sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Pesquisadores identificam origem da disseminação do vírus HIV

Linhagem do vírus da Aids teria emergido na República Democrática do Congo na década de 1920
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 23:59 2 de outubro de 2014
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© MICROBE WORLD/FLICKR
Linhagem HIV-1 grupo M, responsável pela maioria das infecções, desencadeou a pandemia de Aids que conhecemos hoje a partir de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo
Linhagem HIV-1 grupo M do vírus da Aids, responsável pela maioria das infecções, desencadeou a pandemia que conhecemos hoje a partir de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, África.

Cerca de 30 anos após a identificação do HIV-1, vírus causador da Aids e responsável pela infecção de aproximadamente 75 milhões de pessoas no mundo, um grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e da Universidade Católica da Louvain, na Bélgica, parecem ter identificado a região que deu início à pandemia que conhecemos hoje. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 3, na revista Science, eles sugerem que a disseminação global da linhagem pandêmica, conhecida como HIV-1 grupo M, teria começado por volta de 1920, em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), na África. Segundo eles, a combinação de uma série de fatores teria favorecido a disseminação do vírus para outras cidades da região da África Central antes de 1960 e, nos anos seguintes, para o resto do mundo.
Ao todo, há registros de que o vírus HIV tenha sido transmitido de primatas para seres humanos pelo menos 13 vezes.

Contudo, apenas um destes eventos, o que deu origem à linhagem HIV-1 grupo M — responsável pela maioria das infecções —, desencadeou a pandemia que conhecemos hoje. No estudo, os pesquisadores reconstruíram justamente a história genética dessa linhagem do HIV. Para isso, recuperaram as origens e os padrões de dispersão do vírus, combinando informações genéticas, geográficas e temporais, o que lhes permitiu traçar a história genética das linhagens ancestrais do HIV-1 até suas origens.
Inicialmente, os pesquisadores analisaram amostras de sequências genéticas isoladas entre 1985 e 2010 de pessoas infectadas em todos os países da África Central. Por meio de métodos filogeográficos eles, então, reconstruíram a genealogia do vírus no espaço e no tempo.

As análises apontaram para a RDC como sendo o país onde o HIV-1 grupo M teria emergido em populações de seres humanos. Com estes dados em mãos, o grupo passou a analisar as sequências genéticas dessa linhagem do HIV-1 provenientes de várias regiões deste país, incluindo também sequências genéticas da República do Congo, país vizinho e com uma vasta diversidade de HIV-1 — o HIV-1 grupo M possui vários subtipos, listados das letras A à K.

Os pesquisadores, então, concluíram que essa linhagem do HIV-1 emergiu em Kinshasa, capital do RDC. “Ao que tudo indica, o vírus disseminou-se de Kinshasa para o resto do país, sobretudo para a região mineira de Catanga, ao sul da RDC, e, em meados de 1937, para Brazzaville, capital da República do Congo, localizada a 6 quilômetros de Kinshasa, do outro lado do rio do Congo”, explica o biomédico português Nuno Faria, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford e primeiro autor do estudo.

A rápida disseminação do vírus teria sido favorecida, segundo ele, pela ampliação da rede de transportes ferroviários e fluviais, uma das mais ativas da região, e que conectava o sul da RDC às fronteiras com a Zâmbia e Tanzânia, e a região norte com Uganda, Ruanda e Burundi.  “O corredor de cobre atraía grandes quantidades de mineiros dos países vizinhos à RDC, os quais eram empregados temporariamente nas minas de Catanga e depois voltavam para os seus países de origem, muitos deles, provavelmente, infectados” explica Faria. “Nosso estudo foi o primeiro a testar estatisticamente as várias hipóteses sobre a localidade geográfica onde o HIV-1 grupo M teria emergido em populações humanas”, sintetiza Faria. “Também mostramos pela primeira vez que foram fatores sociais — e não biológicos, como se pensava até então — que impulsionaram o crescimento da pandemia de HIV que conhecemos hoje.”

Outros fatores também podem ter favorecido a disseminação do vírus, segundo o pesquisador. As mudanças nos padrões sexuais na RDC por volta dos anos de 1960 é uma delas. “Após a independência da RDC, em junho 1960, houve uma ampliação do comércio sexual no país”, explica Faria. Além disso, as campanhas de vacinação contra doenças tropicais podem igualmente ter contribuído para o aumento das infecções por via intravenosa.” Também em 1960, de acordo com o pesquisador, o HIV-1 grupo M começou a deixar de ser uma epidemia e entrar em um estágio de pandêmica. Mas foi apenas em 1981 que os primeiros casos foram detectados e, em 1983, o vírus HIV-1 foi isolado e caracterizado.

Artigo científico

FARIA, N. R. et al. The early spread and epidemic ignition of HIV-1 in human population. Science. v. 346, n. 6205, p. 56-61. out. 2014.

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