira versão deste artigo. A primeira edição tinha apenas o intuito de melhorar a qualidade do texto, mas esta nova edição realmente se deve à novas descobertas. Se você está lendo este texto no dia ou mesmo na semana em que foi publicado, deve estar ciente que o dinossauro Spinosaurus acabou de ser totalmente transformado por um novo estudo. Nossa visão desse enorme predador era baseada em fósseis precários, alguns dos quais nem existem mais, além de noções impregnadas em nossas mentes pela mídia e indústria cultural (você mesmo Jurassic Park 3!). Sempre foi reconstruido como um predador de topo, 18 metros de comprimento, ágil e forte ao mesmo tempo, versátil, capaz de caçar em terra e na água, comendo desde carniça até peixes. 
Os primeiros registros desse animal já tem mais de 100 anos. Vários fragmentos desse gênero já foram encontrados, mas pouco se tem de material fóssil de tal predador, sendo que a maioria é bem fragmentário. Vamos ver a seguir os principais espécimes.

BSP 1912 VIII 19: este foi descoberto por Richard Markgraf em 1912 e descrito por Ernst Stromer em 1915. Originário da Formação Bahariya, tornou-se o holótipo com a criação do gênero e espécie. O material consistia dos seguintes pedaços, a maioria incompletos:
  • Partes da maxila
  • Partes da mandíbula com 75 cm de comprimento
  • 20 dentes
  • 2 vértebras cervicais
  • 7 vértebras dorsais
  • 3 vértebras sacrais
  • 1 vértebra caudal
  • 4 Costelas
  • Elementos da gastrália
A descrição original de Stromer indicava que o fóssil representava um único indivíduo, cujo esqueleto havia sido desarticulado e preservado sem qualquer vestígios dos membros. O crânio estaria presente, porém foi erodido em sua parte posterior, portanto somente parte da mandíbula e fragmentos da maxila restaram.
Das nove espinhas neurais (que formam a vela) a mais longa, associada com uma vértebra dorsal, tinha 1,65 metros. Stromer afirmou que o espécime viveu no Cenomaniano, cerca de 97 milhões de ano. Esse espécime foi destruído na 2ª Guerra Mundial, especificamente na noite de 24 para 25 de abril de 1944, quando um bombardeio britânico acertou Munique. O ataque prejudicou severamente os prédios da Paläontologische Staatssammlung München (Coleção de Paleontologia do Estado Bavário). No entanto, desenhos detalhados e descrições do espécime permanecem. O filho de Stromer doou os arquivos de seu pai para o Paläontologische Staatssammlung München em 1995 e Smith et al. analisou duas fotografias do holótipo descobertas no arquivo em 2000. Com base nas fotos da mandíbula inferior e uma foto do espécime todo montado, Smith concluiu que o desenho original era levemente incorreto. Em 2003, Oliver Rauhut sugeriu que o Spinosaurus de Stromer era uma quimera, composto de vértebras e espinhas neurais de um carcarodontossaurídeo parecido ao Acrocantossauro e dentes de Barionix ou Suchomimus. Essa análise foi rejeitada.
Única foto da mandíbula
© Acervo do Paläontologische Museum
Única foto do holótipo exposto antes do bombardeio
© Acervo do Paläontologische Museum
Reconstrução do Spinosaurus feita por Stromer em 1936
© Ernst Stromer
Mandíbula do holótipo
© Ernst Stromer
Vértebras do holótipo
© Ernst Stromer
Fósseis do holótipo
© Ernst Stromer
NMC 50791: mantido no Museu da Natureza Canadense, é uma vértebra cervical que tem 19,5 centímetros de comprimento coletada nas jazidas Kem Kem - Marrocos. É o holótipo do S. maroccanus tendo sido descrevido por Dale Russel em 1996. Outros espécimes referidos ao S. maroccanus no mesmo artigo eram duas outras vértebras cervicais (NMC 41768 e NMC 50790), um fragmento dentário anterior (NMC 50832), um fragmento dentário do meio (NMC 50833) e um arco neural dorsal anterior (NMC 50813). Russel afirmou que "somente informação geral sobre localidade poderia ser fornecida" para o espécime e portanto poderia ser datado apenas como possivelmente originário do Albiano. Vale ressaltar que, enquanto muitos aceitem a validade de S. maroccanus, grande parte da comunidade científica o classifica como sinônimo júnior de S. aegyptiacus ou até nomen dubium.
NMC 41852: um grande úmero descrito por Russel em 1996, como terópode indeterminado é atribuído ao gênero Spinosaurus por Ibrahim et. al. (2014) com base em similaridades morfológicas com Baryonyx e dado que o tamanho do osso é grande demais para pertencer a qualquer outro terópode encontrado na região de Kem Kem, uma vez que Spinosaurus é o mais longo dinossauro terópode encontrado na área.
MNHN SAM 124: pertence ao Museu Nacional de História Natural de Paris. É um focinho composto de pré-maxila parcial, maxila parcial, vômer e fragmentos dentários. Foi descrito por Taquet e Russell em 1998, media 13,4 a 13,6 centímetros de largura, porém não foi divulgado o comprimento do fóssil. Encontrado na Algéria, seria da época Albiana. Taquet e Russell acreditavam que o espécime, assim como um fragmento de pré-maxila (SAM 125), duas vértebras cervicais (SAM 126-127) e um arco neural dorsal (SAM 128) pertenciam a S. maroccanus.
MNHN SAM 124 
© FunkMonk
BM231: localizado na coleção do Instituto Nacional de Minas, Túnis, foi descrito por Buffetaut e Ouaja em 2002. Consiste de um fragmento dentário anterior de 11,5 centímetros de comprimento do Albiano inferior, da Formação Chenini - Tunísia. O fragmento dentário, que incluía quatro alvéolos e dois dentes parciais, era supostamente similar ao material de S. aegyptiacus.
BM231
© Buffetaut e Ouaja, 2002
UCPC-2: mantido na Coleção Paleontológica da Universidade de Chicago, consiste principalmente de dois ossos nasais estreitos conectados com uma crista sem crânio que seria localizada entre os olhos. O espécime que tem 18 centímetros de comprimento, foi localizado em rochas do início do Cenomaniano, parte das jazidas Kem Kem do Marrocos, em 1996. Foram descritas em 2005 por Cristiano Dal Sasso e colegas, do Museu Cívico de História Natural de Milão.
BM231
© Dal Sasso et al. (2005)
MSNM V4047: Este fóssil está no Museu de História Natural de Milão e foi descrito por Dal Sasso e colegas em 2005. Composto de focinho com premaxila parcial e ossos nasais parciais totalizando 98,8 centímetros de comprimento é proveniente das jazidas Kem Kem. Assim como UCPC-2, imagina-se ter vindo do Cenomaniano. De acordo com Dal Sasso et. al. (2005) o exemplar apresenta a sutura sagital fundida dorsalmente, o que é caracaterístico de um indivíduo adulto. Segundo o autor, esse fóssil foi encontrado em 1975 na cidade de Taoua, no Marrocos, em rochas da área de Kem Kem. Essas rochas fazem parte de um depósito continental que hoje se apresentam como red beds subjacentes ao Platô Hammada du Guir. Permaneceu em coleção particular até 2002.
MSNM V4047
© Ghedo
Simone Maganuco e o fóssil MSNM V4047
© Simone Maganuco
Outros exemplares conservados pelo Museu de Milão incluem os seguintes fragmentos:

MSNM V6353: Falange pedal III-1
MSNM V6849: Vértebra caudal distal
MSNM V6872: Vértebra dorsal anterior (D3-D4)
MSNM V6874: Vértebra Cervicodorsal (C10-D1)
MSNM V6877: Vértebra Cervicodorsal (C10-D1)
MSNM V6881: Vértebra dorsal anterior (D2)
MSNM V6886: Falange manual proximal
MSNM V6888: Falange pedal
MSNM V6893: Metacarpo direito III
MSNM V6896: Quadrado esquerdo (sub-adulto)
MSNM V6897: Falange pedal
MSNM V6900: Ílio esquerdo (sub-adulto)
MSNM V7142: Metatarso, porção distal
MSNM V7143: Vértebra dorsal anterior (D1-D2)

UCRC PV4: armazenado na Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago. Seção medial do dentário esquerdo com raízes de dentes, porém faltando as coroas (sub-adulto).

UCRC PV5: segundo a nova pesquisa de Ibrahim et. al. (2014) esse fóssil, armazenado na Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago, é uma vértebra caudal medial. No estudo somente há uma reconstrução em 3D, provavelmente obtida por escaneamento do fóssil.
Modelo 3D digital de UCRC PV5
© Ibrahim et. al. 2014

UCRC PV6: armazenado na Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago. Vértebra caudal distal.
UCRC PV7:
armazenado na Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago. Vértebra caudal dorsal.
UCRC PV8:
armazenado na Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago. Falange I do dedo I da mão esquerda.

UCRC PV601: outro fóssil apresentado por Ibrahim et. al. (2014), também pertence à Coleção de Pesquisa da Universidade de Chicago. É uma vértebra dorsal.
Modelo 3D digital de UCRC PV601
© Ibrahim et. al. 2014

FSAC-KK 11888: Foi adquirido pela Universidade de Casablanca, onde está armazenado. Esqueleto de um indivíduo sub-adulto encontrado na região de Kem Kem em 2008, quando Ibrahim estava liderando uma coleta, sendo que a identificação provisória como Spinosaurus foi feita por Ibrahim e Zouhri. Aparentemente elementos do mesmo espécime surgiram em Milão no ano de 2009 e Dal Sasso juntamente com Maganuco contataram Nizar Ibrahim relatando sobre os fósseis levados para a Itália. Em conjunto, os três pesquisadores (Dal Sasso, Maganuco e Ibrahim) contataram o coletor do fóssil e encontraram o sítio original da coleta. Em 2013 foi feito o trabalho de escavação completa do sítio que resultou na coleta de várias partes do esqueleto, contanto com a participação de Ibrahim, Zouhri, Dal Sasso, Sereno, Martill entre outros.

Pé de Spinosaurus reconstruído
© Ibrahim et. al. (2014)

Este fóssil apresentou-se bem mais completo que os espécimes previamente conhecidos desse gênero, apresentando porções do crânio e esqueleto pós craniano parcial, incluindo:
  • Crânio - porções fragmentárias
  • Coluna Vertebral - fragmentos
  • Manus (mão)
  • Cintura pélvica
  • Membros posteriores
Do crânio, os ossos identificados são porções dos ossos nasais, pré-frontais, esquamosais, quadratojugais, maior parte dos quadrados, partes do osso dentário, dentes isolados e possível lacrimal. Do esqueleto pós-crânio foram identificadas vértebras cervicais, dorsais, sacrais e caudais, costelas cervicais e dorsais parciais e chevrons parciais. Os membros dianteiros são representados por duas falanges do segundo dedo e base da falange 3. Ambos os lados da cintura pélvica e membros posteriores foram encontrados incluindo fêmures, tíbias, fíbulas, falanges pedais, ílio, ísquio e púbis. Um pé quase completo foi preservado, embora nenhuma parte dos tornozelos tenha sido encontrada.
Sendo este esqueleto bem mais completo que os demais, Ibrahim et. al. (2014) definem FSAC-KK 11888 como o Neótipo para Spinosaurus.
Quando um novo gênero é descoberto, o fóssil principal usado como base para sua descrição, geralmente o mais bem preservado disponível no momento do estudo, é designado como o espécime tipo ou holótipo, que servirá como referência para comparações com futuras descobertas. A partir dele é que se sabe se novos achados pertencem ou não ao gênero. O holótipo do Spinosaurus encontrado em 1912 e descrito por Stromer (1915) não mais existe, por isso Ibrahim et. al. (2014) justificam que seguindo as recomendações do Artigo 75.3 da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN) é necessária a atribuição desse novo espécime ao posto de neótipo. O Artigo 75.3 da ICZN diz que pode-se criar um neótipo quando é demonstrado que:
  • É excepcionalmente preciso;
  • Se trata de um táxon distintivo;
  • Existem detalhes permitindo o reconhecimento do espécime;
  • O holótipo foi destruído e as razões levaram a isso;
  • A evidência do neótipo é consistente com o que se sabe dos tipos já estudados;
  • Há evidências de que o neótipo provém de um local mais próximo possível da localidade do holótipo original;
  • O exemplar neótipo está localizado em instituição que pode preservar e disponibilizar o espécime para estudo.
UFMA 1.20.070, UFMA 1.20.443, UFMA 1.20.444 SL: Esses fósseis brasileiros estão na Universidade Federal do Maranhão, totalizando de acordo com Medeiros, (2006) 275 dentes incluindo exemplares completos e fragmentários. Alguns deles foram atribuídos ao gênero Spinosaurus, sendo que as bases de comparações foram descrições de materiais originais do gênero, inclusive de Stromer. Isso poderia indicar a possível presença do gênero no Brasil.
Além destes fósseis, outros fragmentos e dentes foram descritos ou mencionados, originados de diversas partes da África. No entanto tais fósseis são demasiadamente inconclusivos para poder com segurança atribuí-los a uma espécie já definida de Spinosaurus e muito menos para cunhar uma nova. A título de curiosidade, a classificação do Espinossauro é a seguinte: Animalia > Chordata > Reptilia > Dinosauria > Saurischia > Theropoda > Megalosauroidea > Spinosauridae > Spinosaurinae > Spinosaurus.
Vale mencionar aqui que Ibrahim et. al. (2014) consideram a espécie Spinosaurus aegyptiacus como a única válida, sendo S. maroccanus considerado nomen dubium. Também atribuem caráter de sinônimo júnior de Spinosaurus ao dinossauro Sigilmassasaurus brevicollis.
Esses fósseis forneceram aos paleontólogos informações suficientes sobre o animal para montar uma reconstrução razoável do bicho. Desde a descoberta em 1912, as vértebras dorsais chamaram mais atenção, pois eram diferentes das dos outros terópodes. As longas vértebras com suas espinhas neurais alongadas levaram Stromer a escolher o nome Spinosaurus, vindo do latim, significa "Lagarto Espinho", sendo que as várias vértebras alongadas eram dispostas verticalmente sobre o dorso e recobertas de pele formando uma espécie de "vela" ou "barbatana". Os dentes encontrados, 20 no total, eram lisos, cônicos e não possuíam serras como nos tiranossaurídeos ou carcarodontossaurídeos, além de serem mais finos e arredondados, algo incomum em um dinossauro predador. Os primeiros fósseis não deram uma noção precisa do formato do crânio do animal, por isso as primeiras ilustrações dele o mostravam com um crânio curto similar ao de outros terópodos e assim ele foi reconstruído por muitos anos, até bem recentemente para falar a verdade.
Spinosaurus, ilustração de 1975
© Giovanni Caselli
No geral sempre tivemos uma visão muito especulativa sobre a aparência desse dinossauro, pois a falta de material bem preservado impedia uma reconstrução mais fiel. Estranhamente, mesmo sem conhecer os braços desse dinossauro e antes da descoberta do Barionix, textos já afirmavam que ele possuía braços fortes e poderia andar em posição quadrúpede. 
Depois que novos espinossaurídeos foram encontrados e alguns fósseis adicionais do próprio Espinossauro surgiram, nossa visão sobre seu crânio mudou. Passamos a vê-lo com um crânio alongado similar ao de um crocodilo. Até agora acreditávamos que sua estrutura corporal deveria ser similar à de outros terópodos, com a diferença do crânio alongado e vela dorsal. Sempre foi retratado com pernas longas adaptadas para caminhar em terra firme, braços longos para segurar as presas, fossem dinossauros ou peixes. Imaginávamos o Espinossauro andando em terra firme a maior parte do tempo e de vez em quando parado à beira de um lago ou rio, ou mesmo com as pernas na água rasa, procurando peixes descuidados. 
Spinosaurus: reconstrução tradicional
© Damir G. Martin
Spinosaurus pescando
© Todd Marshall
Não preciso nem lembrar que muito do que o público leigo e até os fascinados por paleontologia entendiam como um Espinossauro deriva da reconstrução feita pela Universal Studios para o filme Jurassic Park 3 (2001). Um dinossauro enorme, robusto e feroz, ágil, capaz de nadar e predar em terra, até mesmo a ponto de matar um Tiranossauro (veja mais sobre isso mais ao fim do artigo).

Porém esse novo estudo publicado no último dia 11 de setembro por Ibrahim e colegas acabou virando de cabeça para baixo nossos conceitos sobre este predador, fazendo com que sua aparência seja reproduzida de agora em diante de forma muito diferente, como você deve ter notado na imagem do começo do post. O novo conceito para o Espinossauro é de um terópode longo, de membros curtos e atarracados, corpo comprido e focinho esguio, adaptado à vida aquática e à predação de peixes, além de sugerir uma postura quadrúpede quando em terra firme.
Spinosaurus com a nova postura em terra
© Luis V. Rey
O novo esqueleto parcial do Espinossauro encontrado traz ossos que jamais haviam sido encontrados antes, dos membros! As pernas desse dino enigmático nunca tinham sido encontradas, nem seus pés, por isso não sabíamos qual o comprimento delas e a tendência era retratá-lo com base no Barionix, Suchomimus entre outros animais mais completos.
Mas em vez de irmos direto às pernas, vamos começar analisando a cabeça dele, afinal, é uma área bem distintiva entre os dinossauros deste grupo. O crânio, como indicado por UCPC - 2, possuía uma crista fina entre os olhos bem no meio do crânio. O focinho, como se nota em MSNM V4047 apresenta um diástema, uma espécie de abertura ou concavidade próximo à ponta da boca, sendo que na frente havia 6 a 7 dentes de cada lado, e depois dessa concavidade haviam em média 12 dentes, sendo que o segundo e terceiro dentes de cada lado eram especialmente grandes. Esse tipo de dentição levou os pesquisadores a imaginar que em vez de matar presas grandes ele comesse peixes, assim não necessitando de dentes serrilhados para rasgar carne. Esses dentes pertenciam à mandíbula também diferenciada, fina, estreita nas laterais e alongada, deixando o Spinosaurus com cara de crocodilo, mais uma característica indicando hábitos piscívoros.
Reconstrução de Ibrahim et. al.: em azul a parte conhecida
© Davide Bonadonna
O crânio MSNM V4047 do Museu de Milão é parcial e tem 98 centímetros, porém as estimativas de seu comprimento total chegam a 1,75 metros com base da parte posterior de crânios já conhecidos de outros espinossaurídeos, especialmente Irritator. No entanto alguns pesquisadores alertam que essa medida pode não ser exata devido à variação de forma entre crânios de diferentes espécies de espinossaurídeos, embora ainda seja a medida mais correta disponível. O crânio apresenta as narinas em posição elevada, próximas dos olhos, o que facilitaria a respiração quando sua cabeça estivesse na água em busca de alimentos.
© Davide Bonadonna
Outro fato intrigante é que nesse fóssil há uma vértebra de peixe presa num dos alvéolos, entre um dente e a parede do alvéolo (orifícios onde se fixam os dentes) que no trabalho os autores identificam como sendo do gênero Onchopristis, um tipo de peixe serra abundante nas mesmas rochas de onde vem o Spinosaurus.
Espinossauro tradicional captura Onchopristis
© Mahamad Haghani
Onchopristis
© BBC
Com o tempo mais e mais estudos indicavam os hábitos aquáticos do Espinossauro, como por exemplo Amiot et. al. (2010) que analisou a quantidade de isótopos de 18O (Oxigiênio 18) no esmalte dentário de vários espinossaurídeos e comparou com a quantia do mesmo isótopo em animais terrestres (mamíferos, dinossauros) e aquáticos (crocodilos, tartarugas) para saber se havia diferenças. Animais que passam muito tempo na água tendem  ter menor quantidade desse isótopo impregnado nos dentes e ossos. O resultado indicou que a maioria dos dentes de espinossaurídeos de fato possuía menor quantia do isótopo, indicando que estes animais passavam muito tempo na água. No entanto os autores na época não podiam observar adaptações anatômicas à vida aquática em nenhum espinossaurídeo, portanto levantaram hipóteses de que estes animais deveriam entrar na água para fazer regulagem de temperatura. 
O estudo de Ibrahim et. al. (2014) acaba de complementar estas evidências com um novo achado que fortalece a ideia de que pelo menos o Spinosaurus era capaz de nadar. No estudo uma nova reconstrução esquelética do dinossauro é proposta com base nos fósseis encontrados em 2013 e em alguns outros já conhecidos, o que permitiu a montagem de um esqueleto bem completo do animal.
A nova reconstrução utilizou fósseis de vários indivíduos de idades e tamanhos diferentes, porém segundo os autores foram feitas correções para compensar as diferenças e manter o resultado proporcionalmente correto.
© Tyler Keillor, Lauren Conroy e Erin Fitzgerald
Como pode observar no esqueleto acima, são vários indivíduos utilizados, escaneados por tomografia computadorizada a fim de produzir modelos digitais em 3 dimensões. Em vermelho estão os ossos do novo esqueleto (neótipo), encontrado em 2013. Em laranja os ossos do espécime de Stromer, em amarelo ossos isolados de Kem Kem, em verde ossos emprestados/baseados em Suchomimus, Baryonyx, Irritator e Ichthyovenator. Finalmente, em azul o ossos recriados por inferências a partir dos ossos adjacentes. O pequeno ponto vermelho perto da coluna à frente das pernas mostra o centro de massa (ponto de equilíbrio).

Estudos com tomografia computadorizada revelaram espaços no crânio do Espinossauro que possivelmente abrigariam órgãos sensíveis à pressão, similares aos vistos em crocodilos modernos, usados para sentir presas debaixo da água sem mesmo vê-las. As narinas situadas mais próximas dos olhos indicam que frequentemente mantinha a cabeça na água. 
Funcionamento do órgãos sensoriais
© Davide Bonadonna
Em laranja os canais da rede neurovascular
© Ibrahim et. al. (2014)
Segundo Ibrahim e colegas, as vértebras em sua maioria tem seu centro alongado, o que contribui para um corpo mais comprido, facilitando assim a mobilidade do pescoço e torso, principalmente em sentido vertical. Isso proporciona melhor movimento para captura de presas debaixo da água. Curiosamente, as vértebras da base da cauda seriam mais curtas com arcos neurais reduzidos, por sua vez facilitando a movimentação lateral da cauda, que deveria ser usada para impulsionar o animal durante a natação.
Ainda análises dos membros dianteiros indicaram a capacidade muscular elevada, adaptada para realizar flexões e extensões poderosas, além da mão se mostrar mais longa que em espinossaurídeos mais antigos.
Os membros traseiros se mostraram muito mais curtos que o normal para dinossauros bípedes, embora os espinossaurídeos sejam conhecidos por apresentar membros traseiros mais curtos, o que foi observado nesse caso é bem mais extremo do que o esperado. E é aqui que a comunidade virtual interessada em paleontologia, incluindo paleontólogos, paleoartistas e leigos ficaram estupefatos e intrigados, pois jamais um terópode foi reconstruído com proporções tão dramáticas, que em si indicam quadrupedalismo obrigatório em terra.
O paleoartista Scott Hartman, especializado em reconstruir esqueletos fósseis que publica em seu site, Skeletal Drawing, publicou um artigo falando sobre  nova descoberta aqui. Ele escreve comentando que embora o estudo seja muito bem feito, e na maior parte traz ótimas informações sobre a espécie, houve erro na ilustração e reconstrução do esqueleto, sendo que baseado nas medidas do quadril relacionadas às vértebras, cujas medidas são dadas pelos autores, o esqueleto deveria ter pernas pelo menos 27% maiores do que retratado. Ele mesmo editou o esqueleto fornecido de forma rápida para demonstrar como essa diferença mudaria tanto o centro de massa quanto parte da ecologia do animal. Na imagem abaixo você confere acima o esqueleto como originalmente publicado pelos autores do estudo e abaixo a correção feita por Hartman. As linhas foram adicionadas por mim para facilitar a visualização das diferenças.
Esqueleto corrigido por S. Hartman
© Ibrahim et. al. (2014)/ modificado por Hatman

De qualquer forma o fato de que as evidências realmente apontam para um animal aquático e piscívoro são muito fortes, somente o quadrupedalismo obrigatório, na opinião de Hartman, deveria ser revisto. Se a proporção dos membros estiver incorreta ele ressalta, o erro causaria erros de interpretação em toda a ecologia do animal. Precisamos agora é esperar mais análises para saber se realmente as proporções apresentadas são as mais corretas ou merecem revisão.
Os autores indicam que os membros apresentam proporções que lembram cetáceos primitivos (baleias) e mamíferos semi-aquáticos atuais, que usam as pernas para gerar propulsão na água.
Hábitos aquáticos: note as membranas interdigitais
© Davide Bonadonna
Análises dos pés que apresentam estrutura mais plana, inclusive nas garras, sugerem que o pé poderia ser adaptado para pisar em substrato mole no fundo da água, não permitindo que o animal se atolasse ou ainda que possivelmente poderia suportar uma membrana interdigital (vide imagem acima) para melhor empurrar a água durante a movimentação.
Ossos de mamíferos atuais que estão em processo de transição de habitats terrestres para aquáticos tendem a apresentar maior densidade, menor ou quase nenhum espaço interno para medula, a fim de produzir melhor controle do corpo na água, que afunda com mais facilidade, mantendo o animal estável sob a água quando mergulha, como é o caso dos Hipopótamos. De forma muito similar os ossos do Spinosaurus apresentam a mesma característica, praticamente nenhum espaço medular nos espinhos neurais e ossos longos como fêmur, o que proporciona um aumento de 30% a 40% na densidade do animal se comparado com os demais terópodes. Observe abaixo os cortes transversais do fêmur direito de Spinosaurus e do fêmur direito de Suchomimus, enquanto que o Espinossauro apresenta osso denso praticamente maciço, Suchomimus apresenta osso oco com grande canal medular (área preta no dentro do osso).
Fêmur de Spinosaurus (A) e Suchomimus (B)
© Ibrahim et. al. (2014)

Densidade óssea de Spinosaurus
© Ibrahim et. al. (2014)
O cálculo do centro de massa do animal sugere que ele não seria capaz de caminhar de forma bípede em terra, portanto os autores sugerem hábitos de quadrúpedes fora da água, não deixando de lembrar que o centro de massa posicionado mais à frente, como calculado, tenderia a auxiliar no equilíbrio natatório do animal.
Nadando
© Davide Bonadonna

Por último, os autores ainda tratam da questão da vela dorsal, que segundo eles era coberta apenas com um camada justa de pele e não com músculos ou gordura como sugerido. Embora já tenha-se cogitado que a vela serviria para diversas funções incluindo regulação da temperatura, Ibrahim et. al (2014) afirmam que baseando-se em comparações feitas com uma espécie de camaleão atual (Trioceros cristatus) e marcas de estrias nos ossos e no fato que as espinhas são extremamente densas e pouco vascularizadas, não seriam efetivas para realizar controle de temperatura, sendo principalmente uma estrutura visual para display, que durante o nado ficaria visível acima da superfície da água.

Basicamente o Spinosaurus foi o mais longo terrestre já registrado, com seus aproximados 18 metros de comprimento era maior que o afamado rei dos dinossauros, o Tiranossauro rex e também maior que o Carcharodontosaurus saharicus e Giganotosaurus carolinii. Em seu estudo, Dal Sasso et. al. (2005) comparou o tamanho do Espinossauro com o do Suchomimus, usando-o como modelo para estimar o tamanho total do corpo do S. aegytiacus e sua estimativa chegou a 18 metros de comprimento e 7 a 9 toneladas, por isso muitos questionam tais medidas.

Por outro lado, em 2007 François Therrien e Donald Henderson recalcularam as medidas do dino, diminuindo seu comprimento para 12 a 14 metros e seu peso sendo, por sua vez, aumentado, para 12 a 20 toneladas. Mas devido terem usado tiranossaurídeos e outros carnossauros como base para seu estudo, muita credibilidade foi perdida, pois tais dinossauros tem proporções diferentes de espinossaurídeos.
Por fim, Ibrahim et. al. (2014) afirmam apenas que o esqueleto completo montado durante a pesquisa após impresso a partir dos modelos em 3D passaria dos 15 metros de comprimento, embora não explicitem valores exatos.
Comparação entre maiores terópodes 
© Davide Bonadonna/ Matt Martyniuk
O Espinossauro Conviveu com grandes saurópodes como Paralititan e Aegyptosaurus e também com o Carcharodontosaurus, outro enorme predador do cretáceo superior. Deltadromeus e Bahariasaurus, que podem inclusive ser sinônimos, também viviam no mesmo ambiente, assim como o crocodilo Stomatosuchus e o Celacanto Mawsonia, além é claro do peixe serra Onchopristis prováveis presas do terópode. Nas mesmas rochas onde o novo esqueleto foi achado já foram coletados Rebbachisaurus, um tipo de abelissaurídeo e o já citado Deltadromeus. Onde hoje é o Egito, seria uma área costeira no Cenomaniano, com manguezais onde o Espinossauro poderia pescar, com entre-marés alagando a região.

Além da vértebra de peixe serra presa no crânio como já mencionado, não há evidência direta de que presas o Espinossauro comia, mas imagina-se que tal espécie fosse muito oportunista, variando a dieta conforme a disponibilidade de tipos alimentares. A nova pesquisa de Ibrahim et. al. (2014) sugere dieta predominantemente piscívora, no entanto não creio que havendo uma carcaça de dinossauro em seu caminho, o Spinosaurus deixaria de aproveitar. Dentes de espinossaurídeos foram achados em pterossauros aqui no Brasil, porém os espinossaurídeos brasileiros não parecem ter as mesmas proporções extremas e seriam mais ágeis em terra firme. Na Inglaterra foram achados restos de peixes (escamas parcialmente digeridas) e ossos de Iguanodon no estômago do Barionix, o que indica que espinossaurídeos deveriam comer um pouco de tudo.

É intrigante pensar que após mais de um século finalmente temos uma melhor visão da estrutura anatômica desse dinossauro e que mesmo antes de termos fósseis mais completos como agora já se supunha a postura quadrúpede.
O Espinossauro geralmente é retratado como sendo bípede, porém na década de 1970 era comumente mostrado apoiado em todas as quatro patas, o que foi supostamente apoiado pela descoberta dos fósseis do Baryonyx, que tinha braços mais reforçados. No entanto, as mãos dos Terópodes não podiam ser apoiadas viradas para trás, pois as palmas ficavam viradas em direção uma da outra. O novo estudo indica essa postura quadrúpede embora não apresente evidências em relação aos braços serem adaptados a tal função, nem explica direito o modo como a mão seria apoiada no solo. As ilustrações e modelos digitais produzidos para divulgação da descoberta no entanto mostram o animal apoiado estranhamente nas "costas" da mão, de modo similar ao que os Gorilas fazem.
Spinosaurus em pose quadrúpede anterior ao estudo
© TopGon

O Espinossauro há muito tempo vem sendo estudado e recentemente classificado como um dos maiores terópodes, mas isso só veio a público quando foi retratado em Jurassic Park 3 (2001) com 18 metros de comprimento. No longa o Espinossauro vence uma luta contra o T.rex, tido por muitos como rei dos dinossauros, o que fez com que o "Rex" ganhasse um rival na popularidade. 
No entanto, precisamos lembrar que apesar de maior, a maioria das especulações diz que seria improvável que o Espinossauro viesse a ganhar a luta da maneira mostrada no filme, afinal, suas mandíbulas mais finas não teriam força para segurar um T.rex. A situação fica pior ainda agora que o Espinossauro passa a ser retratado como um dinossauro aquático de pernas curtas que mal consegue se manter ereto em terra firme. Na verdade estes dois dinos nunca se encontraram, viviam em locais e tempos diferentes.
Espinossauro de Jurassic Park 3
© Universal Pictures

Também aparece frequentemente em livros e miniaturas colecionáveis, como action figures, revistas de coleção, desenhos animados como Dinossauro Rei, Dinosaur Train entre outros meios de mídia. O documentário "Criaturas Titânicas" mostrou um episódio sobre o Espinossauro, mas muitos erros foram cometidos. Confira mais sobre este documentário clicando aqui.
Spinosaurus de Criaturas Titânicas
© Discovery Channel

Ainda temos muito a aprender sobre o Espinossauro e as descobertas que o futuro nos reserva são imprevisíveis. Como esse novo achado nos mostra, na paleontologia muita coisa pode mudar de um dia para outro. Parece que a partir de agora, imagens como esta abaixo devem se tornar mais e mais raras.
© Sérgio Pérez


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