sexta-feira, 22 de maio de 2015

Primeiro terópode jurássico herbívoro

Espécie que se alimentava de plantas é descoberta em fase inicial da evolução desse grupo. O achado, tema da coluna de Alexander Kellner, demonstra que os hábitos alimentares desses dinossauros predominantemente carnívoros eram bem mais complexos do que se supunha. 
 
Por: Alexander Kellner
Publicado em 20/05/2015 | Atualizado em 20/05/2015
Primeiro terópode jurássico herbívoro
Representação artística do ‘Chilesaurus diegosuarezi’, o mais antigo terópode herbívoro descrito por pesquisadores. (ilustração: Gabriel Lío) 
 
De forma supersimplificada, os dinossauros, que eram répteis terrestres, tinham dois hábitos alimentares bem distintos: ou se alimentavam de plantas ou então de outras presas, incluindo também répteis menores, até mesmo outros dinossauros.

Os herbívoros eram os predominantes, algo já esperado, uma vez que hoje em dia também as espécies herbívoras dominam os ambientes terrestres. Já os carnívoros eram menos diversificados e todos classificados em um grupo denominado Theropoda. E os terópodes, como o Tyrannosaurus rex e o Santanaraptor, passaram a ser vistos por todos como sinônimo de predadores.
Terópodes, como o Tyrannosaurus rex e o Santanaraptor, passaram a ser vistos por todos como sinônimo de predadores
No entanto, já há algum tempo ficou claro para os cientistas que alguns desses terópodes não tinham outros animais em seu cardápio, mas sim plantas. Essas espécies provêm de depósitos do Cretáceo, particularmente do Cretáceo Superior (entre 90 e 70 milhões de anos atrás), o que sugere que a herbivoria desenvolvida por algumas formas era uma especialização que teria ocorrido bem tarde na evolução dos terópodes.
Mas agora Fernando Novas (Museo Argentino de Ciencias Naturales B. Rivadavia, Buenos Aires) e colegas acabam de publicar na Nature a descrição do primeiro dinossauro terópode herbívoro do Jurássico (entre 200 milhões e 145 milhões de anos atrás), mostrando que a história evolutiva dos hábitos alimentares dos dinossauros é bem mais complexa do que se supunha até então.

A descoberta

O nome do novo terópode herbívoro é Chilesaurus diegosuarezi. Trata-se de uma referência ao país de onde procede esse dinossauro e uma homenagem a Diego Suarezi, que, aos 7 anos de idade, encontrou os primeiros ossos do animal na região de Aysén, sul do Chile. Essa área, onde afloram as rochas da Formação Toqui, de idade jurássica, já era conhecida dos pesquisadores pelos restos de dinossauros e alguns ossos de crocodilomorfos.
Esqueleto de Chilesaurus diegosuarez
A descoberta e preparação de um esqueleto mais completo de ‘Chilesaurus diegosuarez’ permitiu aos pesquisadores fazer a descrição da nova espécie. (imagem: Novas et al/ Nature)
Ao todo foram contabilizados pelos cientistas restos de pelo menos cinco indivíduos de C. diegosuarezi, que representam animais jovens e adultos, cujo tamanho varia de 1,2 a mais de 3 metros. Alguns desses ossos já haviam sido estudados anteriormente, mas, como eram muito incompletos, não apresentavam características suficientes para servir de base para o estabelecimento de uma nova espécie ou para reconhecer a natureza desse animal. Apenas após a descoberta e preparação de um esqueleto mais completo os cientistas obtiveram mais elementos para uma descrição detalhada. E que surpresa eles tiveram...

O mais interessante do esqueleto completo é a parte anterior da cabeça, mais especificamente as arcadas superior e inferior, que são relativamente curtas, mas profundas. Também há o indício da presença de um bico córneo, que é chamado de ranfoteca.

Os dentes, muitos preservados ainda dentro dos alvéolos, são largos e em forma de folha e não possuem as serrilhas típicas dos dinossauros terópodes. Tal fato não deixava dúvidas: aquele material pertencia a um animal que se alimentava de plantas.
Dentes de Chilesaurus diegosuarez
Os dentes de ‘Chilesaurus diegosuarez’ são largos e em forma de folha e não possuem as serrilhas típicas dos dinossauros terópodes, o que indica que o animal se alimentava de plantas. (imagem: Novas et al/ Nature)
Por outro lado, as demais partes do esqueleto apresentavam diversas feições que deixavam claro que aqueles ossos pertenciam a um dinossauro terópode. Essas feições estavam na bacia, pernas e patas. Apesar dessa combinação estranha, Fernando Novas e seus colegas concluíram em sua pesquisa que estavam diante de um terópode herbívoro do Jurássico, o mais antigo com essa adaptação alimentar. Uma descoberta e tanto!

Consequências evolutivas para os dinossauros

Mesmo não tendo sido o primeiro terópode herbívoro a ser descrito, o fato de Chilesaurus ter sido encontrado em depósitos do Jurássico põe por terra a hipótese de que esse grupo de dinossauros desenvolveu a habilidade de se alimentar de plantas apenas nos estágios finais de sua história evolutiva, como se acreditava até então.

Além disso, Chilesaurus representa uma forma muito basal e não diretamente ligada aos demais terópodes herbívoros. Tal fato demonstra que a história evolutiva do hábito alimentar dos dinossauros e dos terópodes em particular é bem mais rica e diversificada do que se supunha. Existe, inclusive, a possibilidade de Chilesaurus representar todo um grupo novo de dinossauros herbívoros originados no Jurássico e que talvez tenha se diversificado antes dos seus parentes que se alimentavam de folhas e surgiram apenas no Cretáceo. Nada que Horácio (personagem criado pelo cartunista Mauricio de Sousa e que representa justamente um terópode carnívoro, mas que insiste em ter uma dieta vegetariana) já não deva saber!

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

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