quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A importância da percepção sistêmica no debate da sustentabilidade e das mudanças climáticas


A importância da percepção sistêmica no debate da sustentabilidade e das mudanças climáticas
A teoria dos sistemas introduz um dos conceitos mais poderosos e úteis quando se discute sustentabilidade na prática. Um sistema é o conjunto de partes que interagem entre si para produzir produtos que são mais do que a soma das partes sozinhas. Este entendimento das conexões entre como as partes interagem entre si é fundamental na teoria dos sistemas.

Uma árvore é um sistema de folhas e galhos, sementes, raízes, tronco, frutas, que juntos interagem em formas que, através da fotossíntese e outros processos de interação, geram produtos muito maiores que qualquer componente sozinho pode gerar. A árvore em si também faz parte de um sistema maior, como uma floresta ou ecossistema.

Um bairro é um sistema de construções e ruas e calçadas, assim como de vizinhos, inimigos, amigos, padrões comunitários durante a semana e feiras de ruas. É um sistema contendo fofocas e informação, aprendizagem e resultados eleitorais. Um bairro é também parte de um sistema maior de cidade, regiões e nações. O seu corpo é um sistema.
Note que qualquer um desses exemplos possuem quatro elementos.
1.Conjunto de partes;
2.Conjunto de conexões ou interações entre as partes;
3.Uma função ou um propósito que essas conexões geram;
4.Uma fronteira, de acordo com a nossa habilidade de entender e discutir um sistema.
Cada um desses componentes de um sistema – partes, conexões, funções, fronteiras – é mais difícil de entender do que o anterior.

A árvore também pode ser entendida como um sistema, a qual faz parte de um outro sistema maior, a floresta (Foto: Reprodução)
A árvore também pode ser entendida como um sistema, a qual faz parte de um outro sistema maior, a floresta (Foto: Reprodução)
Partes são mais fáceis de serem identificadas. Por exemplo, nós conhecemos os pulmões, nós conhecemos o fígado, mas pode ser difícil entender a conexão entre eles. Nós podemos ver o edifício de um banco, nós podemos ver uma fábrica, mas pode ser difícil entender como o empréstimo entre o banco e a fábrica funciona.
E finalmente, em um mundo de economia globalizada, pode ser ainda mais difícil entender como é delimitado o empréstimo entre o banco e a fábrica em um mundo de créditos globais e taxas de juros. Então, cada um desses é um pouco difícil de entender do que o anterior, mas também um pouco mais importante. E o que queremos dizer com isso?
Nosso corpo troca a maioria de suas células em poucas semanas, e mesmo assim nos reconhecemos como nossos próprios corpos. Então a lição que tiramos é que as conexões e as funções realmente definem a identidade do sistema muito mais do que as partes, as quais são bem mais fáceis de serem enxergadas, mas, no fim das contas, acabam sendo menos importantes.
Conexões podem ser físicas, como o fluxo de água para dentro ou fora de um reservatório, mas também podem ser não físicas ou digitais. Elas podem ser também sobre informações que fluem através das mídias sociais, por exemplo. Por isso, algumas vezes, podem ser mais difíceis de serem enxergadas do que se imagina.
Um dos maiores insights na teoria dos sistemas é a dinâmica de estoques e fluxos, na operação de um sistema.
Teoria dos sistemas, com fluxos de entrada e saída (Inputs/Outputs), estoque (stock), feedback e fronteira (Foto: Reprodução)
Teoria dos sistemas, com fluxos de entrada e saída (Inputs/Outputs), estoque (stock), feedback e fronteira (Foto: Reprodução).

Um estoque é um inventário ou um suprimento, ou a acumulação de uma parte do sistema. Um exemplo de estoque é o armazenamento de água dentro de um reservatório. Um estoque também pode ser mais digital do que físico, como a memória gravada em um servidor, ou até mesmo o estado de atenção enquanto lê esse singelo, mas interessante, texto.

Um fluxo é a adição ou subtração de um estoque. Um exemplo é a liberação de água em um reservatório. Fluxos podem ser demográficos, como migrações, taxas de natalidade e mortalidade, ou econômicos, como depósitos e retiradas de um uma conta corrente. Podem também serem químicos, como as emissões de CO2 que fluem das termelétricas para a atmosfera, e o CO2 sequestrado fluindo da atmosfera para dentro das florestas, através da fotossíntese.

O exemplo mais conhecido para se explicar estoques e fluxos é o de uma banheira. Simples de entender e familiar a todos nós. O fluxo de entrada é a água que sai da torneira. O estoque no caso é a quantidade de água na banheira, que aumenta e diminui, sendo o dreno o fluxo de saída.
Este exemplo é o mais utilizado para representar as concentrações de carbono na atmosfera e seu fluxo, bem como as fontes de entrada e o que faz com que ele seja retirado da atmosfera. É importante notar que, ao pensar em estoques e fluxos como formas de descrever sistemas, existem outras formas de aumentar o estoque dentro do sistema além de aumentar o fluxo de entrada. Ao diminuir o fluxo de saída o mesmo efeito ocorre.
Exemplo da banheira para demonstrar a relação entre estoque e fluxo de entrada e saída (Foto: Elemental)
Exemplo da banheira para demonstrar a relação entre estoque e fluxo de entrada e saída (Foto: Elemental)
Da mesma forma, pensando na questão da concentração de CO2 na atmosfera, ao diminuir o fluxo de saída do sistema, como ocorre com os desmatamentos das florestas tropicais no Brasil, ocorrerá o mesmo efeito que aumentar o fluxo na qual o carbono entra no sistema, ou seja, através da queima de combustíveis fósseis.
Percebemos então que as mudanças climáticas representa um problema de estoque dos gases do efeito estufa na atmosfera, principalmente do CO2, e não apenas de fluxo.

Com isso em mente, existem duas conclusões importante de serem retiradas sobre dinâmica de sistemas, do comportamento de sistemas, devido a forma como estoques e fluxos funcionam.
Primeiramente, estoques tipicamente mudam de forma devagar, especialmente em comparação aos fluxos. Uma torneira completamente aberta, por exemplo, não enche uma banheira instantaneamente. Isto leva tempo. Da mesma forma que um dreno não consegue esvaziar totalmente a banheira instantaneamente.
Esse intervalo de tempo que é necessário para que o efeito possa ocorrer, geralmente levam as pessoas a frequentemente subestimar o tempo que levará para que a mudança ocorra. Elas estão prestando mais atenção à rápida taxa na qual os fluxos estão variando e menos à inércia do estoque. Os teóricos de sistemas sabem esperar, não desistir tão facilmente e antecipar o efeito tampão do intervalo de tempo que os estoques conseguem gerar.

Se levarmos esta conclusão à questão das mudanças climáticas, percebemos que mesmo se pararmos totalmente com nossas emissões, mesmo assim, nós iremos observar aumentos na temperatura média global do planeta, devido à concentração presente na atmosfera.
É necessário, não apenas reduzir drasticamente nossas emissões, mas também nosso desmatamento, para que possamos frear os efeitos das mudanças climáticas (Foto: envolverde)
É necessário, não apenas reduzir drasticamente nossas emissões, mas também nosso desmatamento, para que possamos frear os efeitos das mudanças climáticas (Foto: envolverde).

Em segundo lugar, estoques desassociam fluxos de entrada e saída por curtos espaços de tempo. Para ilustrar isso, vamos fazer uma comparação entre a forma como a indústria da gasolina opera com a forma que a indústria da eletricidade opera. A grade elétrica é algo sensacional, em sua habilidade de, instantaneamente, balancear a produção de eletricidade com o seu consumo. Eletricidade deve ser consumida o mais rápido possível depois de produzida.

Isto cria um enorme desafio para uma grade que conecta a geração de eletricidade de uma variedade de fontes, a transmissão por grandes distâncias, e os consumidores daquela eletricidade. A grade necessita constante e instantaneamente equalizar a necessidade dos consumidores com produção dos geradores. É realmente incrível e por isso é um sistema com pouco ou nenhum estoque nele. É tudo em relação à fluxos.
Agora, considere a gasolina. Se a gasolina precisa ser refinada e entregue instantaneamente, com as pessoas dirigindo às vezes mais e outras vezes menos, de acordo com o mercado, seria impossível, sob nossa atual indústria de gasolina, fazer a conexão entre necessidade e produção. O sistema certamente colapsaria.  Porém, o sistema opera, pois no meio existe um estoque. Ou seja, tanques de armazenamento.
Esses tanques de armazenamento então permitem a separação entre produção e consumo, enquanto que o estoque de gasolina aumenta e diminui. Desta forma, é possível operar independentemente um do outro, dando tempo para que o inventário aumente e diminua. É um mecanismo simples, porém engenhoso, que permite ao sistema permanecer em equilíbrio.
Na grade elétrica, não há armazenamento de estoque. Diferente do que ocorre na indústria da gasolina (Foto: Reprodução)
Na grade elétrica, não há armazenamento de estoque. Diferente do que ocorre na indústria da gasolina (Foto: Reprodução)

O último tópico importante para a compreensão da percepção sistêmica é a noção de feedback. Feedback pode ser compreendido como a forma que o sistema gerencia a si mesmo. É um loop, uma forma na qual o sistema aprende e se estabiliza. O feedback ocorre quando mudanças no nível do estoque afeta os fluxos de entrada e saída. Um exemplo clássico é um termostato em uma sala.

Você possui uma temperatura interna em uma sala, sendo essa temperatura o estoque nesse caso. Quando esta temperatura começa a crescer no verão, esse termostato envia um sinal ao ar condicionado para que possa refrigerar o local e fazer com que ele volte à temperatura inicialmente programada. O termostato então é um dispositivo de feedback, e o ar refrigerado que sai do aparelho é o fluxo.
Outro exemplo pode ser retirado das mudanças climáticas. O metano é um poderoso gás do efeito estufa, e o permafrost (gelo permanente), localizado abaixo do gelo ártico, armazena grandes quantidades de metano. Com o aumento das temperaturas globais e o derretimento do gelo ártico, o permafrost que estava escondido acaba liberando mais metano para a atmosfera. Este metano então aumenta a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, retendo mais energia solar, e consequentemente, a temperatura global, o que acaba liberando mais metano.

Porém, o processo não acaba por aí. Com o derretimento do gelo ártico, que por ser branco reflete grande quantidade de energia vindo do sol, mais permafrost é exposto, e por ser mais escuro, absorve mais energia ainda, acelerando ainda mais o processo de derretimento do gelo e aumento da temperatura global com o aumento das concentrações de gases do efeito estufa.

Os loops de feedback são talvez o mais importante e útil insight da teoria dos sistemas. Eles ajudam contabilizar o quanto um sistema é resiliente ou frágil, dependendo da funcionalidade do feedback. Eles nos explicam como um sistema consegue gerir a si mesmo, estabilizar, e lidar com novas condições emergentes e padrões na qual nós talvez nunca sejamos capazes de prever.

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