sábado, 7 de maio de 2016

Mais precisão na datação geológica

Artigo apresenta novo método para definir idade de rochas baseado em isótopos de platina
Por: Fernando Brenha Ribeiro
 
Publicado em 01/11/2005 | Atualizado em 07-05-2016
A idade de meteoritos (como o da imagem, coletado em 1979 na Antártida e identificado como tendo se originado em Marte) poderá ser definida com maior precisão através da análise de um isótopo de platina, método agora aperfeiçoado com a participação de cientistas brasileiros (foto: JPL/Nasa).
Um modelo desenvolvido por pesquisadores brasileiros e italianos deve trazer mais precisão para um recente e promissor método de datação geológica baseado na radiação emitida por certos núcleos do elemento químico platina. Os resultados deverão levar a desdobramentos importantes na determinação das idades de materiais como rochas, minerais e meteoritos. O artigo será publicado em Nuclear Instruments and Methods in Physics Research B .

A determinação da idade de materiais geológicos, como rochas e minerais, bem como daqueles provenientes do sistema solar – por exemplo, meteoritos e rochas lunares trazidos pelas missões do projeto Apollo – é baseada no decaimento de isótopos radioativos de diversos elementos químicos.
 
Os isótopos radioativos são caracterizados por terem núcleos com um excesso de energia que os torna instáveis. Para atingir a estabilidade, esses núcleos desprezam essa energia extra, emitindo radiação eletromagnética (raios gama) ou partículas do tipo alfa (núcleos do elemento químico hélio, ou seja, dois prótons mais dois nêutrons) e beta (elétrons energéticos).
 
O fenômeno pelo qual o núcleo se livra do excesso de energia é denominado decaimento radioativo. Ao decair, com a emissão de partículas, um núcleo sofre modificação em seu número de massa (soma dos prótons e nêutrons) e/ou número atômico (soma dos prótons), transformando-se no núcleo de outro elemento químico.
 
A liberação de energia, no entanto, não ocorre de forma desordenada. Cada núcleo radioativo de um mesmo tipo tem uma probabilidade bem definida de emitir radiação em um intervalo de tempo finito. Essa probabilidade de decaimento pode ser expressa de várias formas. Uma delas é a chamada meia-vida do isótopo radioativo.
 
A meia-vida corresponde ao tempo necessário para que um conjunto contendo inicialmente N o núcleos radioativos de um mesmo tipo tenha sua população reduzida à metade. As meias-vidas dos diferentes isótopos radioativos naturais e artificiais variam por diversas ordens de grandeza. O isótopo do carbono com número de massa 14 ( 14 C) tem, por exemplo, uma meia-vida de 5,7 mil anos, enquanto o isótopo de potássio com número de massa 40 ( 40 K) tem uma meia-vida de 1,275 bilhão de anos.
 
Os isótopos radioativos naturais estão presentes nas rochas e nos minerais em quantidades normalmente muito pequenas e que variam ao longo do tempo à medida que ocorre o decaimento radioativo. Os métodos de determinação de idade fundamentados na radioatividade (ou métodos radiométricos de datação) se baseiam na observação dos efeitos da radioatividade.
 
Alguns desses métodos medem o número de partículas emitidas por unidade de tempo por um elemento radioativo, como o método de datação do 14 C. Outros medem a variação do número de isótopos radioativos e do número dos novos núcleos produzidos pelo seu decaimento ao longo da história do mineral ou da rocha. Um exemplo deste último é o método de datação potássio-argônio (K-Ar). Parte do potássio radioativo ( 40 K) decai, produzindo um núcleo de argônio com número de massa 40. Medindo as quantidades de potássio e de argônio contidos em uma amostra e conhecendo a meia-vida do 40 K, é possível determinar a idade do material.
 
Os diferentes métodos de datação radiométrica podem ser imaginados como relógios usados para marcar o tempo geológico. O pêndulo desse relógio é a meia-vida do isótopo no qual o método se baseia. Se o período do pêndulo é bem conhecido, o passar do tempo é medido com precisão por um relógio. Da mesma forma, se a meia-vida do isótopo é bem conhecida, a idade de uma amostra pode ser determinada com precisão.
 
Recentemente, foi proposto um novo método de datação baseado no decaimento radioativo do isótopo da platina com número de massa 190 ( 190 Pt). Esse isótopo emite uma partícula alfa e se transforma no isótopo do ósmio com número de massa 186. As propriedades químicas da platina e do ósmio permitem considerar o novo método como muito promissor para estudos geocronológicos e geoquímicos realizados em minerais ricos em sulfetos e em alguns tipos de meteoritos.
 
A aplicação do método encontra, no entanto, uma dificuldade fundamental. A meia-vida da 190 Pt não é conhecida com precisão. Diferentes métodos foram usados para determinar essa meia-vida, mas os resultados obtidos até o momento variam entre 240 bilhões e 1 trilhão de anos. O valor adotado atualmente é de 650 bilhões de anos. Meias-vidas assim longas são difíceis de medir, uma vez que o número de decaimentos radioativos que esse isótopo sofre em qualquer intervalo de tempo de observação em laboratório é muito pequeno.
 
Pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), associados a colegas da Universidade de Roma, vêm contribuindo para a obtenção de um valor mais preciso para a meia-vida da 190 Pt. Uma de suas contribuições consiste em uma equação obtida teoricamente para predizer o valor da meia-vida de um isótopo. Um dos parâmetros dessa equação não pode ter seu valor determinado pela teoria que deu origem à equação e deve ser estabelecido a partir de dados experimentais. Por essa razão, o modelo é chamado de semi-empírico.
 
Os autores – os pesquisadores brasileiros Odilon Tavares e Emil Medeiros, do CBPF, e a italiana Maria Letizia Terranova, da Universidade de Roma – usaram valores de meia-vida de outros 18 isótopos da platina, que podem ser descritos pela equação e cuja meia-vida é bem conhecida. Com o parâmetro semi-empírico determinado, a meia-vida da 190 Pt foi calculada em (3,7 ± 0,3) x 10 11 anos, ou seja, 370 bilhões de anos, com um desvio de 30 bilhões de anos para mais ou para menos.
 
Esse valor é comparável com o valor experimental de 320 bilhões de anos – ou seja, (3,2 ± 0,1) x 10 11 – obtido pelos mesmos autores há alguns anos. O resultado é uma contribuição importante para a solução do difícil problema de estabelecer a meia-vida da 190 Pt com a precisão necessária para estudos geocronológicos e geoquímicos.


Fernando Brenha Ribeiro
Departamento de Geofísica,
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas,
Universidade de São Paulo

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