sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

[Paleontology • 2016]  

Eotrachodon orientalis • A Primitive Hadrosaurid from southeastern North America and the Origin and Early Evolution of ‘Duck-billed’ Dinosaurs

Eotrachodon orientalis 
Prieto-Márquez, Erickson & Ebersole, 2016
ABSTRACT
Eotrachodon orientalis gen. et sp. nov. (latest Santonian of Alabama, southeastern U.S.A.) is one of the oldest and most basal hadrosaurid dinosaurs and the only hadrosaurid from Appalachia (present day eastern North America) with a preserved skull. This taxon possesses a relatively derived narial structure that was until now regarded as synapomorphic for saurolophine (solid-crested or crestless) hadrosaurids. Maximum parsimony analysis places E. orientalis as the sister taxon to Saurolophidae (Saurolophinae + Lambeosaurinae). Character optimization on the phylogeny indicates that the saurolophine-like circumnarial structure evolved by the Santonian following the split between saurolophines and lambeosaurines but prior to the major hadrosaurid radiation. Statistical dispersal-vicariance analysis posits an Appalachian ancestral area for Hadrosauridae and subsequent dispersal of their ancestors into Laramidia (present-day western North America) during the Cenomanian.
Prieto-Márquez, A., G. M. Erickson, and J. A. Ebersole. 2016. A Primitive Hadrosaurid from southeastern North America and the Origin and Early Evolution of ‘Duck-billed’ Dinosaurs. Journal of Vertebrate Paleontology. DOI:  10.1080/02724634.2015.1054495
Research team identifies rare dinosaur from Appalachia 
http://phy.so/372681843 via @physorg_com

[PaleoOrnithology • 2016] 

Chongmingia zhengi • A New Basal Bird from China with implications for Morphological Diversity in Early Birds

Chongmingia zhengi 
Wang, Wang, Wang & Zhou, 2016 
Abstract
The Chinese Lower Cretaceous Jehol Group is the second oldest fossil bird-bearing deposit, only surpassed by Archaeopteryx from the German Upper Jurassic Solnhofen Limestones. Here we report a new bird, Chongmingia zhengi gen. et sp. nov., from the Jehol Biota. Phylogenetic analyses indicate that Chongmingia zhengi is basal to the dominant Mesozoic avian clades Enantiornithes and Ornithuromorpha, and represents a new basal avialan lineage. This new discovery adds to our knowledge regarding the phylogenetic differentiation and morphological diversity in early avian evolution. The furcula of Chongmingia is rigid (reducing its efficiency), consequently requiring more power for flight. However, the elongated forelimb and the large deltopectoral crest on the humerus might indicate that the power was available. The unique combination of features present in this species demonstrates that numerous evolutionary experimentations took place in the early evolution of powered flight. The occurrence of gastroliths further confirms that herbivory was common among basal birds. The Jehol birds faced competition with pterosaurs, and occupied sympatric habitats with non-avian theropods, some of which consumed birds. Thus, avialan herbivory may have reduced ecological competition from carnivorous close relatives and other volant vertebrates early in their evolutionary history.
Systematic paleontology

Aves Linnaeus, 1758 
Chongmingia zhengi gen. et sp. nov.
Etymology: The generic name is from the Mandarin word Chongming, referring to a Chinese mythological bird. The specific epithet is in honour of Mr. Xiaoting Zheng for his generous contribution in the establishment of the Shandong Tianyu Museum of Nature.
Holotype: STM (Shandong Tianyu Museum of Nature) 9-9, a partial skeleton with associated soft tissues and gastroliths, missing the skull and most of the caudal vertebrae (Fig. 1).
Locality and horizon: Dapingfang, Liaoning Province, China; Jiufotang Formation, Early Cretaceous (Aptian).
Figure 1: Photograph and line drawing of the holotype of Chongmingia zhengi gen. et sp. nov. (STM9-9).
Figure 7: Simplified Mesozoic avian cladogram showing the possible phylogenetic positions of Chongmingia zhengi.
Analysis using the coelurosaurian matrix places Chongmingia within basal avialans and as the sister group to Ornithothoraces (p1), and analysis using the Mesozoic avian matrix resolves Chongmingia as the most basal avialan, except for Archaeopteryx (p2).
See Supplementary Figs 2–4 for complete results. (The skeletal drawing and silhouettes were drawn by Min Wang).  doi:  10.1038/srep19700 

Min Wang, Xiaoli Wang, Yan Wang and Zhonghe Zhou. 2016. A New Basal Bird from China with implications for Morphological Diversity in Early Birds.
Scientific Reports. 6: 19700. DOI:  10.1038/srep19700

Indícios mais antigos de um massacre foram encontrados na África

Esqueletos articulados preservam testemunho de ataque a comunidade há 10 mil anos
MARIA GUIMARÃES | Edição Online 14:40 22 de janeiro de 2016
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Revista Pesquisa FAPESP
Podcast: Marta Lahr
00:00 / 14:31

“Tenho ossos para você.” Ao ouvir a tradução do aviso do queniano Pedro Ebeya, que trabalha na busca de fósseis, a bióloga Marta Lahr não imaginava o que veria. “Na superfície havia restos humanos quebrados”, disse ela em entrevista ao podcast da revista Nature, “mas em seguida vi a parte de trás do crânio de uma pessoa emergindo do solo”. Era o primeiro dia de trabalho de campo em 2012 na bacia do Turkana, no Quênia, e a escavação subsequente revelou uma raridade: um esqueleto inteiro, articulado, mostrando que aquele homem foi morto pela pancada na cabeça e ali ficou. Foi o primeiro de 12 esqueletos que se tornaram o mais antigo registro de um massacre, acontecido há 10 mil anos e descrito agora em artigo publicado na Nature de 21 de janeiro.

O cenário era Nataruk, uma área desértica no Quênia onde ossos despontam da areia. Mas há 10 mil anos estava às margens do lago Turkana, um cenário cheio de animais que atraía caçadores-coletores, segundo explica Marta, doutorada em antropologia biológica, que estuda e ensina evolução humana na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. E é argentina, mas cresceu no Brasil, onde cursou a graduação na Universidade de São Paulo – instituição em que chegou a ser professora. A presença de cerâmica que deveria ser usada para armazenar alimentos indica que ali poderia haver povoações humanas mais ou menos sedentárias.
© MARTA MIRAZÓN LAHR
Mulher com fraturas nos joelhos e no pé deve ter morrido amarrada, e foi encontrada cercada por fósseis de peixes
Mulher com fraturas nos joelhos e no pé deve ter morrido amarrada, e foi encontrada cercada por fósseis de peixes.

Entre os 12 esqueletos encontrados, dez tinham sinais inequívocos de violência: pancadas na cabeça, sinais do que parecem ter sido flechadas na cabeça e no pescoço, joelhos, mãos e costelas fraturadas. O homem e a mulher sem ossos partidos estão em posições que indica terem morrido amarrados. Chocante é o caso da mulher com pés e mãos cruzados juntos (sinal de terem estado atados) e, na cavidade abdominal, o esqueleto de um feto em fase final da gestação.

Pontas de flecha em alguns esqueletos, inclusive uma enterrada em um crânio, são o testemunho de uma das armas usadas, com um enigma a mais: pontas feitas de obsidiana, uma rocha que não deveria existir na região naquela época. “O aspecto único de Nataruk é que fornece indícios conclusivos de conflito entre grupos”, explicou Marta. Com base no que viu, ela acredita que os recursos que existiam às margens do lago Turkana eram suficientes para levar à disputa violenta que ela enxerga no achado. Mesmo habituada a atuar como legista em uma cena de crime, a bióloga afirma que nunca tinha sonhado em encontrar os restos de um massacre.
© MARTA MIRAZÓN LAHR
Frances Rivera e Denis Misiko Mukhongo escavam esqueleto de homem com ponta de flecha enterrada no crânio
Frances Rivera e Denis Misiko Mukhongo escavam esqueleto de homem com ponta de flecha enterrada no crânio.

Além dos esqueletos articulados, outros ossos dispersos ajudam a contar uma história. O grupo de Marta encontrou também ossos de 21 adultos, dos quais oito homens, oito mulheres e cinco não identificados, e seis crianças (todas perto de mulheres). Quase todas tinham menos de 6 anos, a não ser um adolescente cujos dentes indicam idade entre 12 e 15 anos, mas com ossos menores do que o esperado. Um cenário rico de detalhes para a imaginação, mas que também suscita perguntas. Como era o povoamento? Todos os habitantes foram mortos? De onde vinha a obsidiana? Marta espera descobrir nos próximos anos.

Artigo científico

LAHR, M. M. et al. Inter-group violence among early Holocene hunter-gatherers of West Turkana, Kenya. Nature, v. 529, n. 7586, p. 394-398, 21 jan 2016.
PLANTAS TÓXICAS - CUIDADO NO CONSUMO!

Altamente tóxica, a Couve do Mato ou Charuto do Rei é facilmente confundida com a variedade comestível

Paisagismo

Essa semelhança entre espécies de plantas é muito comum, , pois na hora de escolher as plantas para ter em casa é preciso pesquisar e conhecer. Muitas espécies se parecem. A Alocasia, por exemplo, é muito semelhante à Taioba, que é consumida na alimentação". Nessa caso em específico, ainda é necessário ficar atento à uma variação: a Taioba Brava, que também é tóxica. Veja como diferenciá-las:

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Na Taioba Brava (à direita) os talos são escuros e a parte de cima do 'coração' termina antes de começar o talo. Já a taioba comestível (à esquerda) possui um tom de verde mais claro, tanto o talo quanto a folha, nervuras claras em Y e lobos que se juntam exatamente onde começa o talo (embora isto também aconteça com outras variedades bravas, mas com talos bem roxos, que é um bom parâmetro para diferenciá-las).


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Alocasia

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Taioba comestível


Embora para um leigo seja difícil diferenciar uma planta da outra, Erly dá uma orientação. "É importante ter atenção especial às plantas de seiva leitosa, pois geralmente, elas são tóxicas". É o caso da famosa Comigo-Ninguém-Pode, cuja má fama já foi amplamente difundida, mas que não deixa de estar presente nos lares. E ela não está sozinha. "A Ripsalis, por exemplo, está sendo muito utilizada em ambientes internos devido à sua alta resistência e ao seu poder escultórico, e é extremamente tóxica", conta Erly. E a lista de ameaças não para por aí, Tirucalis, Tinhorão, Coroa de Cristo, Espirradeira, Copo de Leite e várias outras espécies apresentam riscos à saúde de pessoas e animais e, em alguns casos, podem levar à morte.

Por isso, para quem quer ter planta em casa, é necessário seguir alguns cuidados especiais, como fazer uma pesquisa para conhecer as espécies desejadas, orientar as crianças a não brincarem com folhas, não tomar chás ou remédios caseiros sem orientação, usar luvas e proteger os olhos ao podar e manusear plantas. "Em caso de se optar por uma planta tóxica devido à sua beleza, mantenha-a em local inacessível a crianças e animais", finaliza Erly.

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Por suas folhas abundantes e coloridas, o Tinhorão é muito apreciado nos jardins

Atmosfera líquida

Pesquisa revela detalhes sobre as propriedades das partículas de aerossóis da Amazônia e aponta para impactos causados pela poluição em Manaus. Mudança na composição atmosférica pode alterar a dinâmica de chuvas da região. 
 
Por: Iara Pinheiro
Publicado em 26/01/2016 | Atualizado em 26/01/2016
Atmosfera líquida
Umidade relativa do ar elevada na região amazônica é apontada como um dos motivos por trás da descoberta de que partículas aerossóis são majoritariamente líquidas na área. (foto: BM Explorer/www.bbmexplorer.com) 
 
As primeiras medições sobre o impacto da cidade de Manaus no funcionamento do ecossistema amazônico trouxeram resultados surpreendentes. O experimento, fruto de uma colaboração internacional entre pesquisadores de Brasil, Estados Unidos e outros países constatou que partículas de aerossóis na atmosfera amazônica são constituídas majoritariamente por partículas líquidas, e não sólidas, como esperado. A natureza das partículas auxilia nos processos de formação de gotas de nuvens. Graças à descoberta, será possível fazer previsões mais precisas sobre as chuvas na região. A iniciativa trouxe ainda informações importantes sobre os impactos da urbanização da zona metropolitana de Manaus na atmosfera da floresta amazônica.

Partículas de aerossóis são componentes da atmosfera responsáveis pela formação de nuvens e parte do controle da radiação solar que chega à superfície terrestre. Com base em levantamentos anteriores realizados em florestas boreais, modelos climáticos consideravam que essas partículas eram sólidas na região amazônica. No entanto, o estudo publicado em dezembro na revista Nature Geoscience mostra que o estado físico dos aerossóis na Amazônia é 80% líquido.

Segundo o trabalho, a diferença deve-se a várias razões, entre elas a umidade relativa do ar, bastante elevada na região. Outros fatores que influenciam o estado das partículas são os compostos orgânicos voláteis que as formam. Em florestas boreais, os compostos orgânicos voláteis que formam as partículas são majoritariamente terpenos, enquanto, na Amazônia, as partículas são formadas a partir do isopreno.
Região Metropolitana de Manaus
Estudo comprovou que a poluição resultante do processo de urbanização da Região Metropolitana de Manaus afeta composição atmosférica, com aumento de partículas sólidas.(foto: Ronald Woan/Flickr CC BY 2.0)
A liquidez das partículas interfere diretamente na atmosfera amazônica e é responsável por um funcionamento mais dinâmico se comparado a locais com maior concentração de partículas sólidas, como as florestas boreais da Finlândia. “As reações químicas que acontecem entre uma partícula líquida e a atmosfera são mais eficientes do que em fase sólida. A dissolução dos compostos é mais rápida e, como os componentes são solúveis, são mais eficientes para formar gotas de nuvem”, explica o físico brasileiro Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), que participou do estudo.

Influência da urbanização

O levantamento sobre os aerossóis faz parte do projeto GoAmazon2014/15, voltado à compreensão dos efeitos da urbanização da zona metropolitana de Manaus na atmosfera amazônica. Para avaliar a composição física das partículas, foram realizadas coletas em diferentes pontos do estado do Amazonas: alguns em áreas remotas livres de poluição, entre 50 e 120 quilômetros ao norte de Manaus, outros no município de Manacapuru, área urbana localizada 110 quilômetros a sudoeste da capital. A conclusão foi que a fração de partículas sólidas aumentou quando houve contato com a poluição.
Para avaliar a composição física das partículas, foram realizadas coletas em diferentes pontos do estado do Amazonas. A conclusão foi que a fração de partículas sólidas aumentou quando houve contato com a poluição.
 
Para chegar a este resultado, os especialistas utilizaram um jato de partículas com amostras de aproximadamente 50 a 150 nanômetros (tamanho aproximado de um décimo de um fio de cabelo) e dois detectores regulados de acordo com a umidade relativa do ar na região. Como as partículas líquidas têm maior aderência ao colidir com uma superfície, o estudo comparou as partículas que permaneceram na superfície do primeiro detector e aquelas que ricochetearam e bateram no segundo detector – sendo, portanto, sólidas. “O que medimos foi a razão entre as partículas que ricocheteavam versus as partículas originais [que aderiram ao primeiro detector]. Com isso sabemos qual fração das partículas originais eram efetivamente líquidas”, detalha Artaxo.

A explicação para a diferença de estado físico das partículas aerossóis dentro e fora do ambiente urbano está relacionada aos gases orgânicos envolvidos em sua emissão. “Como as fontes emissoras são distintas, várias propriedades das partículas são alteradas: composição química, tamanho, forma, fase, e, consequentemente, suas propriedades ópticas, isto é, como elas interagem com a radiação solar”, afirma a física Márcia Yamasoe, do Departamento de Ciência Atmosféricas da USP, destacando que a frota veicular movida a diesel é a principal fonte de emissão sólida destas partículas na atmosfera – um dado preocupante, já que o ritmo de urbanização na região amazônica não dá mostras de desaceleração. Se a poluição será grande o suficiente para alterar a formação de nuvens e a dinâmica das as chuvas? Só o tempo dirá.

Iara Pinheiro
Especial para a CH Online

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Pesquisa descobre que os lagartos teiús têm sangue quente

27 de janeiro de 2016


Peter Moon | Agência FAPESP – O teiú é um dos maiores lagartos das Américas. Pode atingir até 2 metros. É também, a partir de agora, o único lagarto de sangue quente conhecido pela ciência. A descoberta da capacidade de regulação térmica nos teiús fornece uma pista importante para o entendimento de como pode ter evoluído a endotermia nos ancestrais dos mamíferos e das aves (e dinossauros).
Esta é a conclusão de um estudo desenvolvido por biólogos brasileiros e canadenses no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, com apoio da FAPESP, publicado no Science Advances.

A pesquisa foi feita inicialmente com quatro indivíduos (dois machos e duas fêmeas) de teiú-gigante ou lagarto teiú (Salvator merianae). Os animais foram mantidos em cativeiro e tiveram a sua temperatura corpórea e sua frequência cardíaca acompanhadas ininterruptamente ao longo de um ano.
Os teiús permanecem entocados, sem comer, num período de dormência de quatro meses no ano, do início de abril até início de setembro, quando emergem da dormência para o início do período reprodutivo.

O registro da variação térmica interna dos teiús mostrou que, durante a dormência, eles sustentam um metabolismo muito baixo à temperatura de 17 graus centígrados, que é a temperatura da toca. Ao emergir da dormência para a fase reprodutiva, a temperatura interna começa a variar ao longo do dia. No fim da noite e de madrugada, ela é de 24 graus. Assim que amanhece, bastam duas horas de exposição aos raios solares para os teiús elevarem sua temperatura para 35 a 37 graus. A partir do fim da tarde a temperatura começa a declinar, e volta ao mínimo de madrugada. Porém, durante este período reprodutivo, a temperatura do corpo dos animais permanecia elevada, vários graus acima da temperatura da toca.
Tais resultados deixaram a equipe surpresa. “Não pode estar certo”, foi a reação dos pesquisadores, recorda o biólogo Denis Andrade, que participou da pesquisa. “Devia ter alguma coisa errada nos equipamentos, porque o bicho é ectotérmico.”

O esperado seria que a temperatura corpórea deles entrasse em equilíbrio com a temperatura ambiente algumas horas após terem se recolhido nas tocas, em todas as estações do ano, como seria o esperado para os répteis em geral. “Essa era a nossa premissa. Os dados foram uma surpresa completa. Era uma mudança de paradigma”, afirma Andrade.
Qual seria a fonte de calor para alterar a temperatura dos bichos? Só havia duas possibilidades, uma fonte de calor externa, solar, ou interna, do metabolismo dos animais.

Calor endógeno

Para corroborar a evidência de que os teiús seriam, afinal, animais de sangue quente, a equipe realizou um novo experimento. Dez animais foram confinados numa câmara climática com temperatura constante e foram monitorados. Naquelas condições, e na ausência da exposição aos raios solares, os animais ainda foram capazes de manter a temperatura corpórea acima da temperatura ambiente.

Como agora não havia fontes externas de calor, esses resultados convenceram a equipe de que o teiú estava de fato produzindo calor endogeneamente, às custas do aumento no metabolismo e do gasto energético.
Em condições naturais, essa produção interna de calor, combinada com a diminuição nas taxas de calor perdido para o ambiente, permitia que os teiús mantivessem uma temperatura corpórea de até 10 graus centígrados acima da temperatura ambiente. Tais estratégias são exatamente as mesmas utilizadas por mamíferos e aves para regular sua temperatura corpórea.

Agora se sabe que, ao menos na época do acasalamento, essa espécie de lagarto é endotérmica, tem sangue quente. Já a origem do calor interno que o bicho gera, a fonte da termogênese nos teiús, ainda é um mistério.

Seria o teiú o primeiro réptil endotérmico, de sangue quente, do qual a ciência tem conhecimento? “Esta é uma pergunta difícil”, diz Andrade. “O teiú usa o metabolismo para regular a temperatura interna durante a época da reprodução. No resto do ano, ele se comporta como um animal ectotérmico. Eu diria que os teiús estão a meio caminho entre a ectotermia e a endotermia.”

A regulação térmica dos teiús pode ser uma adaptação evolutiva independente do gênero Tupinambis, pode existir em alguns gêneros da família Teiidae, ou pode ainda ser exclusiva de algumas famílias da ordem Escamada. Para ter a certeza, é preciso repetir a experiência com várias espécies escamadas de todo o planeta – o que muitos cientistas começarão a fazer de agora em diante motivados pelo resultado desta pesquisa.
Caso se verifique que a regulação térmica é comum aos membros da ordem Escamada, isto poderia significar que a termorregulação dos teiús é uma relíquia evolutiva. Tal adaptação pode ter evoluído há mais de 200 milhões de anos num ancestral comum de todos os escamados.
Metabolismo e reprodução
Qual seria a razão para a evolução da endotermia? Como os teiús apresentam regulação interna de temperatura apenas no período reprodutivo, estaria a evolução da endotermia ligada à evolução do investimento paterno em mamíferos e aves?
Esta teoria foi levantada em 1998 pela bióloga americana Colleen G. Farmer, da Universidade de Utah. “O aumento da atividade metabólica ligado à reprodução foi lançado por Colleen Farmer. Os nossos dados parecem corroborar sua hipótese”, diz Andrade.
Se a endotermia nos teiús só ocorre na época do acasalamento, haveria diferença na regulação térmica entre machos e fêmeas? “Seria de se esperar que o aumento de temperatura fosse pronunciado nas fêmeas, devido à produção de gametas e ao investimento colossal na geração de ovos. Só que não verificamos diferenças entre os sexos. Os machos apresentam a mesma capacidade endotérmica”, afirma Andrade.
Uma possível explicação para isso seria o fato de que a reprodução envolve muitas outras alterações, hormonais, morfológicas e comportamentais que vão além da produção de gametas. Os teiús machos, por exemplo, são muito territorialistas e envolvem-se em disputas de território entre eles quando chega a hora de acasalar, argumenta Andrade.

Em 2015, descobriu-se que os peixes da espécie Lampris guttatus, conhecidos como peixe-lua, peixe-papagaio ou peixe-cravo, mantêm a temperatura interna constante em 15 graus, apesar das águas frias onde vivem (com temperatura média de 5 graus). “Há um monte de vespinhas, mariposas e abelhas, animais tradicionalmente vistos como ectotérmicos, que se utilizam da termogênese para a regulação da temperatura”, afirma Andrade.
Existem ainda os animais mesotérmicos, energicamente intermediários entre os animais de sangue frio e os de sangue quente. Como os mamíferos e as aves, os mesotérmicos geram calor suficiente para manter a temperatura corpórea independente do ambiente onde vivem. Mas, semelhante aos répteis, aos anfíbios e aos peixes, eles não mantêm a temperatura corporal constante. Exemplos de animais mesotérmicos são o tubarão branco, o atum e a tartaruga-de-couro.

Quanto ao teiú, pode-se afirmar agora que eles são sazonalmente endotérmicos. Ou seja, “agora ficou mais difícil separar os bichos ectotérmicos dos endotérmicos”, avalia Andrade.

O artigo Seasonal reproductive endothermy in tegu lizards (DOI: 10.1126/sciadv.1500951), de Andrade e outros, publicado no Science Advances, pode ser lido em http://advances.sciencemag.org/content/2/1/e1500951.full.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Macacos d’água

Publicado em 26/01/2016

Livro reúne conhecimento sobre primatas que vivem em ambientes alagados ao redor do mundo. Organizadores comentam a relação dos animais com esses ambientes e como as pesquisas sobre o tema podem ajudar na conservação dessas espécies.
Macacos d’água
Macaco-de-cheiro (‘Saimiri sciureus cassiquiarensis’) é uma das espécies que fazem uso de ambientes alagados. (foto: Marcelo Ismar Santana / Instituto Mamirauá).
 
Muitas espécies de primatas, em diferentes partes do mundo, fazem largo uso de ambientes alagados – entre eles pantanais, manguezais, igapós e até praias – para extrair recursos para sua sobrevivência. Conhecer a atual situação e as dinâmicas que regem tais ambientes é um desafio, mas também uma tarefa de grande importância para a manutenção dessas espécies. Em 2016, pela primeira vez, o conhecimento sobre esse tipo de primata será reunido em um grande livro: Primates of flooded habitat: ecology and conservation (“Primatas de hábitats alagados: ecologia e conservação”, em tradução livre), escrito com a participação de pesquisadores da África, Ásia e Américas Central e do Sul. A publicação, em inglês, tem previsão de lançamento para julho.

Ambientes alagados são, de uma forma geral, ricos em biodiversidade. No entanto, ainda há muito o que investigar sobre a presença de primatas nessas regiões. “Estudos com primatas em áreas alagadas são muito difíceis de serem realizados, primeiramente por questões logísticas, mas também porque nem sempre é possível ter acesso a essas áreas no período de águas altas, o que limita a pesquisa”, justifica a bióloga Fernanda Pozzam Paim, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e autora de um dos capítulos do livro.

Apesar disso, o que já se sabe é bastante interessante. A quantidade de espécies que fazem uso de tais ambientes é grande: inclui gorilas e chimpanzés no Congo, orangotangos em Bornéu e até saguis na Amazônia. “Algumas espécies visitam os ambientes alagados apenas ocasionalmente para explorar alguns recursos específicos, outras podem passar a vida inteira neles”, conta Adrian Barnett, biólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e um dos três editores da publicação.
Macacos d´água - uacari-branco
O uacari-branco (‘Cacajao calvus’) passa parte do tempo em florestas de várzea no norte da Amazônia, região periodicamente alagada por marés fluviais. (foto: Marcelo Ismar Santana / Instituto Mamirauá)
Em esforço inédito, a iniciativa reuniu pesquisadores de Brasil, Argentina, Guiana, Bolívia, México, Japão, Indonésia, Malásia, Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul, Congo e Botswana, entre outros países. O livro vai apresentar dados sobre espécies que desenvolveram relações de dependência com ambientes alagados ao redor do mundo.

Em Pernambuco, por exemplo, os manguezais são fonte de ostras e caranguejos para os macacos-narigudos (Nasalis larvatus). “Sem os martelos e quebradores que nós usamos para quebrar suas cascas e conchas, esses macacos usam peças de pau do manguezal para bater os crustáceos e moluscos até a carne suculenta ficar acessível”, explica Barnett. Já nas praias do sul do continente africano, babuínos frequentam as costas rochosas em busca de cracas e moluscos. No Japão, primatas da espécie Macaca fuscata – conhecida aqui como macaco-japonês – vão até a costa litorânea atrás das algas ricas em ferro e outros nutrientes que complementam sua alimentação.

Segundo o especialista, a preservação das áreas alagáveis é fundamental para a própria conservação dos primatas. “Algumas áreas estão realmente ameaçadas diretamente pelo desmatamento, como os manguezais de diversas partes do mundo”, alerta. “Outras estão sofrendo os impactos da mineração, como a acumulação de sedimentos e mercúrio, e outras, ainda, a extração excessiva de determinadas espécies vegetais”.

"Primatas são muito queridos ao olhar do público, as pessoas em geral acreditam que eles têm muito charme. Podemos usá-los como ‘espécies bandeiras’ para conservar os hábitats – muitos deles em perigo"
Com o lançamento do livro, cientistas da área esperam contribuir não só com a conservação dos primatas, mas também de outras espécies animais e das próprias áreas alagadas. “Primatas são animais simpáticos, que quase sempre chamam a atenção das pessoas por serem considerados ‘próximos’ do ser humano”, lembra Paim. “Por este motivo, projetos de conservação de primatas, especialmente os ameaçados de extinção, são essenciais para a conservação da biodiversidade como um todo. Uma vez que um estudo é realizado em determinada área, com o objetivo de conservar uma espécie, toda a fauna e flora associadas a tal ambiente são automaticamente protegidos”, aposta. Barnett concorda: “Primatas são muito queridos ao olhar do público, as pessoas em geral acreditam que eles têm muito charme. Podemos usá-los como ‘espécies bandeiras’ para conservar os hábitats – muitos deles em perigo”.
Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Destaque
www.veterinariaiguatemi.com.br
Teiú consegue manter temperatura corpórea 10º acima do ambiente
Professor da Unesp participa de artigo publicado na revista Science Advances
[24/01/2016]
Denis Andrade, professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da Unesp de Rio Claro, é um dos autores de artigo publicado na importante revista Science Advances de 22 de janeiro.
O artigo, escrito com pesquisadores de universidades canadenses e do Brasil, como Augusto Abe, também do IB, pioneiro nos estudos que culminaram com a publicação deste trabalho, lembra que, com apenas algumas exceções notáveis, vertebrados ectotérmicos (aqueles que dependem do ambiente externo para regular temperatura corpórea, como os répteis) de pequeno tamanho são incapazes de sustentar endogeneamente uma temperatura corpórea substancialmente acima da temperatura ambiente.

Este paradigma foi contestado pelas observações de que lagartos teiús (~2 kg) mantêm temperaturas corpóreas consideravelmente acima (até 10oC) da temperatura ambiente, o que ocorre notadamente durante o período noturno da estação reprodutiva.

Isso levou os pesquisadores a sugerir que esses lagartos possuem a capacidade de aumentar substancialmente a produção de calor endógeno, termogênese, e, conservá-lo.
O aumento da taxa de produção de calor metabólico conjugado à diminuição da condutância termal do corpo do animal (ou seja, da taxa com que ele perde calor para o ambiente) são os mesmos mecanismos envolvidos na regulação da temperatura corpórea daqueles vertebrados tradicionalmente reconhecidos como “verdadeiros endotérmos”: as aves e os mamíferos.

O reconhecimento de que um ectotérmico atual - cujo tamanho é similar àquele dos ancestrais dos mamíferos - pode sustentar temperaturas corpóreas elevadas às custas do metabolismo pode ajudar a esclarecer o debate sobre as origens da endotermia.

As observações expostas no artigo também indicam que, ao contrário da noção amplamente difundida, organismos ectotérmicos podem exibir uma endotermia facultativa, o que fornece uma base fisiológica para estágios transicionais prováveis na evolução da endotermia completa.
Acesse o artigo completo em

http://advances.sciencemag.org/content/2/1/e1500951.full
Contato com o pesquisador

denis@rc.unesp.br

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Descoberto o ancestral selvagem do urucum

22 de janeiro de 2016

Peter Moon | Agência FAPESP – O urucum é um pigmento vermelho intenso de uso milenar entre os índios amazônicos. Adotado pelos colonizadores europeus como um substituto do açafrão, o urucum é hoje muito comum na culinária brasileira, onde é conhecido como colorau. Segundo dados do IBGE, a produção brasileira em 2012 foi de 12.000 toneladas/ano. Desse total, 60% são destinados à fabricação de colorau, 30% à fabricação de corantes e 10% à exportação – para uso na indústria de cosméticos.

Apesar da sua importância econômica, culinária, cultural e histórica, ainda não se conhecia a origem da sua domesticação. Até hoje não se havia identificado quem seria o ancestral selvagem do urucuzeiro (Bixa orellana), o arbusto domesticado de onde se extrai o urucum. Não mais. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) conseguiram identificar a misteriosa espécie que deu origem ao urucum. Trata-se de um arbusto chamado Bixa urucurana.

O trabalho também identificou a região da domesticação original do urucum como sendo o norte da América do Sul (provavelmente Pará ou Rondônia) – e não o Caribe, onde foram encontrados os vestígios paleobotânicos mais antigos do urucum. O artigo com a identificação do urucum selvagem foi publicado no periódico Economic Botany.
O trabalho, que teve Elizabeth Ann Veasey, da Esalq, como pesquisador responsável, é apoiado pela Fapesp.

De acordo com a bióloga Priscila Ambrósio Moreira, do Inpa, muitas plantas que ocorrem nas áreas de moradia e uso humano na Amazônia são consideradas domesticadas porque se modificaram tanto do ancestral silvestre que se tornaram dependentes da ação humana para se propagar. “Este é o caso do urucum. Não encontramos urucum com produção abundante de pigmento vermelho ou alaranjado em qualquer lugar. Ele está sempre associado a áreas manejadas pelos humanos.” Mas qual seria a origem da planta?

Em 1946, o botânico e entomólogo italiano Adolpho Ducke (1876–1959) levantou a hipótese de que o urucum que conhecemos fosse originário de uma grande árvore que cresce no sudoeste da Amazônia, explica Priscila. Como Ducke chegou a essa hipótese? “Ao coletar plantas pela Amazônia, ele deve ter ouvido dos moradores locais da existência de um urucum do mato, a Bixa excelsa, uma grande árvore cujo fruto é parecido com o do urucum de quintal.”
A suspeita de Ducke foi descartada quando os pesquisadores ponderaram que apenas a coleta de sementes na floresta e o plantio nos quintais dificilmente transformaria uma árvore de 30 metros de altura num arbusto de 2 a 3 metros como se encontra nos quintais.

Ecologia do urucum

Mas será que existiriam outros tipos de urucum do mato na Amazônia? “Nossa hipótese para identificar o ancestral do urucum foi uma soma de evidências, tanto da botânica quanto do conhecimento de famílias ribeirinhas sobre a ecologia do urucum”, explica a botânica.

Uma evidência para ajudar na identificação veio de relatos da população ribeirinha no Pará sobre a existência de um urucum do mato que aparecia espontaneamente no quintal e que conseguia cruzar com o cultivado. “Mais importante”, diz Priscila Moreira, “os relatos davam conta de que, após o cruzamento, a geração seguinte do urucum cultivado ficaria mais parecida com o tipo silvestre. Ou seja, produzia menos pigmento nas sementes, que é a principal parte da planta usada pelo homem. Isso mostra que essas duas espécies conseguem cruzar, mas há uma prevalência do tipo silvestre.”
Ao pesquisar na literatura, acabou-se chegando ao trabalho do botânico, naturalista e viajante alemão Carl Ernst Otto Kuntze (1843–1907), que descreveu em 1891 a espécie B. orellana. Há mais de 120 anos, Kuntze já observava que uma outra planta, a B. urucurana, deveria ser da mesma espécie que o urucum cultivado.

Bixa urucurana é um urucum do mato, mas não uma grande árvore e sim um arbusto, como o urucum dos quintais. “A única espécie descrita de urucum arbustivo é a B. urucurana”, diz Priscila Moreira.
Esse urucum selvagem cresce sempre associado a cursos d’água em áreas abertas. Forma manchas com vários pés. “Encontramos uma mancha com cerca de 70 pés na beira do rio e vários outros espalhados ao longo do barranco na margem desse rio.” O urucum selvagem tem frutos menores, mais arredondados, com pouco pigmento. Segundo Priscila Moreira, “a espécie selvagem quase não produz pigmento. Já a domesticada tem uma produção abundante. Suas sementes são colhidas em frutos maduros e colocadas para secar. As sementes são cobertas por uma capa oleosa avermelhada, que é o pigmento”.
Existe uma curiosidade que difere as duas espécies de urucum, ela observa. Enquanto o urucum cultivado abre o fruto sozinho quando está maduro, expondo suas sementes, no silvestre os frutos se mantêm fechados. “Se Bixa urucurana realmente é o ancestral silvestre do domesticado, estamos observando uma mudança na capacidade de dispersão das sementes que foge à regra. Geralmente, a domesticação promove a perda da dispersão espontânea das sementes. Com o milho foi assim. No urucum, parece ser ao contrário. Quando domesticado, o fruto passou a abrir espontaneamente. Mais produção de sementes e mais pigmento podem ter indiretamente promovido uma pressão para abertura do fruto quando maduro.”

Geografia da domesticação

Um outro dividendo importante da pesquisa foi conseguir apontar o local provável onde aconteceu a domesticação do urucum. Dados arqueológicos revelam que o urucum era usado entre os índios do vale do Peruaçu, em Minas Gerais, entre 500 e 1.000 anos atrás. Sementes carbonizadas com até 1.300 anos foram escavadas na Colômbia. Estudos linguísticos demonstram que o nome pré-maia do urucum já era usado na América Central há 2.400 anos. Indícios do pigmento foram encontrados em assentamentos pré-históricos no centro do Peru que datam de 3 mil anos. Mas os indícios mais antigos do uso do urucum vêm de um sítio arqueológico ocupado há 3.600 anos na pequena ilha Saba, uma colônia holandesa nas Antilhas, no mar do Caribe.

Apesar de tantos indícios, após a descoberta do urucum selvagem tudo leva a crer que o urucum de quintal foi domesticado no norte da América do Sul. A explicação é simples. O urucum selvagem B. urucurana não ocorre em nenhum outro local da América do Sul, muito menos na América Central ou no Caribe. “Pode ser que exista B. urucurana no Caribe, mas até hoje não foi registrado nos herbários. Se houver, pode ser que sejam poucos indivíduos que conseguiram se dispersar até lá. Já na Amazônia, registramos a ocorrência e, além disso, adensamentos da planta, mostrando que é uma área central da distribuição da planta”, argumenta Priscila Moreira.
“Da mesma forma, embora no Caribe os registros paleobotânicos do urucum datem de cerca de 3.600 anos atrás, a ausência na Amazônia não descarta a possibilidade de que, em breve, arqueólogos na região encontrem sementes de urucum tão ou mais antigas que as do Caribe”, diz a bióloga.

Variações da espécie

Para que a área de domesticação do urucum seja encontrada, é preciso aguardar os resultados dos estudos genéticos que irão comprovar se o urucum selvagem e o doméstico são, de fato, variações de uma mesma espécie. Tal estudo está a cargo do biólogo Gabriel Dequigiovanni, coautor deste trabalho e doutorando na Esalq, em Piracicaba (SP). A pesquisa é apoiada pela FAPESP.

Segundo a orientadora de Dequigiovanni, Elizabeth Ann Veasey, do Departamento de Genética da Esalq, já foi feito o trabalho com marcadores microssatélites de populações selvagens (B. urucurana) e domesticadas (B. orellana) do urucum. “As duas espécies se separam, mas não totalmente. Deve haver fluxo genético entre elas”, diz Elizabeth. “Nossa hipótese é que se trata de variedades diferentes de urucum.”
Para bater o martelo, o próximo passo é o sequenciamento genético de regiões do DNA do cloroplasto, a organela das células vegetais onde se processa a fotossíntese. “Dequigiovanni reuniu uma boa quantidade de amostras cultivadas e selvagens de urucum. Também coletou em herbários amostras de várias espécies do gênero Bixa e de outras espécies da mesma família. Agora vamos compará-las para obter uma resposta mais concreta.” Elizabeth acredita que os resultados do trabalho surjam a partir de meados de 2016. Mas a pesquisa já forneceu um dividendo: “É difícil saber qual foi o centro de evolução do urucum, mas já sabemos onde ele foi domesticado. O centro de domesticação da espécie encontra-se no sudoeste da Amazônia”, revela Elizabeth. É muito, mas muito distante do Caribe.

O trabalho de identificação da origem do urucum é coordenado por Charles Clement, do Inpa, em Manaus. Seu laboratório tem buscado identificar e localizar ancestrais silvestres de plantas úteis aos humanos na Amazônia, como cuia de tacacá, biribá, mandioca, umari, cacau, castanha do Brasil e pequiá. “Isso é importante para ajudar a contar a história da Amazônia a partir do uso de suas plantas desde pelo menos 8.000 anos atrás”, argumenta Priscila. “A pesquisa também auxilia na localização de áreas de patrimônio histórico na Amazônia e de práticas humanas, de ribeirinhos e indígenas, que devem ser preservadas.”
O artigo The Domestication of Annatto (Bixa orellana) from Bixa urucurana in Amazonia, de Priscila Moreira, Juliana Lins, Gabriel Dequigiovanni, Elizabeth Veasey e Charles Clement, publicado em Economic Botany, pode ser lido em: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs12231-015-9304-0.

[Paleontology • 2016] 

Notocolossus gonzalezparejasi • A Gigantic New Dinosaur from Argentina and the Evolution of the Sauropod Hind Foot

Notocolossus gonzalezparejasi 
Riga, Lamanna, David, Calvo & Coria, 2016
Abstract
Titanosauria is an exceptionally diverse, globally-distributed clade of sauropod dinosaurs that includes the largest known land animals. Knowledge of titanosaurian pedal structure is critical to understanding the stance and locomotion of these enormous herbivores and, by extension, gigantic terrestrial vertebrates as a whole. However, completely preserved pedes are extremely rare among Titanosauria, especially as regards the truly giant members of the group. Here we describe Notocolossus gonzalezparejasi gen. et sp. nov. from the Upper Cretaceous of Mendoza Province, Argentina. With a powerfully-constructed humerus 1.76 m in length, Notocolossus is one of the largest known dinosaurs. Furthermore, the complete pes of the new taxon exhibits a strikingly compact, homogeneous metatarsus—seemingly adapted for bearing extraordinary weight—and truncated unguals, morphologies that are otherwise unknown in Sauropoda. The pes underwent a near-progressive reduction in the number of phalanges along the line to derived titanosaurs, eventually resulting in the reduced hind foot of these sauropods.
Systematic palaeontology
Dinosauria Owen, 1842
Saurischia Seeley, 1887
Sauropoda Marsh, 1878
Titanosauriformes Salgado, Coria, and Calvo, 1997
Somphospondyli Wilson and Sereno, 1998
Titanosauria Bonaparte and Coria, 1993
Lithostrotia Upchurch, Barrett, and Dodson, 2004

Notocolossus gonzalezparejasi gen. et sp. nov.

Etymology: From the Greek notos (southern) and the Latin colossus, in reference to the gigantic size and Gondwanan provenance of the new taxon. Species name honours Dr. Jorge González Parejas, who has collaborated and provided legal guidance on the research, protection, and preservation of dinosaur fossils from Mendoza Province for nearly two decades. In so doing, he has advised researchers on the creation of a natural park that serves to protect dinosaur footprints in Mendoza.
Figure 2: Vertebral morphology of Notocolossus gonzalezparejasi.
Anterior (second or third) dorsal vertebra of the holotype (UNCUYO-LD 301) in (a) anterior and (b) left anterolateral views. Anterior caudal vertebra of the holotype (UNCUYO-LD 301) in (c) anterior, (d) posterior, and (e) right lateral views. Anterior caudal vertebra of the referred specimen (UNCUYO-LD 302) in (f) anterior, (g) posterior, and (h) left lateral views.
Abbreviations: al1, ‘accessory’ lamina 1; al2, ‘accessory’ lamina 2; cd, condyle; ct, cotyle; dp, diapophysis; nc, neural canal; ns, neural spine; pacdf, parapophyseal centrodiapophyseal fossa; posl, postspinal lamina; poz, postzygapophysis; pp, parapophysis; ppdl, paradiapophyseal lamina; prdl, prezygodiapophyseal lamina; prpl, prezygoparapophyseal lamina; prsl, prespinal lamina; prz, prezygapophysis; spdl, spinodiapophyseal lamina; spol, spinopostzygapophyseal lamina; sprl, spinoprezygapophyseal lamina; tp, transverse process; tpol, intrapostzygapophyseal lamina; tprl, intraprezygapophyseal lamina; vasl, ‘V-shaped’ anterior spinal lamina. Scale bars, 20 cm (a,b), 10 cm (c–h).
Holotype: UNCUYO-LD 301, an associated partial skeleton of a very large individual consisting of an anterior dorsal vertebra, an anterior caudal vertebra, the right humerus, and the proximal end of the left pubis (Figs 1b, 2a–e, 3a,c,e,g and 4a–c; Supplementary Figs S1, S3). We consider these elements to represent a single titanosaurian individual because they were found within an area of 8 m by 8 m at the same stratigraphic level and are of the appropriate size and morphology to have been derived from a single skeleton.
Figure 4: Appendicular skeletal morphology of Notocolossus gonzalezparejasi.
(a) Right humerus of the holotype (UNCUYO-LD 301) in anterior view. Proximal end of the left pubis of the holotype (UNCUYO-LD 301) in lateral (b) and proximal (c) views. Right tarsus and pes of the referred specimen (UNCUYO-LD 302) in (d) proximal (articulated, metatarsus only, dorsal [=anterior] to top), (e) dorsomedial (articulated), and (f) dorsal (disarticulated) views.
Abbreviations: I–V, metatarsal/digit number; 1–2, phalanx number; ast, astragalus; cbf, coracobrachialis fossa; dpc, deltopectoral crest; hh, humeral head; ilped, iliac peduncle; of, obturator foramen; plp, proximolateral process; pmp, proximomedial process; rac, radial condyle; ulc, ulnar condyle. Scale bars, 20 cm (a–c), 10 cm (d–f).

Type locality and horizon: Cerro Guillermo, Malargüe Department, southern-most Mendoza Province, Argentina (Fig. 1a; coordinates on file at UNCUYO-LD). The holotype and referred specimen were collected 403 m apart in the basal-most bed of the Upper Cretaceous (upper Coniacian–lower Santonian, ~86 Ma) Plottier Formation of the Neuquén Group (see Supplementary Information for details).
Figure 5: Hypothesized phylogenetic position of Notocolossus gonzalezparejasi and pedal evolution of Sauropoda.
(a) Time-calibrated hypothesis of phylogenetic relationships of Notocolossus with relevant clades labelled. Depicted topology is that of the single most parsimonious tree of 720 steps in length (Consistency Index = 0.52; Retention Index = 0.65). Stratigraphic ranges (indicated by coloured bars) for most taxa follow Lacovara et al.4: fig. 3 and references therein. Additional age sources are as follows: Apatosaurus, Cedarosaurus, Diamantinasaurus, Diplodocus, Europasaurus, Ligabuesaurus, Neuquensaurus, Omeisaurus, Saltasaurus, Shunosaurus, Trigonosaurus, Venenosaurus, Wintonotitan. Stratigraphic ranges are colour-coded to also indicate geographic provenance of each taxon: Africa (excluding Madagascar), light blue; Asia (excluding India), red; Australia, purple; Europe, light green; India, dark green; Madagascar, dark blue; North America, yellow; South America, orange. (b–h) Drawings of articulated or closely associated sauropod right pedes in dorsal (=anterior) view, with respective pedal phalangeal formulae and total number of phalanges per pes provided (the latter in parentheses). (b) Shunosaurus (ZDM T5402, reversed and redrawn from Zhang); (c) Apatosaurus (CM 89); (d) Camarasaurus (USNM 13786); (e) Cedarosaurus (FMNH PR 977, reversed from D’Emic32); (f) Epachthosaurus (UNPSJB-PV 920, redrawn and modified from Martínez et al.22); (g) Notocolossus; (h) Opisthocoelicaudia (ZPAL MgD-I-48). Note near-progressive decrease in total number of pedal phalanges and trend toward phalangeal reduction on pedal digits II–V throughout sauropod evolutionary history (culminating in phalangeal formula of 2-2-2-1-0 [seven total phalanges per pes] in the latest Cretaceous derived titanosaur Opisthocoelicaudia). Abbreviation: Mya, million years ago.

Figure 1: Geographic provenance and speculative reconstruction of the gigantic titanosaurian sauropod dinosaur Notocolossus gonzalezparejasi gen. et sp. nov.
(a) Type locality of Notocolossus (indicated by star) in southern-most Mendoza Province, Argentina. (b) Reconstructed skeleton and body silhouette in right lateral view, with preserved elements of the holotype (UNCUYO-LD 301) in light green and those of the referred specimen (UNCUYO-LD 302) in orange. Scale bar, 1 m. 
(All images were hand drawn by the senior author [B.J.G.R.] and subsequently edited using Adobe Illustrator software.) DOI: 10.1038/srep19165
Bernardo J. González Riga, Matthew C. Lamanna, Leonardo D. Ortiz David, Jorge O. Calvo and Juan P. Coria. 2016. A Gigantic New Dinosaur from Argentina and the Evolution of the Sauropod Hind Foot. Scientific Reports 6, Article number: 19165. DOI: 10.1038/srep19165

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Os danos escondidos na lama

Argila fina e alto teor de metais no material liberado pelo rompimento das barragens em Minas Gerais podem alterar dinâmica ecológica e de sedimentos da foz do rio Doce
MARIA GUIMARÃES | ED. 239 | JANEIRO 2016
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© VALÉRIA QUARESMA / UFES
A fina argila em suspensão tingiu de laranja a foz do rio Doce...
A fina argila em suspensão tingiu de laranja a foz do rio Doce…

Quando Valéria Quaresma e Alex Bastos, um casal de especialistas em oceanografia geológica, começaram a estudar os sedimentos da costa capixaba junto à foz do rio Doce, por volta de cinco anos atrás, um dos objetivos era ter uma base para estabelecer planos de manejo dessa região na qual duas das principais fontes de aporte econômico estão em oposição ecológica: a pesca e a extração de petróleo. A primeira depende da saúde do ecossistema costeiro, que pode ser ameaçada por eventuais acidentes resultantes da segunda. A dupla de professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) não imaginava que o conhecimento seria solicitado tão rapidamente. No início de novembro, quando romperam as barragens da mineradora Samarco, em Minas Gerais, eles integraram o grupo de uma centena de pesquisadores organizado pela universidade e logo se prepararam para colher amostras comparativas. “No dia 21 de novembro a pluma que desceu o rio Doce chegou à foz e já tínhamos o barco preparado”, conta Valéria. No dia seguinte sua equipe coletava amostras da água marinha tingida de laranja.

A primeira caracterização de como se comportam os sedimentos que o rio normalmente transporta está em um artigo publicado em dezembro de 2015 pelo grupo de Valéria na revista Brazilian Journal of Geology. Os resultados mostram que os sedimentos mais finos passam por um processo rápido de deposição, conhecido como floculação, quando a água doce encontra a salinidade e o pH diferentes do mar. A deposição desse sedimento, classificado como lama terrígena, se dá principalmente em profundidades de ao menos 10 metros, ao sul de onde o rio Doce desemboca, para onde são empurrados pelo vento nordeste – o predominante por ali. “Em seguida esse material pode ser ressuspendido e redistribuído para norte, conforme a força e a direção dos ventos e das ondas”, explica Valéria, que mapeou a deposição desses sedimentos não só no trabalho resultante das amostras que seu grupo coletou, como em dados compilados no artigo de revisão publicado em novembro de 2015 na revista Journal of South American Earth Sciences. Na região ao norte do rio Doce, junto à linha costeira, predominam partículas maiores e menos argilosas.

Mesmo com conhecimento da região e com todo o preparo para receber a onda de lama que percorreu parte de Minas Gerais e do Espírito Santo, causando grandes danos às cidades adjacentes e à ecologia do rio e seus arredores, a avaliação do impacto do material oriundo dos rejeitos de mineração não é imediata. O que deu para ver logo de cara é que se trata de um volume espantoso de material argiloso com partículas muito finas, que não se depositam facilmente. “Não conhecemos esse tipo de sedimento que integra os rejeitos”, conta Valéria, “não sabemos como ele se comporta”. Ela pretende acompanhar sua trajetória em uma série de futuras viagens de campo. “Precisamos entre um e dois meses para ver como ficou o fundo.”
A preocupação gerada pela mudança na dinâmica de transporte de sedimentos vai muito além de seu papel essencial para a estabilidade da linha de costa. Nas coletas que já fizeram, os pesquisadores se espantaram com a água completamente turva, que tornava difícil enxergar os equipamentos submersos. Essa mudança nas características físicas da água, segundo Valéria, pode alterar completamente o ambiente necessário à vida dos organismos que vivem no fundo e compõem a base da cadeia alimentar marinha: a comunidade bentônica.
© MARCOS DANIEL LEITE / UFES
... a ponto de a garrafa coletora de água ficar quase invisível quando submersa
… a ponto de a garrafa coletora de água ficar quase invisível quando submersa

Química
 
Além dos sedimentos, também preocupa os pesquisadores o conteúdo da lama em termos químicos. Um componente cuja abundância surpreende pouco, dada a atividade de extração de minério que deu origem ao acidente, é o ferro. Valéria afirma que isso pode ser um problema porque seu excesso pode causar uma proliferação excessiva dos organismos planctônicos (seres microscópicos que flutuam na coluna d’água) e provocar grande desequilíbrio ecológico.

O químico Renato Rodrigues Neto, coordenador do Laboratório de Geoquímica Ambiental do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes, está à frente do grupo que vem analisando os elementos presentes na enxurrada de rejeitos. Por enquanto só foram analisadas amostras de cinco pontos na desembocadura do rio Doce, mas já se nota um aumento importante de alguns metais quando se compara antes e depois da chegada da lama. “Aumentaram muito os teores de vanádio, alumínio, ferro, manganês e cromo”, conta o pesquisador, que no final de dezembro terminou de elaborar um relatório preliminar com esses resultados. Mesmo espantado com o aumento em 50 vezes da concentração de ferro, que seu grupo detectou, esse não é o elemento que o preocupa por ser um nutriente naturalmente disponível.
Mais preocupante foi o teor muito aumentado de cromo, um elemento que pode ser tóxico conforme sua apresentação. “Em geral ele ocorre na forma menos tóxica”, explica Rodrigues Neto, “mas ainda não testamos para saber o que existe agora”. São análises mais complexas, que exigirão uma parceria com outros laboratórios. Também falta, de acordo com o químico, avaliar se o cromo está numa forma biodisponível, que pode ser absorvida pelos organismos.

A gravidade do acidente levou a uma cobrança por respostas imediatas e à organização rápida de pesquisadores empenhados em encontrá-las. Mesmo assim, entender como o ambiente e os organismos que vivem nele vão reagir e ser afetados requer tempo. Nos próximos meses, deve começar a se delinear o efeito causado nos animais e nas plantas da região.

Artigos científicos
 
BASTOS, A. C. et al. Shelf morphology as an indicator of sedimentary regimes: a synthesis from a mixed siliciclastic-carbonate shelf on the eastern Brazilian margin. Journal of South American Earth Sciences. v. 63, p. 125-36. nov. 2015.

QUARESMA, V. S. et al. Modern sedimentary processes along the Doce river adjacent continental shelf. Brazilian Journal of Geology. v. 45, n. 4, p. 635-44. dez. 2015

A riqueza dos campos de altitude

História evolutiva da vegetação na área serrana da região Sul ressalta importância de ecossistema não florestal
GILBERTO STAM | ED. 239 | JANEIRO 2016
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© EDUARDO CESAR
Paisagens do alto da serra: gramíneas, arbustos, araucárias e despenhadeiros abruptos
Paisagens do alto da serra: gramíneas, arbustos, araucárias e despenhadeiros abruptos

Os campos de altitude da Serra Geral, no sul do Brasil, são encontrados sobre platôs cada vez mais altos à medida que avançam para a borda leste, onde a serra de repente despenca em imensos cânions. Vegetação campestre e arbustos predominam nessa área de invernos frios e solo raso, salpicada por afloramentos rochosos, pequenas manchas florestais e regiões encharcadas e ricas em matéria orgânica (turfeiras). A aparente monotonia dos campos, que alguns chamam de “mar de grama”, esconde uma rica biodiversidade vegetal, com quase 300 espécies exclusivas da região, muitas delas pouco estudadas até recentemente. “A taxa de endemismo é de 25%, muito maior do que a encontrada na Floresta Atlântica da região”, diz o botânico João Iganci, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Embora muitas plantas dali também existam em outras regiões de altitude, tanto tropicais quanto temperadas, é esse endemismo que torna especiais os campos do Sul. “O número total de espécies também é alto e comparável a outros centros de biodiversidade, considerando que a área é pequena.”

Iganci, especialista na vegetação dos Campos de Cima da Serra, como são conhecidos na região, faz parte de um grupo da UFRGS e da Universidade Federal de Goiás (UFG) liderado pela geneticista Loreta Freitas, também da UFRGS, que busca compreender a história evolutiva das espécies da região e localizar áreas prioritárias para conservação.

Os pesquisadores dividiram a Serra Geral em quatro regiões (ver mapa), sempre a partir de 900 metros acima do nível do mar, onde a floresta típica da Mata Atlântica dá lugar aos campos e às matas com araucária. A primeira etapa foi mapear a distribuição das espécies usando como indicador três gêneros típicos da região, todos eles com uma abundância de espécies endêmicas (índice de endemismo): Petunia, Calibrachoa e Adesmia. O estudo demonstrou que a Área 1, no cume da serra, abriga a maior diversidade, com 13 espécies, seguida pela Área 2, a oeste, com 10 espécies.
© ILSE BOLDRINI / UFRGS
Gramínea Elyonurus
Gramínea Elyonurus

Altos índices de endemismo geralmente ocorrem em ecossistemas antigos e estáveis, já que demora muito tempo para novas espécies surgirem. Parece que foi isso mesmo que aconteceu nos campos de altitude sulinos, de acordo com simulações do clima desde 21 mil anos atrás, quando o planeta atingiu sua temperatura mais baixa desde o último ciclo glacial. Os resultados indicam que a Área 1, seguida pela 2, manteve um clima mais estável, confirmando a pista dada pela biodiversidade. “No último máximo glacial o clima era mais frio e seco, propício para o desenvolvimento dos campos, o que permitiu que espécies desse ambiente avançassem sobre áreas mais úmidas e quentes, onde antes predominavam florestas”, conta Loreta. “Ao migrar para regiões para as quais não estavam adaptadas, as espécies campestres se diversificavam, dando origem a novas espécies e linhagens.” Durante esse período, houve expansão dos campos em direção a locais de menor altitude, ao norte. Mas, com o aquecimento gradual e aumento da umidade, as florestas voltaram a se expandir e ocupar regiões de campos que, por sua vez, se tornaram restritos às regiões mais altas, onde estão hoje.

As florestas com araucária – que dividem o mesmo ambiente, formando mosaicos com os campos – também tiveram um papel importante. “Ao longo do tempo, ocorreu uma competição constante entre campo e essas florestas, com uma alternância entre ambientes dependendo das condições climáticas”, diz Iganci. Essa dinâmica, que ainda hoje existe, pode ter sido responsável pela separação de determinadas populações que acabaram formando novas espécies. “Esse parece ter sido o caso de algumas petúnias polinizadas por abelhas”, diz Loreta. “Essas abelhas não conseguiam atravessar as florestas com araucária, que assim provocavam um bloqueio no fluxo gênico entre populações.”
© ILSE BOLDRINI
Cravo-do-campo (Trichocline macrocephala)
Cravo-do-campo (Trichocline macrocephala)
Os pesquisadores observaram também que a biodiversidade fica menor nas direções oeste e norte, conforme diminui a altitude e a umidade que vem do mar. “Os resultados para biodiversidade se referem apenas aos grupos estudados, mas são espécies altamente representativas da região”, diz Loreta. “Também observamos uma forte correlação da biodiversidade com o clima e a altitude.” Além de indicar áreas prioritárias e ajudar a entender a origem da biodiversidade da região, o estudo contribui para revelar uma riqueza antes desconhecida. “Até pouco tempo atrás os Campos de Cima da Serra vinham sendo completamente negligenciados em estudos que levam em conta os aspectos ecológicos, evolutivos e conservacionistas”, diz Iganci. O pesquisador, que fez várias viagens de coleta nos últimos 10 anos, alerta para a degradação do ecossistema e identifica sua principal ameaça: o avanço da silvicultura, que consiste em plantações de pinheiro e eucalipto.

Percepção campestre
 
O estudo contraria a ênfase dada às florestas que limita os esforços de preservação de campos no mundo todo. Um grupo de especialistas em ecossistemas campestres do Brasil, Estados Unidos, França, Bélgica e África do Sul tenta mudar essa percepção ressaltando, dentro e fora da comunidade científica, a alta biodiversidade dos campos, que devem ser vistos como ecossistemas antigos, cuja história evolutiva de milhões de anos tem íntima relação com o fogo e a presença de animais herbívoros. Muitas plantas apresentam adaptações como caules subterrâneos e são capazes de brotar rapidamente após a queima e com órgãos subterrâneos como tubérculos, rizomas e bulbos, que armazenam água e amido em local protegido.
© 4 JEFERSON FREGONEZI / UFRGS
Petúnia Calibrachoa sellowiana
Petúnia Calibrachoa sellowiana

“A diversidade de plantas e também de outros grupos dos ambientes de campo e de savana no Brasil pode ser considerada equivalente àquela das florestas”, diz o ecólogo Gerhard Overbeck, especialista em vegetação campestre, também da UFRGS. “Temos de levar em conta também a área ocupada por esses ecossistemas. O Pampa, por exemplo, ocupa pouco mais de 2% do Brasil, mas contém mais de 2.150 espécies de plantas apenas em ambientes de campo”, completa. Segundo ele, em algumas regiões campestres no sul do Brasil é possível encontrar mais de 50 espécies de plantas por metro quadrado, incluindo um grande número de espécies de gramíneas. Muitas plantas de ambientes campestres têm um longo ciclo de vida, como algumas do gênero Vellozia, que ocorrem nos campos rupestres no Brasil Central, que demoram 100 anos para chegar à idade reprodutiva e podem viver até 500 anos. O problema é que os sinais de antiguidade no campo são mais difíceis de visualizar que o perímetro das árvores ou o acúmulo de matéria orgânica nas florestas.

Valorização humana
 
Os campos também prestam importantes serviços ecológicos. “Esses ecossistemas são fundamentais na regulação do ciclo hidrológico, pois além de a vegetação reter muito menos água das chuvas do que o dossel das florestas, as abundantes raízes finas funcionam como uma esponja que libera a água aos poucos para os rios e aquíferos”, diz a engenheira florestal especialista em Cerrado Giselda Durigan, do Instituto Florestal do Estado de São Paulo, em Assis. Além disso, o solo abriga tubérculos, bulbos e rizomas, adaptações das plantas que ajudam a reter água na estação seca e permitem que elas resistam ao fogo e à herbivoria, desafios comuns nesses ambientes. “Essas estruturas contribuem para o sequestro de carbono, embora isso ainda não esteja quantificado”, diz Giselda. “Os solos são complexos e levam muito tempo para se formar. Se degradados, a recuperação é dificílima.”
© VALÉRIO PILLAR / UFRGS
Plantio de Pinus em campo
Plantio de Pinus em campo
A falta de conhecimento sobre a ecologia dos campos tem levado a políticas de conservação equivocadas, como o incentivo à silvicultura, com resultados desastrosos para a biodiversidade e para os serviços ecológicos. “As árvores fazem sombra, impedindo o crescimento das plantas herbáceas ávidas por sol e reduzindo a biodiversidade”, diz Giselda. “Além disso, fazem com que 20% a 30% da água da chuva evapore antes de chegar ao solo.” Outro exemplo de proteção às avessas é a proibição da “sapecada”, queima provocada pelos pecuaristas serranos para manejo do pasto e proibida em 1992 pelo Código Florestal Estadual do Rio Grande do Sul. Giselda afirma que o fogo, assim como o gado (desde que não sejam excessivos), evita o adensamento das árvores, ajudando a manter estável a estrutura e a diversidade da vegetação campestre. Além disso, a variedade de gramíneas natural desses ambientes pode tornar a carne mais saudável do que a de animais confinados.
060-063_Campos de altitude_239O grupo internacional de especialistas, do qual fazem parte Giselda e Gerhard, publicou em 2015 um artigo no qual propõe o conceito de “campos antigos” (old growth grasslands, em inglês), um adjetivo em geral aplicado a florestas maduras. Os autores chamam a atenção para características específicas de ecossistemas de campo de savana que exigem estratégias de conservação distintas. Ao ampliar a compreensão desses ambientes, eles também esperam contribuir para inserir os campos na pauta do movimento ambientalista, lançando um novo olhar sobre esses ecossistemas que ajude a enxergar as riquezas escondidas no “mar de grama”.

Artigos científicos
 
Veldman, J. W. et al. Toward an old-growth concept for grasslands, savannas, and woodlands. Frontiers in Ecology and Environment. v. 13, n. 3, p. 154-62. abr. 2015.

Barros, M. J. F. et al. Environmental drivers of diversity in Subtropical Highland Grasslands. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics. v. 17, n. 5, p. 360-8. out. 2015.