segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Estudo desvenda como são produzidas as partículas que alimentam as nuvens da Amazônia

31 de outubro de 2016

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Um estudo divulgado segunda-feira (24/10) na revista Nature solucionou um mistério que há mais de uma década intrigava os cientistas: a origem dos aerossóis atmosféricos que alimentam as nuvens da região amazônica em condições livres de poluição.

Essas partículas microscópicas suspensas no ar desempenham um papel fundamental para o clima, pois dão origem aos chamados núcleos de condensação de nuvens – partículas sobre as quais o vapor d’água presente na atmosfera se condensa para formar as gotas de nuvens e a chuva, explicaram os autores.
Estudo desvenda como são produzidas as partículas que alimentam as nuvens da Amazônia Pesquisadores do experimento GoAmazon descrevem na revista Nature o papel das nuvens como transportadoras de partículas entre a superfície do planeta e a alta atmosfera; novo conhecimento deve aprimorar modelos climáticos (Foto: Eduardo César).
 
 De acordo com novos resultados da pesquisa, conduzida com apoio da FAPESP no âmbito da campanha científica Green Ocean Amazon Experiment (GoAmazon), as partículas precursoras dos núcleos de condensação de nuvens são formadas na alta atmosfera e transportadas para perto da superfície pelas nuvens e pela chuva.

“Há pelo menos 15 anos temos tentado medir no solo a formação de novas partículas de aerossóis na Amazônia e o resultado era sempre zero. As novas partículas nanométricas simplesmente não apareciam na Amazônia. As medições eram feitas em solo ou com aviões voando até no máximo 3 mil metros de altura. Mas a resposta, na verdade, estava ainda muito mais no alto”, contou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coautor do artigo.
Segundo Artaxo, que coordena o Projeto Temático “GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica”, a floresta naturalmente emite gases conhecidos como compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) – entre eles terpenos e isoprenos –, que são carregados pela convecção nas nuvens para a alta atmosfera, podendo chegar a 15 mil metros de altitude, onde a temperatura gira em torno de 55°C negativos.

Com o frio, os gases voláteis se condensam e formam partículas inicialmente muito pequenas – entre 1 e 5 nanômetros. Essas nanopartículas adsorvem gases e se chocam umas com as outras, rapidamente coagulam e crescem até alcançar um tamanho em que podem atuar como núcleo de condensação de nuvens – em geral acima de 50 a 70 nanômetros”, explicou Artaxo.
Em altitudes elevadas, acrescentou o pesquisador, o processo de coagulação das partículas é facilitado pela baixa pressão atmosférica, baixas temperaturas e pelo grande número de partículas presentes.

“Até que, em uma determinada hora, uma dessas gigantescas nuvens convectivas gera uma forte corrente de ar com ventos descendentes e, ao precipitar, traz essas partículas para perto da superfície”, continuou Artaxo.

Achado surpreendente

Parte das medições apresentadas no artigo foi feita em março de 2014 – período de chuva na Amazônia – por um avião de pesquisa capaz de voar até 6 mil metros de altura. A aeronave, conhecida como Gulfstream-1, pertence ao Pacific Northwest National Laboratory (PNNL), dos Estados Unidos.
Outro conjunto de dados foi obtido entre março e maio de 2014 no laboratório operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – chamado Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês), que tem 320 metros de altura e está situado na Reserva Biológica de Uatumã, uma área de floresta distante 160 quilômetros a nordeste de Manaus, onde a poluição urbana dificilmente chega.

Medições de aerossóis complementares foram feitas em um conjunto de torres situado cerca de 55 quilômetros ao norte de Manaus, conhecido como ZF2. E também na cidade de Manacapuru, a cerca de 100 quilômetros a oeste de Manaus, onde está instalada a infraestrutura do Atmospheric Radiation Measurement (ARM) Facility – um conjunto móvel de equipamentos terrestres e aéreos desenvolvido para estudos climáticos, pertencente ao Departamento de Energia dos Estados Unidos.

“Para nossa surpresa, observamos que a concentração de material particulado aumentava com a altitude – quando o esperado seria uma quantidade maior próximo da superfície. Encontramos uma quantidade muito grande de aerossóis nesse limite de voo de 6 mil metros do Gulfstream-1”, contou Luiz Augusto Toledo Machado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coautor do artigo.

A observação inicial se confirmou quando, no âmbito do projeto Acridicon-Chuva, coordenado por Machado e apoiado pela FAPESP, foram feitas novas medições com uma aeronave de pesquisa alemã capaz de voar até 16 mil metros de altitude. O avião denominado Halo (High Altitude and Long Range Research Aircraft) é administrado por um consórcio de pesquisa que inclui o Centro Alemão de Aeronáutica (DLR), o Instituto Max Planck (MPI) e a Associação de Pesquisa da Alemanha (DFG).

“Notamos que, em regiões poluídas, havia uma quantidade extremamente grande de material particulado próximo da superfície, o que não acontecia nas regiões livres de poluição. Mas, em altitudes elevadas, encontrávamos grande concentração de partículas independentemente do grau de poluição. Agora, este trabalho mostra que a chuva traz essas nanopartículas para perto da superfície, onde formam novas populações de material particulado que atuam como núcleo de condensação de nuvens”, disse Machado.

Como pontuou o pesquisador do Inpe, já se sabia que a chuva limpa a atmosfera, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual os aerossóis eram repostos. “O interessante foi ter apreendido que, ao mesmo tempo que a chuva remove os aerossóis, ela traz, em suas correntes descendentes, os embriões [as nanopartículas] que, após crescerem, vão recompor a concentração de aerossóis.”

Segundo Artaxo, a observação foi surpreendente porque quando se ultrapassa a camada limite planetária – altitudes superiores a 2,5 mil metros – ocorre uma inversão de temperatura que costuma inibir a movimentação vertical de partículas. “Mas não levávamos em conta o papel das nuvens convectivas como transportadoras dos gases emitidos pela floresta”, disse.
Os estudos feitos no âmbito do experimento GoAmazon, acrescentou o pesquisador, estão demonstrando que os VOCs oriundos das plantas fazem parte de um mecanismo fundamental para a produção de aerossóis em áreas continentais.

“Os VOCs emitidos pela floresta e as nuvens fazem uma dinâmica muito peculiar e produzem enormes quantidades de partículas em altas altitudes, onde se acreditava que elas não existiriam. É a biologia da floresta atuando junto com as nuvens para manter o ecossistema amazônico em funcionamento”, ressalta Artaxo.

Esses gases, segundo o pesquisador, são jogados para a alta atmosfera, onde a velocidade do vento é muito grande, e são redistribuídos pelo planeta de forma muito eficiente. No caso da Amazônia, parte é transportada para os Andes, parte para o sul do Brasil e parte afeta a própria região da floresta tropical. “Estamos atualmente realizando trabalhos de modelagem para precisar as regiões afetadas pelas emissões de VOCs da Amazônia e transportadas pela circulação atmosférica”, contou o professor da USP.
Como era até agora desconhecido, esse mecanismo de produção de aerossóis não está contemplado em nenhum modelo climático. “É um conhecimento que terá de ser incluído, pois ajudará a tornar as simulações de chuva mais precisas”, afirmou Machado.
O pesquisador do Inpe ressaltou ainda que a descoberta só foi possível graças aos aviões de pesquisa que estiveram em Manaus por meio das parcerias firmadas no âmbito do experimento GoAmazon, uma campanha internacional do Departamento de Energia dos Estados Unidos conduzida em parceria. “O Brasil ainda não tem uma aeronave laboratório desse porte, o que seria fundamental para o avanço de pesquisas atmosféricas”, disse.
Além do Acridicon-Chuva, coordenado por Machado, e do Projeto Temático coordenado por Artaxo, conta ainda com apoio da FAPESP o projeto “Pesquisa colaborativa Brasil-EUA: modificações causadas pela poluição antrópica na química da atmosfera e na microfísica de partículas da floresta tropical durante as campanhas intensivas do GoAmazon”, coordenado por Henrique de Melo Jorge Barbosa, pesquisador do IF-USP.
O artigo Amazon boundary layer aerosol concentration sustained by vertical transport during rainfall  pode ser lido em http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature19819.html.

Pesquisadores identificam marcador do Antropoceno no Atlântico Sul

27 de outubro de 2016

Peter Moon  |  Agência FAPESP – Os Estados Unidos e a antiga União Soviética conduziram, entre 1945 e 1963, centenas de testes nucleares em terra, ar e mar, para testar e ampliar o seu arsenal nuclear. Os elementos radioativos forjados nas explosões, ao serem ejetados à estratosfera, depositaram-se em toda a superfície. Em 1963, as duas superpotências assinaram um tratado banindo os testes nucleares de superfície, mantendo apenas aqueles subterrâneos, que confinariam a radiação no subsolo.

Pesquisadores identificam marcador do Antropoceno no Atlântico Sul Amostras de colunas de lama, conhecidas como testemunhos, foram divididas em fatias, de acordo com o momento de depósito de cada camada de sedimento (foto: Rubens Figueira)

Mas se o banimento dos testes feitos durante a Guerra Fria eliminou a possibilidade de futuras contaminações, não havia como eliminar os efeitos dos testes nucleares realizados até o momento da assinatura do tratado. Seus elementos radioativos permanecem.

Ao longo de mais de uma década, pesquisadores do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP), em conjunto com colegas do Pará, Pernambuco, Paraná e Uruguai, coletaram em diferentes sistemas estuarinos amostras de sedimentos. Um dos autores da pesquisa no IO-USP foi Rubens Cesar Lopes Figueira, que contou com apoio da FAPESP desde o início – em quatro projetos, com início em 2007, 2009, 2011 e 2014.

Foram feitas coletas na bacia do rio Caeté (Pará), na foz do rio Capibaribe (Pernambuco), no estuário de Caravelas (Bahia), nos sistemas Santos-São Vicente e Cananeia-Iguape (São Paulo), na bacia do Paranaguá (Paraná) e no estuário do rio da Prata (Uruguai).

Ao estudar a composição das amostras, os cientistas detectaram um dado comum: radionuclídeos (traços) do elemento químico césio, na forma do isótopo radioativo césio-137. Radionuclídeos são elementos que emitem vários tipos de partículas e que eventualmente se tornam estáveis.
Usado em radioterapias, o césio-137 é o mesmo do maior acidente radioativo ocorrido no Brasil, em 1987, em Goiânia. Mas a única fonte desse radionuclídeo artificial no Atlântico Sul até a década de 1960 resulta dos testes norte-americanos e soviéticos, destacam os autores em artigo publicado na revista Anthropocene.

Segundo os pesquisadores, a presença de radionuclídeos em matrizes ambientais é uma ferramenta importante para estudos oceanográficos, uma vez que esses elementos químicos registram processos em escalas espaciais e temporais de acordo com seus níveis e distribuição nos sedimentos.
“No caso do césio-137 dos estuários, foram coletadas mais de 30 amostras de coluna de lama na forma de cilindros com 1 a 2 metros de comprimento, que chamamos de testemunhos”, disse Figueira.
Os testemunhos foram divididos em fatias com cerca de 2 centímetros, de acordo com o momento em que cada camada de sedimento foi depositada, as mais novas no topo. Com isso, foi possível estabelecer uma escala de tempo e saber em quais proporções o césio-137 – forjado nas explosões termonucleares americanas e soviéticas, alçado à estratosfera e transportado pelas correntes de ar – foi depositado no litoral sul-americano.

Os pesquisadores também conseguiram identificar com precisão nas amostras de lama coletadas o momento em que o césio-137 foi depositado no hemisfério Sul. Suas quantidades começam a ser perceptíveis a partir de 1954, com o início dos testes das bombas termonucleares de hidrogênio, milhares de vezes mais potentes que as bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki.

“As proporções de césio-137 se acentuaram ano a ano de 1954 até 1963, quando atingiram o pico. Em seguida, devido ao banimento dos testes, declinaram subitamente”, disse Figueira.

Passagem de era geológica

Segundo outro autor do estudo, o doutorando Paulo Alves de Lima Ferreira (http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/152647/metodos-de-estudo-de-parametros-e-processos-de-dinamica-sedimentar-marinha-com-radionuclideos-natura/), colaborador do Laboratório de Química Inorgânica Marinha do IO-USP, embora o césio das explosões tenha sido detectado em todas as amostras, ainda assim o foi em quantidades muito menos significativas do que aquelas detectadas em testemunhos no hemisfério Norte, onde os testes nucleares foram realizados.

“A descoberta desse novo marcador ambiental de césio-137 é um exemplo do trabalho que desenvolvemos. Nosso trabalho consiste em achar marcadores químicos dos mais diversos tipos para estudar os efeitos da era industrial, ou seja, os últimos 250 anos”, disse.
Para estudar esses efeitos está a importância da detecção feita pelos pesquisadores: a possibilidade de o isótopo radioativo ser utilizado como marcador na geologia do Atlântico Sul.

Esse marcador, chamado de modelo estratigráfico, poderá validar a passagem do Holoceno ao Antropoceno – termo cunhado em 2000 pelo químico holandês Paul Cruitzen, ganhador do Nobel de Química, para definir a época geológica atual, dominada pelo homem, e que, segundo Cruitzen, seria fundamentalmente diferente de todas as anteriores.

Desde então, pesquisadores têm discutido o ideia e a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), organismo responsável pela padronização da geocronologia mundial, passou a procurar marcadores que possam definir na geologia o momento em que teria se iniciado o Antropoceno.
Descobrir o momento é uma condição necessária para que a ICS possa um dia proclamar o término do Holoceno, a época atual, iniciada há 11.700 mil anos com o fim da mais recente Idade do Gelo, e inaugurar oficialmente o Antropoceno.

O artigo Using a cesium-137 (137Cs) sedimentary fallout record in the South Atlantic Ocean as a supporting tool for defining the Anthropocene (doi: http://dx.doi.org/doi:10.1016/j.ancene.2016.06.002), de Paulo Alves de Lima Ferreira, Rubens Cesar Lopes Figueira e outros, pode ser lido em http://dx.doi.org/doi:10.1016/j.ancene.2016.06.002.

Pesquisa faz levantamento inédito dos cipós das florestas tropicais

31 de outubro de 2016

Noêmia Lopes | Agência FAPESP - A chamada tribo Bignonieae, formada em grande parte por cipós e um componente importante das florestas tropicais, conta agora com um privilégio raro na biodiversidade brasileira: um levantamento completo e atualizado de seus 21 gêneros e 393 espécies, contendo dados sobre morfologia, taxonomia, distribuição geográfica e genética, além de informações sobre a história evolutiva e biogeográfica do grupo.

Esse é o resultado do projeto "Sistemática da tribo Bignonieae (Bignoniaceae)", apoiado pela FAPESP e coordenado por Lúcia Garcez Lohmann, do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP).

“Temos cerca de 250 famílias de plantas no Brasil e para bem poucas delas chegou-se a esse grau de detalhamento, o qual é fundamental para o entendimento dos processos que levaram à formação da nossa flora como um todo, bem como para o estabelecimento de áreas prioritárias para a conservação, planos de manejo e uso sustentável da biodiversidade”, disse Lohmann à Agência FAPESP.

Ao longo dos últimos 24 anos, a pesquisadora vem aprimorando a classificação das bignoniáceas, família cujas flores têm um característico formato de trompete e que tem na tribo Bignonieae seu maior grupo. A tribo, por sua vez, inclui a linhagem mais diversa de cipós – também conhecidos por lianas – das florestas tropicais.

“Trata-se de um grupo muito importante. O que diferencia as florestas do velho mundo das florestas da região neotropical é justamente a presença das lianas. Como as espécies da tribo Bignonieae representam a linhagem mais diversa e abundante de cipós da região neotropical, o entendimento de sua história evolutiva nos traz importantes informações sobre a origem e a diversificação das florestas neotropicais como um todo. Além disso, as espécies da tribo são muito utilizadas por comunidades indígenas por conta de suas propriedades medicinais, apresentando bom potencial farmacológico”, afirmou Lohmann.

O primeiro passo, seja na direção de conhecer melhor o passado de certos ecossistemas ou de buscar novos compostos químicos para a produção de fármacos, era saber exatamente quantas espécies de cipós desse clado existem, onde cada uma se encontra, como evoluíram e quais são seus parentes mais próximos – levantamento que configurou o objetivo central do estudo.

Com a nova organização, foram descritas cerca de 10 novas espécies, propostas 190 novas combinações nomenclaturais e quase 100 novos lectótipos (espécimes sobre os quais se baseia a redescrição de uma espécie) e resolvidos inúmeros problemas taxonômicos. Com esse grau de conhecimento, a tribo Bignonieae passou a servir como um dos modelos utilizados no Projeto Temático "Estruturação e evolução da biota amazônica e seu ambiente: uma abordagem integrativa", também realizado sob a coordenação de Lohmann.

O temático – uma colaboração dos programas BIOTA-FAPESP (Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade) e Dimensions of Biodiversity, da National Science Foundation, dos Estados Unidos – investiga a origem da biodiversidade da Amazônia, onde as lianas chegaram há cerca de 40 milhões de anos, 10 milhões de anos após surgirem na região leste do Brasil, onde hoje está a Mata Atlântica.

Segundo Lohmann, linhagens do grupo seguiram migrando e diversificando-se e, em torno de 30 milhões de anos atrás, chegaram a áreas secas do Cerrado. Alguns milhões de anos depois, ocorreram a evolução do hábito arbustivo, a perda de gavinhas – uma modificação dos folíolos de plantas trepadeiras que lhes dá apoio para a escalada – e a evolução de sementes com contornos arredondados, que lhes permite viajar por grandes áreas abertas como frisbees. Com o passar do tempo, espécies de Bignonieae continuaram a expandir sua extensão pelas Américas, até atingir o México e o sul dos Estados Unidos.

Outro ganho proporcionado pela pesquisa foi a possibilidade de entender, em cada caso, o que veio primeiro: a ocupação de novos ambientes ou a transformação de características morfológicas. “Com a filogenia [história genealógica de uma espécie ou de um grupo biológico], conseguimos determinar quando certa característica mudou. Nos casos em que características evoluíram antes da ocupação de uma nova área, temos o que chamamos de surgimento de uma inovação-chave, ou seja, a evolução de uma característica que viabilizou a ocupação de um novo ambiente e a diversificação do grupo. Quando a alteração ocorreu depois da ocupação de um novo ambiente, temos adaptações propriamente ditas”, disse Lohmann.

Das coletas ao laboratório

Ao longo do projeto, Lohmann e seus orientandos rodaram o Brasil fazendo coletas em campo e visitando herbários. Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí e Rio de Janeiro, além do próprio Estado de São Paulo, foram alguns dos destinos da equipe.
“Escolhemos algumas localidades nas quais as lianas haviam sido pouco coletadas. Em outras, já sabíamos da ocorrência de cipós, mas a coleta de mais exemplares permitiu um aumento no número de registros e acesso a material fresco para extração de DNA, trabalhos com anatomia e fitoquímica”, contou Lohmann.
Um legado da visita a esses herbários foi a identificação de muitos materiais que não estavam classificados anteriormente. Outra boa herança foi a interação entre alunos de graduação e pós-graduação locais com aqueles que estavam trabalhando com Lohmann. “Ao longo deste projeto, jovens pesquisadores de diferentes estados me procuraram querendo estudar em mais detalhes a flora de suas regiões. Agora, tenho orientandos e parcerias com alunos e professores de diversos estados brasileiros. O apoio é mutuo com os alunos de São Paulo, que sempre foram muito bem recebidos em todas as instituições visitadas”, disse.
Também houve visitas a países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Suécia e Rússia, onde se encontram coleções clássicas e grande quantidade de material-tipo necessário às revisões taxonômicas.

A análise de todo o material se deu em um momento de transição. No início do projeto, em 2012, fazia-se sequenciamento genético pelo método Sanger, com a utilização de apenas alguns marcadores moleculares. A proposta original era, portanto, sequenciar três marcadores para múltiplos indivíduos de todas as espécies da tribo Bignonieae. “Mas no meio do projeto”, contou Lohmann, “surgiu a chance de usarmos Next Generation Sequencing e, com isso, sequenciar genomas inteiros, o que nos permitiu reconstruir o parentesco entre gêneros e espécies com maior grau de certeza.”

Para dar conta da abrangência da investigação, houve a participação de um grande número de bolsistas, da iniciação científica ao pós-doutorado: Alexandre Rizzo Zuntini, Alison Nazareno, Annelise Frazão Nunes, Beatriz Machado Gomes, Eric Yasuo Kataoka, Fabiana Firetti Leggieri, Jéssica Nayara Carvalho Francisco, Luiz Henrique Fonseca, Maila Beyer, Maria Claudia Medeiros, Maria Fernanda Calió, Miriam Kaehler (doutorado e pós-doutorado) e Verônica Thode.

“Como usamos a mesma metodologia e conduzimos as investigações de forma padronizada, estamos agora consolidando uma grande base de dados com fotos, informações sobre morfologia, distribuição geográfica e genética das espécies. Também estamos estudando uma boa forma de disponibilizar os dados e as imagens em uma página na internet”, disse Lohmann.
Outro desdobramento previsto é entender como o grupo deve reagir a mudanças climáticas. Nesse sentido, a pesquisadora está orientando o doutorado de Juan Pablo Narváez Gómez, da Colômbia. De acordo com Lohmann, “o objetivo é encontrar as áreas com maior diversidade e endemismo de espécies da tribo Bignonieae, modelar a distribuição das espécies utilizando cenários atuais e futuros e, com base nisso, propor estratégias de conservação”.

Artigos publicados

Até o momento, a pesquisa “Sistemática da tribo Bignonieae (Bignoniaceae)” resultou na publicação de 18 artigos científicos, listados a seguir, além de outros cinco submetidos para publicação:

Iamonico, D., E. Banfi, G. Galasso, L.G. Lohmann, J.A. Lombardi & N.M.G. Ardenghi. 2015. Typification of the Linnaean name Bignonia peruviana (Vitaceae). Phytotaxa 236(3): 283-286. http://biotaxa.org/Phytotaxa/article/view/phytotaxa.236.3.10 

Fonseca, L.H.M.F. & L.G. Lohmann. 2015. Biogeography and evolution of Dolichandra (Bignonieae, Bignoniaceae). Botanical Journal of the Linnean Society 179: 403-420. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/boj.12338/abstract 

Nazareno, A.G., M. Carlsen & L.G. Lohmann. 2015. Complete chloroplast genome of Tanaecium tetraganolobum: The first Bignoniaceae plastome. PLOS One 10(6): e0129930. http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371%2Fjournal.pone.0129930
 
Zuntini, A.R., C.M. Taylor & L.G. Lohmann. 2015. Problematic specimens turn out to be two undescribed species of Bignonia (Bignoniaceae). Phytokeys 56: 7-18. http://phytokeys.pensoft.net/articles.php?id=5423 

Zuntini, A.R., C.M. Taylor & L.G. Lohmann. 2015. Deciphering the Neotropical Bignonia binata species complex (Bignoniaceae). Phytotaxa 219(1): 69-77. http://biotaxa.org/Phytotaxa/article/view/phytotaxa.219.1.5 

Firetti-Leggieri, F. D. Demarco & L.G. Lohmann. 2015. A new species of Anemopaegma (Bignonieae, Bignoniaceae) from the Atlantic Forest of Brasil. Phytotaxa 219(2): 174-182. http://biotaxa.org/Phytotaxa/article/view/phytotaxa.219.2.7 

Fonseca, L.H.M.F., S.M. Cabral, M.F. Agra & L.G. Lohmann. 2015. Taxonomic updates in Dolichandra (Bignonieae, Bignoniaceae). Phytokeys 46: 35-43. http://phytokeys.pensoft.net/articles.php?id=4671
Medeiros, M.C.M.P., A. Guisan & L.G. Lohmann. 2015. Climate niche conservatism does not explain restricted distribution patterns in Tynanthus (Bignonieae, Bignoniaceae). Bot. J. Linn. Soc. 179: 95-109. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/boj.12300/abstract 

Medeiros, M.C.P. & L.G. Lohmann. Taxonomic revision of Tynanthus (Bignonieae, Bignoniaceae). Phytotaxa 216(1): 1-60. http://biotaxa.org/Phytotaxa/article/view/phytotaxa.216.1.1
 
Medeiros, M.C.P. & L.G. Lohmann. 2015. Phylogeny and biogeography of Tynanthus Miers (Bignonieae, Bignoniaceae). Molecular Phylogenetics and Evolution 85: 32-40. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25659336 

Medeiros, M.C.P. & L.G. Lohmann. 2014. Two new species of Tynanthus Miers (Bignonieae, Bignoniaceae) from Brazil. Phytokeys 42: 77-85. http://phytokeys.pensoft.net/articles.php?id=4192
Lohmann, L.G & C.M. Taylor. 2014. A new generic classification of Tribe Bignonieae (Bignoniaceae).

Annals of the Missouri Botanical Garden 99(3): 348-489. http://www.bioone.org/doi/abs/10.3417/2003187 

Zuntini, A.R., C.M. Taylor & L.G. Lohmann. 2014. Proposal to conserve the name Bignonia magnifica (Bignoniaceae) with a conserved type. Taxon 63(6): 1376-1377. http://www.ingentaconnect.com/contentone/iapt/tax/2014/00000063/00000006/art00025 

Zuntini, A.R. & L.G. Lohmann. 2014. Synopsis of Martinella Baill. (Bignonieae, Bignoniacee), with the description of a new species from the Atlantic Forest of Brazil. Phytokeys 37: 15-24. http://phytokeys.pensoft.net/articles.php?id=1526 

Firetti-Leggieri, F., L.G. Lohmann, J. Semir, D. Demarco & M.M. Castro. 2014. Using leaf anatomy to solve taxonomic problems within the Anemopaegma arvense species complex (Bignonieae, Bignoniaceae). Nordic Journal of Botany 32: 620-631. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1756-1051.2013.00275.x/pdf 

Zuntini, A.R., L.H.M. Fonseca & L.G. Lohmann. 2013. Primers for phylogeny reconstruction in Bignonieae (Bignoniaceae) using herbarium samples. Applications in Plant Sciences 1(9): 1300018. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25202586 

Lohmann, L.G., C. Bell, M.F. Calió, and R.C. Winkworth. 2013. Pattern and timing of biogeographical history in the neotropical Tribe Bignonieae (Bignoniaceae). Botanical Journal of the Linnean Society 171: 154-170. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1095-8339.2012.01311.x/abstract 

Kaehler, M., F. Michelangeli & L.G. Lohmann. 2012. Phylogeny of Lundia based on ndhF and PepC sequences. Taxon 61(2): 368-380. http://www.ingentaconnect.com/content/iapt/tax/2012/00000061/00000002/art00008

Como os terremotos são medidos?
A escala Richter

Até 1979, a intensidade dos terremotos era medida através da conhecida escala Richter, mas em 1979 ela foi substituída pela escala de magnitude momentânea, de sigla Mw. Na prática, entretanto, os resultados são muito aproximados. 

Da mesma forma que a escala Richter, a Mw também mede a energia liberada pelos terremotos e também é uma escala logarítmica. Isso significa que os números da escala medem fatores de 10. Assim, um terremoto que mede 4 graus tem 10 vezes mais amplitude que um que mede 3 graus e 100 vezes maior que um que mede 2. 

Quanto maior a magnitude de um terremoto, maior sua energia e capacidade de destruição, mas os efeitos dependem de vários fatores, entre eles a distância, profundidade, condições do terreno e tipo de edificações. De modo geral, os sismos são classificados da seguinte forma:
DESIGNAÇÃO MAGNITUDE EFEITOS POSSÍVEISQUANTIDADE POR DIA
Micro < 2,0 Micro tremor de terra, não se sente. ~ 8000 por dia
Muito pequeno2,0-2,9 Geralmente não se sente, mas é detectado/registrado. +/-1000 por dia
Pequeno3,0-3,9 Frequentemente sentido, mas raramente causa danos. +/-49000 por ano
Ligeiro4,0-4,9 Tremor notório de objetos no interior de habitações, ruídos de choque entre objetos. Danos importantes pouco comuns. +/- 6200 por ano
Moderado5,0-5,9 Pode causar danos maiores em edifícios mal concebidos em zonas restritas. Provoca danos ligeiros nos edifícios bem construídos.+/- 800 por ano
Forte6,0-6,9 Pode ser destruidor em zonas num raio de até 180 quilômetros em áreas habitadas. +/- 120 por ano
Grande 7,0-7,9 Pode provocar danos graves em zonas mais vastas. +/- 18 por ano
Importante 8,0-8,9 Pode causar danos sérios em zonas num raio de centenas de quilômetros.+/- 1 por ano
Excepcional 9,0-9,9 Devasta zonas num raio de milhares de quilômetros. +/- 1 a cada 20 anos
Extremo > 10,0 Nunca registrado x
A Mw é uma escala infinita e pode inclusive apresentar números negativos. No entanto, as forças naturais envolvidas limitam o topo da escala em aproximadamente 10, já que teoricamente não existe energia em um terremoto capaz de superar esta marca. 

Até hoje, o maior terremoto ocorrido na história foi de 9.5 graus e ocorreu no Chile, em 1960.

Escala Richter
A escala de Richter foi desenvolvida em 1935 pelos sismólogos Charles Francis Richter e Beno Gutenberg, ambos membros do California Institute of Technology (Caltech), que estudavam sismos no Sul da Califórnia. 


A escala representa a energia sísmica liberada durante um terremoto e se baseia em registros sismográficos. 

A escala Richter aumenta de forma logarítimica, de maneira que cada ponto de incremento significa um aumento 10 vezes maior no registro sismográfico.
Dessa forma, a onda de sismo de magnitude 4.0 é 100 vezes maior que a onda de um sismo de 2.0. No entanto, é importante salientar que o que aumenta é a amplitude das ondas sismográficas e não a energia liberada. 

Em termos gerais a energia de um terremoto aumenta 33 vezes para cada grau de magnitude, ou aproximadamente 1000 vezes a cada duas unidades.

Escala Mercalli

 
A escala Richter e a MW não permitem avaliar a intensidade sísmica em um local determinado e em particular em zonas urbanas, já que elas medem a intensidade absoluta do terremoto. 


Para medir os efeitos de um terremoto é usada a escala de Mercalli, criada em 1902 pelo sismólogo italiano Giusseppe Mercalli. 

Essa escala não se baseia em registros sismográficos, mas nos efeitos ou danos produzidos nas estruturas e percebidos pelas pessoas nas imediações do abalo. Para um mesmo sismo a classificação é diferente, pois depende dos efeitos registrados.
A escala de Mercalli tem importância apenas qualitativa e não deve ser interpretada em termos absolutos, uma vez que depende de observação humana. Por exemplo, um sismo com 7.0 graus na escala Mw ocorrido em um deserto inabitado pode ser classificado como 1 na escala de Mercalli, já que não produz danos.
Por outro lado, um sismo amplitude sísmica de 5.0 graus ocorrido em uma zona urbana com construções débeis pode causar efeitos devastadores, podendo atingir nível 12 na escala. 

M Escala Mercalli e os efeitos percebidos
1 Nenhum movimento é percebido
2 Algumas pessoas podem sentir o movimento se elas estão em repouso e/ou em andares elevados de edifícios
3 Diversas pessoas sentem um movimento leve no interior de prédios. Os objetos suspensos se mexem. No exterior, no entanto, nada se sente
4 No interior de prédios, a maior parte das pessoas sentem o movimento. Os objetos suspensos se mexem, e também as janelas, pratos, armação de portas
5 A maior parte das pessoas sente o movimento. As pessoas adormecidas se acordam. As portas fazem barulho, os pratos se quebram, os quadros se mexem, os objetos pequenos se deslocam, as árvores oscilam, os líquidos podem transbordar de recipientes abertos
6 Todo mundo sente o terremoto. As pessoas caminham com dificuldade, os objetos e quadros caem, o revestimento dos muros pode rachar, árvores e os arbustos são sacudidos. Danos leves podem acontecer em imáveis mal construídos, mas nehum dano estrutural
7 As pessoas têm dificuldade de se manter em pé, os condutores sentem seus carros sacudirem, alguns prédios podem desmoronar. Tijolos podem se desprender dos imóveis. Os danos são moderados em prédios bem construídos, mas podem ser importantes no resto
8 Os condutores têm dificuldade em dirigir, casas com fundações fracas tremem, grandes estruturas, como chaminés e prédios podem se torcer e quebrar. Prédios bem construídos sofrem danos leves, contrariamente aos outros, que sofrem severos danos. Os galhos das árvores se quebram, colinas podem ter fissuras se a terra está úmida e o nível d'água nos poços artesianos pode se modificar
9 Todos os prédios sofrem grandes danos. As casas sem alicerces se deslocam. Algumas canalizações subterrâneas se quebram, a terra se fissura
10 A maior parte dos prédios e suas fundações são destruídos, assim como algumas pontes. As barragens são significativamente danificadas. A água é desviada de seu leito, largas fissuras aparecem no solo, os trilhos das ferrovias entortam
11 Grande parte das construções desabam, as pontes e as canalizações subterrâneas são destruídas
12 Quase tudo é destruído. O solo ondula. Rochas podem se deslocar

Falhas geológicas brasileiras - onde estão localizadas?

O terremoto de 4.9 graus Richter ocorrido na cidade de Itacarambi, no norte de Minas Gerais, despertou a curiosidade dos brasileiros, que sempre acreditaram que o país estivesse livre desse tipo de fenômeno natural. Talvez o fato do abalo ter feito uma vítima fatal, a primeira no Brasil devido a um terremoto, tenha contribuído para chamar a atenção do público, que se perguntou: afinal, no Brasil existem terremotos? Quais foram as causas? 


Por incrível que pareça muitas pessoas creditaram o fato à "ganância humana", que destrói a natureza, causa o aquecimento global e destrói a camada de ozônio. Outros explicaram o fato de maneira mais simplista e apontaram a "ira divina" como causa do abalo. No entanto, existe uma explicação bem mais científica e natural para o fenômeno, chamada falha geológica.

Placas Tectônicas

 
Os terremotos de grande intensidade ocorrem ao longo da região onde duas ou mais placas tectônicas se encontram. Ali, as rochas comportam-se como corpos elásticos, onde se deformam e acumulam muita energia proveniente da pressão e do stresse provocado pelo movimento entre as placas. A tensão é tanta que em um dado momento ocorre uma ruptura da região e toda a energia acumulada é liberada de uma única vez ou em eventos sucessivos. Isso é um terremoto.


O globo terrestre é formado por doze placas principais e diversas placas secundárias. O Brasil se localiza no centro da placa sul-americana, um local geologicamente estável, mas nem por isso livre de abalos, como pode pensar a maioria das pessoas.

Um estudo feito em 2002, coordenado pelo professor Allaoua Saadi, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais, culminou com a apresentação do primeiro Mapa neotectônico do Brasil. Nele, Saadi e sua equipe identificaram pelo menos 48 falhas-mestras no território Nacional. "É justamente ao longo do traçado dessas falhas que se concentram as ocorrências de terremotos", explica Saadi.

Falhas geológicas
 
"Toda placa é recortada por vários pequenos blocos, de várias dimensões. Esses recortes, ou falhas, funcionam como uma ferida que não cicatriza: apesar de serem antigos, podem se abrir a qualquer momento para liberar energia. Se você tem um bloco recortado e o comprime de um lado e de outro, ele rompe onde já existe a fratura”, completa.
Segundo o professor, o maior número de falhas se concentra nas Regiões Sudeste e Nordeste, seguidas pela Região Norte e Centro-Oeste. A Região Sul é a que apresenta o menor número de falhas.

Para realizar o levantamento, Saadi utilizou diversos mapas topográficos e geológicos, além de uma grande quantidade de imagens de satélite e de radar. Saadi e sua equipe também foram pessoalmente a diversas localidades de Belém, Natal, Fortaleza e São Paulo e durante um mês investigaram as margens do Rio Amazonas, identificando as falhas na região. Para localizar as falhas, Saadi analisou primeiro as cartas topográficas à procura de indicadores. "Os rios são um exemplo, pois correm geralmente ao longo das fissuras", explica o pesquisador.

Em Minas Gerais
 
Com auxílio do Mapa neotectônico do Brasil, elaborado por Saadi, podemos ver que o Estado de Minas Gerais é cortado por diversas falhas geológicas: BR 24, 25, 26, 27, 28, 29 e BR 47. Chama a atenção a falha BR 47, localizada no norte do Estado e situada à margem esquerda do São Francisco, exatamente abaixo da cidade de Itacarambi, onde ocorreu o sismo de 9 de dezembro.

domingo, 30 de outubro de 2016

América aquática

Degradação de hábitats pode ameaçar estabilidade da maior diversidade de peixes do mundo
ANDRÉ JULIÃO | ED. 248 | OUTUBRO 2016
Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

© FOTOS: LÉO RAMOS , FEITAS NO AQUÁRIO DE SÃO PAULO
066_Peixes_290
A América do Sul tem uma diversidade de peixes ainda maior do que se pensava. Enquanto há menos de 20 anos era considerada exagerada a estimativa de 8 mil espécies, as mais de 100 descrições de novas espécies por ano na última década permitem agora estimar a ictiofauna do continente em cerca de 9 mil espécies. 

Dessas, um número relativamente baixo, entre 4 e 10%, está ameaçado de extinção, enquanto na América do Norte e Europa as taxas são de 27 e 37%, respectivamente. Aqui, porém, o avanço do desmatamento, da urbanização, do barramento de rios, entre outros fatores, ameaça esse relativo conforto. É o que mostra o artigo do biólogo Roberto Reis, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), publicado em uma edição especial do Journal of Fish Biology lançada em julho, que traz dados inéditos acerca da conservação de hábitats aquáticos: não só de rios e do mar, mas também de manguezais, estuários, lagoas costeiras, lagos e riachos.

Mais sensíveis a alterações provocadas pelo homem do que grandes corpos d’água, os estuários são importantes locais de reprodução e berçário de peixes que vivem nos rios ou no mar. Além disso, lagoas e riachos abrigam espécies endêmicas que, por não existirem em outro lugar, podem ser extintas quando esses hábitats são alterados. “Especialmente na costa do Nordeste e Sudeste do Brasil, muitas lagoas nem sequer mapeadas se converteram em brejos ou secaram completamente por conta da drenagem e do assoreamento, tornando impossível saber se havia espécies endêmicas”, diz a bióloga Ana Cristina Petry, do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Socioambiental de Macaé, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em colaboração com uma equipe de pesquisadores do Piauí a Mar del Plata, na Argentina, Ana Cristina compilou dados de 103 lagoas na costa atlântica do continente, que somaram cerca de 5.400 quilômetros quadrados (km2) de superfície e um número variável de espécies: de apenas uma até 76. Uma informação alarmante é que cerca de 80% das lagoas investigadas estão fora de unidades de conservação. “As lagoas costeiras prestam serviços ecossistêmicos importantes como locais de reprodução e crescimento não só para peixes marinhos e de água doce, como para insetos, anfíbios, répteis e aves, além de serem locais de pesca”, explica. Várias das lagoas estudadas ao longo de décadas sofreram profundas modificações em área e diversidade de espécies.

Uma ameaça é a introdução de espécies exóticas, que competem por alimento e áreas de reprodução com as nativas e causam desequilíbrio ao sistema. Nas pequenas lagoas costeiras nordestinas, com menos de 1 km2 de área, essas forasteiras representam 50% das espécies.

Outros ambientes aquáticos sensíveis à ação humana são os riachos. Com dimensões menores que os rios, eles estão normalmente próximos à floresta, e os organismos que vivem em suas águas dependem do alimento que ela fornece na forma de folhas, frutos e insetos. Alguns riachos formam microbacias independentes das grandes bacias hidrográficas e são ainda mais ameaçados pelo desmatamento e pela poluição. É o caso do rio Mato Grosso, que apesar do nome é um riacho e fica no Rio de Janeiro. A bióloga Rosana Mazzoni, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), analisou a fauna de três diferentes trechos desse riacho: um bem preservado, com águas transparentes e sem penetração de luz por conta da copa fechada das árvores, um segundo com a floresta parcialmente removida e o terceiro totalmente desmatado, com bastante incidência de luz e águas turvas devido ao excesso de algas e à erosão das margens.
© FOTOS: LÉO RAMOS , FEITAS NO AQUÁRIO DE SÃO PAULO
Pirarucu: pesca controlada na Amazônia, embora não se saiba quantas espécies estão ameaçadas
Pirarucu: pesca controlada na Amazônia, embora não se saiba quantas espécies estão ameaçadas

Impacto
 
A bióloga e seus colaboradores detectaram diferenças significativas entre os locais na densidade de peixes e seu padrão alimentar. Enquanto cinco espécies de peixes estão presentes em cada um dos três locais, a área sem floresta favoreceu a ocorrência de animais tolerantes a sedimentos, no caso o cascudinho-pintado (Hypostomus punctatus) e o limpa-vidro (Parotocinclus maculicauda), duas espécies de cascudo. Além disso, enquanto na área preservada a principal fonte de alimento dos peixes eram invertebrados como larvas, nas partes desmatadas essa dieta era substituída por detritos, matéria orgânica e algas – que se tornam abundantes na ausência de cobertura florestal, devido à incidência maior de luz para fotossíntese. “Pelo menos nesse caso a remoção da floresta não eliminou espécies, que conseguiram se adaptar”, diz Rosana. “No entanto, a densidade de algumas varia bastante de acordo com as condições locais.” Da mesma forma que os cascudos estão presentes em maior quantidade em áreas degradadas, os lambaris Astyanax taeniatus e Characidium vidali, abundantes na área preservada, vão se tornando mais raros à medida que aumenta o desmatamento.

O biólogo Mário Barletta, editor da edição especial do Journal of Fish Biology e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), chama a atenção para a necessidade de embasar as políticas de conservação em dados científicos, algo que nem sempre é feito. “O desenvolvimento econômico é necessário, mas ele sempre deve levar em conta o impacto que causa no ambiente”, recomenda. Barletta se refere principalmente às grandes obras de infraestrutura, cuja realização nem sempre é precedida de pesquisa. Em um dos casos em que isso ocorreu, ele conseguiu fazer o levantamento da fauna de uma área de estuário antes, durante e depois de uma dragagem para a construção de um terminal portuário no complexo estuarino da baía de Paranaguá, no Paraná. Transição entre rio e mar, o gradiente de salinidade dos estuários favorece peixes e crustáceos.
A dragagem, retirada de sedimentos do fundo, ocorre em áreas portuárias para aumentar a profundidade e permitir que grandes navios possam atracar. “O acúmulo de sedimentos no fundo ocorre, em parte, porque as margens dos rios foram desmatadas. A floresta faz o trabalho de segurar esse material e não deixar que ele vá para a água”, explica Barletta. Sem vegetação ao redor, algum tempo depois de feita a dragagem, ela pode voltar a ser necessária, pois o sedimento tende a acumular-se no leito outra vez.

No estudo do estuário da baía de Paranaguá, importante área de pesca artesanal e local de reprodução e berçário de peixes marinhos e estuarinos, espécies importantes economicamente como a betara (Menticirrhus americanus) e a pescada-branca (Cynoscion leiarchus) praticamente desapareceram durante e logo depois da obra. Ao mesmo tempo, atraídos pelos animais mortos, os bagres Cathorops spixii e Aspistor luniscutis aumentaram em até 10 vezes em densidade durante a obra. Barletta e outros pesquisadores envolvidos na pesquisa concluíram, portanto, que as dragagens devem ser feitas entre o final da estação chuvosa e início da seca, quando não há atividade reprodutiva na área. “Graças ao estudo prévio, determinamos a melhor época para realizar a obra e reduzir o impacto”, conta.
© FOTOS: LÉO RAMOS , FEITAS NO AQUÁRIO DE SÃO PAULO
Tambaqui: diversidade genética pode ser alterada por interferências na Bacia Amazônica
Tambaqui: diversidade genética pode ser alterada por interferências na Bacia Amazônica

Plástico
 
Mesmo quando a época de reprodução dos peixes é respeitada, uma ameaça crescente afeta o início da vida desses animais: a presença de plástico nos corpos d’água. Em outro estudo publicado no mesmo volume, Barletta procurava determinar as espécies presentes nos manguezais do estuário do rio Goiana, na costa de Pernambuco, de acordo com as fases da lua. Segundo o biólogo, estudos de populações de peixes normalmente levam em conta escalas de tempo de meses a anos, raramente ciclos lunares ou períodos de dias e semanas. No entanto, é nesses intervalos curtos que se percebe uma relação mais direta entre o ambiente e seus recursos (alimentação, abrigo, proteção de predadores e outros comportamentos).
Além de quantificar as espécies, em todas as áreas analisadas foram encontrados micro e macroplásticos (pedaços menores e maiores do que 5 milímetros, respectivamente), em densidades similares às dos ovos e larvas da terceira espécie mais abundante, a sardinha (Rhinosardinia bahiensis). Na lua minguante, quando há menos zooplâncton (larvas e animais muito pequenos), é justamente o período em que se encontra mais microplástico, resultado da degradação de garrafas pet, sacolas, cordas e redes de pesca pelo sol e pela água.
A presença
 desse lixo nos manguezais é especialmente preocupante, pois nesses ambientes larvas, filhotes de peixe e de outros animais aquáticos vivem até chegar numa idade segura para migrar para um rio, estuário ou mar. “Como o microplástico divide o hábitat com os peixes e as larvas, ele pode ser ingerido e entrar na cadeia trófica, junto com os poluentes contidos nele como cádmio, cobre e zinco”, explica Barletta. Isso significa que os poluentes não só ficarão nos seres que comerem o microplástico como passarão para os predadores destes e, sucessivamente, para os que se alimentarem deles, chegando aos seres humanos.
© FOTOS LÉO RAMOS, FEITAS NO AQUÁRIO DE SÃO PAULO
Pirarara: dieta inclui outros peixes, aumentando o risco de contaminação por mercúrio
Pirarara: dieta inclui outros peixes, aumentando o risco de contaminação por mercúrio

Pesca
 
Por essa razão, projetos de conservação precisam levar em conta o fator humano. O pirarucu (Arapaima sp.), por exemplo, apesar de ter a pesca proibida no Amazonas, é largamente comercializado naquele estado. Uma solução possível é o chamado manejo comunitário. O biólogo Thiago Petersen, atualmente doutorando no Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), acompanhou de perto a recuperação da população de pirarucus da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, um dos poucos lugares onde o peixe, que vive em lagos, pode ser pescado no Amazonas.

“No manejo é feita a contagem da população de pirarucus de cada lago, em seguida cria-se um plano de gestão com a comunidade, no qual se definem quais lagos terão pesca para comercialização, para consumo da comunidade e em quais não se pode pescar”, diz Petersen. Em locais onde esse modelo de gestão existe há mais tempo, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, também no Amazonas, é permitida a retirada de até 30% da população por ano. Em áreas que estão começando a fazer uso do manejo, como a Piagaçu-Purus, é estipulado um limite mais conservador, entre 8 e 10%. O esforço deu resultado nesse caso: de 2008, quando o manejo foi implementado, até 2014, o aumento das populações de peixe variou de 62 a 99%.

Apesar de algumas tentativas bem-sucedidas de preservação, Leandro Castello, coautor do artigo sobre pirarucus e professor do Virginia Polytechnic Institute and State University, nos Estados Unidos, alerta que faltam informações para saber com mais precisão quantas espécies estão ameaçadas. “Na Amazônia, por exemplo, a degradação desses ecossistemas é relativamente baixa, mas isso está mudando rapidamente e é uma questão de tempo até que o panorama seja completamente alterado”, afirma. Um dos fatores que afetam diretamente os peixes amazônicos são as hidrelétricas. “Eles até passam pelas barragens para pôr os ovos na parte alta do rio”, conta Roberto Reis. “Quando os ovos estão descendo o rio e chegam a um lago de hidrelétrica, porém, acaba a correnteza e eles afundam para a parte sem oxigênio e morrem. Os que restam acabam sendo comidos pelos milhões de piabas que habitam os reservatórios.”

Artigos científicos
 
REIS, R. E. et al. Fish biodiversity and conservation in South America. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 1-16. jul. 2016.

LOBÓN-CERVIÁ, J. et al. Effects of riparian forest removal on the trophic dynamics of a Neotropical stream fish assemblage. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 50-64. jul. 2016.

BARLETTA, M. et al. Effects of dredging operations on the demersal fish fauna of a South American tropical–subtropical transition estuary. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 890-920. jul. 2016.

LIMA, A. R. A. et al. Changes in the composition of ichthyoplankton assemblage and plastic debris in mangrove creeks relative to moon phases. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 619-40. jul. 2016.

PETERSEN, T. A. et al. Recovery of Arapaima sp. populations by community-based management in floodplains of the Purus River, Amazon. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 241-48. jul. 2016.

PETRY, A. C. et al. Fish composition and species richness in eastern South American coastal lagoons: Additional support for the freshwater ecoregions of the world. Journal of Fish Biology. v. 89, p. 280-314. jul. 2016.

Ecologia dos Pampas: Intervenções sustentáveis

Interferência humana ajudou a manter a diversidade biológica do pampa, um dos mais complexos ecossistemas brasileiros
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | ED. 206 | ABRIL 2013
Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

© MÁRCIO BORGES MARTIN S
Pampa, palavra de origem quíchua que significa região plana: reconhecido como bioma brasileiro apenas em 2004
Pampa, palavra de origem quíchua que
significa região plana
: reconhecido como bioma
brasileiro apenas em 2004.

O uso do fogo e a pecuária, juntos, têm desempenhado papel importante, e muitas vezes essencial, para a manutenção da diversidade biológica do pampa, um dos mais ricos, complexos e heterogêneos ecossistemas brasileiros. Pode soar estranho, mas estudos sugerem que essas duas formas de interferência humana, quase sempre agressivas à biodiversidade local, se bem manejadas, podem contribuir para conservar a vegetação campestre do sul do país por conter a invasão de florestas de araucária e o adensamento de plantas lenhosas na região e por favorecer o rebrotamento da vegetação nativa, muitas vezes usada na alimentação do rebanho bovino.


Essa concepção pouco habitual de conservação ambiental foi o destaque das palestras dos biólogos Márcio Borges Martins e Ilsi Iob Boldrini, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), durante o segundo encontro do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação, realizado em São Paulo no dia 21 de março. Promovido pela coordenação do Programa Biota-FAPESP em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, o evento contou também com a participação do biólogo Eduardo Eizirik, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

De acordo com os pesquisadores, nos últimos mil anos o clima úmido, característico de zonas subtropicais, tem favorecido a expansão das florestas em detrimento dos campos, os quais originalmente constituem a paisagem recente da região sulina. “Se considerarmos o clima atual, praticamente toda a região sul do Rio Grande do Sul seria naturalmente coberta por vegetações florestais”, ressaltou Martins. Segundo ele, isso só não ocorreu devido à presença de grandes herbívoros que viviam ali e, mais recentemente, à introdução da pecuária. “O gado tem desempenhado papel fundamental na conservação dos pampas”, disse. E também o fogo, por frear o rápido avanço das florestas. “As queimadas podem ter sido essenciais na manutenção da dinâmica natural da vegetação campestre”, afirmou o biólogo. Alguns estudiosos acreditam que sua utilização esteja relacionada à chegada das populações indígenas à região, que o usavam para caça e manejo da terra, juntamente com um clima mais sazonal.
© LÉO RAMOS
Da esquerda para a direita: Eduardo Eizirik, Ilsi Iob Boldrini e Márcio Borges Martins
Da esquerda para a direita: Eduardo Eizirik,
Ilsi Iob Boldrini e Márcio Borges Martins

Para Martins, além do fogo e da pastagem, outros fatores que condicionam a composição e as características fisionômicas da vegetação dos campos incluem o tipo de solo, as secas, as geadas, o pisoteio dos campos por animais e as roçadas periódicas. Logo, concluiu o pesquisador, tais perturbações precisam ser levadas em conta ao se propor formas sustentáveis de manejo dos campos da região, já que esses são fatores que impedem a expansão das florestas em áreas campestres. O biólogo destacou, porém, que a má gestão dessas perturbações pode levar à degradação desse ecossistema.

Atualmente o pampa é o segundo bioma mais devastado do país – o mais degradado é a mata atlântica. Seus campos se espalhavam por 176,5 mil quilômetros quadrados (km2), o que corresponde a 63% do território gaúcho e a 2,1% do território brasileiro. Hoje apenas 36% da vegetação original dos pampas se mantém preservada, destacou Ilsi Iob Boldrini.

Segundo a bióloga, por estar restrito ao sul do Rio Grande do Sul, o bioma tem recebido pouca atenção do poder público no que diz respeito à implementação de políticas de conservação ambiental. Em parte, isso se deve ao fato de a região ter sido reconhecida oficialmente no mapa dos biomas brasileiros apenas em 2004, sendo sua diversidade biológica subestimada até então.

“Mesmo abrangendo uma área relativamente pequena, o bioma pampa é bastante heterogêneo; detém uma diversidade fisionômica e de hábitats variada, com campos planos, áreas rupestres e areais, além das áreas baixas, formadas por solos hidromórficos, inundáveis em muitas épocas do ano, e ambientes florestais. Trata-se de um bioma complexo, formado por uma diversidade de fitofisionomias, dentre as quais o campo dominado por gramíneas é o mais representativo”, comentou.


Para a pesquisadora, impressiona também a quantidade de novas espécies identificadas na região nos últimos anos. Mais de 2 mil espécies de plantas foram catalogadas, 990 delas endêmicas dos pampas.

“Costuma-se pensar que a vegetação campestre é homogênea, que campo é tudo igual. No entanto, a diversidade de espécies encontradas nesses locais chega a ser três vezes maior que a de áreas florestais”, afirmou Ilsi. As famílias vegetais mais ricas nos pampas são a Asteraceae, com 380 espécies, a Poaceae, com 373, a Leguminosae, com 190, e a Cyperaceae, com 118.

Muitas, porém, estão ameaçadas de extinção, devido à substituição da vegetação original por lavouras de inverno e verão (sobretudo de soja, trigo e arroz), às práticas de silvicultura e ao sobrepastoreio pela pecuária, situação em que a exposição excessiva ao gado impede a recuperação dos campos. “A vocação da região é a pecuária, não a agricultura. Mas quando os rebanhos são mal administrados, também há degradação da vegetação”, destacou.

O estabelecimento de sistemas agrários diversos, e nem sempre sustentáveis, também tem acelerado a alteração da cobertura vegetal original. Em muitas propriedades, a quantidade de animais é, por vezes, muito maior que a capacidade de suporte da vegetação campestre. E na falta de pasto nativo muitos produtores acabam recorrendo ao plantio de espécies exóticas de gramíneas e leguminosas com aplicação de herbicidas, o que contamina o solo e a água subterrênea. Além da superexploração dos campos, a sua substituição por lavouras para a produção de grãos ou a obtenção de celulose está conduzindo à descaracterização da paisagem do bioma.

A aplicação de herbicidas sobre a vegetação original do pampa para introdução de espécies forrageiras, o manejo inadequado dos campos naturais e o uso indiscriminado do fogo também têm contribuído para a destruição desse bioma. E, apesar dos avanços recentes, a região dos campos sul-brasileiros permanece em grande parte insuficientemente conhecida. “Levantamentos florísticos e fitossociológicos ainda são necessários para se obter estimativas mais concretas da riqueza de espécies na região”, concluiu a bióloga.

Mudanças na paisagem
 
Pouco conhecida também é a fauna de vertebrados do bioma pampa, destacaram os biólogos Eduardo Eizirik e Márcio Borges Martins. Atualmente, a preocupação com a conservação da diversidade da fauna da região tem aumentado devido à forte expansão da monocultura e do cultivo de eucalipto para celulose (silvicultura). “Desde a última década tem havido um forte incentivo por parte do poder público à prática da silvicultura em regiões mais carentes do estado tendo em vista seu desenvolvimento econômico”, disse Martins.

Segundo ele, muitas empresas já compraram vastas extensões de terra para o cultivo de eucalipto destinado à produção de celulose antes mesmo da realização de um zoneamento para identificar em quais áreas se poderia plantar. “A substituição de uma paisagem campestre por uma floresta densa como a de eucaliptos pode gerar diversas complicações para a manutenção da biodiversidade dos campos”, afirma.
© MÁRCIO BORGES MARTINS
Introduzido pelos jesuítas no século XVI , o gado pode ter contido o avanço das florestas sobre os pampas
Introduzido pelos jesuítas no século XVI , o gado pode ter contido o avanço das florestas sobre os pampas

Uma delas é o bloqueio do fluxo genético entre espécies. De acordo com Eizirik, as políticas de conservação da diversidade biológica local devem almejar a manutenção dos processos evolutivos naturais. “Populações de uma mesma espécie distribuídas por regiões geográficas distintas podem se tornar geneticamente diferenciadas”, comentou. Segundo o pesquisador, isso pode se dar por diversos fatores, entre eles o isolamento por distância, a própria seleção natural e o surgimento de barreiras que impedem o fluxo gênico. Essas barreiras podem variar de rios e regiões desérticas a florestas densas, como as de eucalipto. “Ignorar tais questões pode levar ao desaparecimento de algumas espécies importantes para a manutenção da biodiversidade local”, explicou Eizirik. Para ele, esse é um problema preocupante, já que o pampa se estende por outros países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai. “Por isso é fundamental a realização de estudos filogenéticos e filogeográficos como base para a formulação de políticas de conservação da fauna de vertebrados nos campos sulinos”, afirmou.

Da mesma forma, as redes de unidades de conservação atuais estão muito aquém do ideal. Hoje a região conta com 11 unidades de conservação de proteção integral, entre parques e reservas ambientais, os quais cobrem uma área de 1.130 km2. “Isso corresponde a apenas 0,64% da área dos pampas”, ressaltou Martins. Em 2006, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) já havia estabelecido nas Metas Nacionais da Biodiversidade para 2010 o objetivo de proteger 10% dos biomas terrestres em unidades de conservação, com exceção da Amazônia, para a qual o índice é de 30%. Para o biólogo, uma das razões pelas quais os pampas têm sido negligenciados pelas políticas de preservação é o pequeno impacto visual causado pela degradação dos campos. “Quando se perde parte de uma floresta há uma significativa mudança da paisagem. O mesmo não acontece quando se trata dos campos”, comentou.










Conhecer para melhor usar

Para os pesquisadores, apesar de a interferência humana historicamente fazer parte da manutenção da biodiversidade dos campos sulinos, ainda se está longe de alcançar um nível de compreensão que permita manejá-los de forma sustentável, sem comprometer a dinâmica natural da biodiversidade do bioma e a produtividade econômica da região.

É fundamental, ressaltaram, revisar os modelos de gerenciamento dessas unidades de conservação, que impedem o manejo pelo fogo e pelo gado. “Há uma série de estudos que indicam formas sustentáveis de manejo da biodiversidade local que garantem as características dos pampas e o desenvolvimento da pecuária”, afirmou Martins. E completou: “É importante considerar os potenciais da região para outras finalidades, como a produção de energia eólica”.

O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação se estenderá até o mês de novembro e irá tratar dos conceitos, dos desafios e das principais ameaças relacionadas aos seis biomas brasileiros: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlântica e Amazônia, além dos ambientes marinhos e costeiros e da biodiversidade em ambientes antrópicos urbanos e rurais (ver programação aqui). O objetivo é apresentar o estado da arte do conhecimento científico gerado no âmbito do Biota-FAPESP ao longo de seus 13 anos, em linguagem acessível para públicos diversos, de modo a melhorar a qualidade da educação científica e ambiental de professores e alunos do ensino médio do país.

Mutação gera padrão em espiral no pelo de gatos e guepardos

Pelagem dos felinos é definida por alteração genética antes de o animal nascer
ISIS NÓBILE DINIZ | Edição Online 23:33 20 de setembro de 2012
Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

© GREG BARSH / RESERVA ANN VAN DYK
Mutação determina diferença entre guepardo pintado (esquerda) e sua versão real.

Por que alguns gatos de estimação têm manchas escuras em forma de espiral no corpo, no lugar das listras comuns? Mutações em um único gene, o Taqpep, estão por trás da desorganização do padrão da pelagem dos bichanos e também do felino guepardo, segundo estudo publicado na Science sexta-feira (21). Essa alteração genética define o guepardo real, caracterizado por manchas semelhantes às dos gatos com mutação.

O trabalho realizado por uma equipe internacional de pesquisadores poderá ajudar a desvendar como as características físicas evoluem nos felinos.

O gene chamado Taqpep, que regula esses padrões de cor no corpo de ambos os felinos, se manifesta – com ou sem mutação – quando o animal ainda está no útero. É aí que o padrão da pelagem começa a se formar. Depois, o gene Edn3 controla a cor do pelo, provavelmente também antes de o animal nascer. Ou seja, o Edn3 induz a produção de pigmento escuro (manchas, pintas e listras) nas áreas preestabelecidas pelo gene Taqpep.

“Até agora, não se conhecia o mecanismo por trás da formação de pintas e listras dos mamíferos”, conta Eduardo Eizirik, um dos autores do estudo e geneticista da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “O principal modelo estudado era em camundongos, mas eles não têm listras ou outros tipos de manchas padronizadas”, completa.

De acordo com Eizirik, manter e cruzar grandes animais selvagens listrados ou pintados, como zebras ou girafas, é uma das dificuldades desse tipo de estudo. “O gato pode ser um excelente modelo nesse caso”, afirma o geneticista. Para chegar a esse resultado, foram necessários mais de dez anos de trabalhos cruzando gatos, investigando a genética desses animais e comparando com o que observavam em camundongos e outros organismos.

O achado abre caminho para, futuramente, entender com mais detalhe como essas mudanças ocorrem no nível molecular, bem como os processos evolutivos que influenciam a sua formação. “Ainda não se sabe ao certo por que os animais têm cores diferentes e quais as vantagens e desvantagens dos tipos de pelagem”, explica Eizirik. Do ponto de vista evolutivo, o estudo poderá permitir a verificação de como as listras ou manchas, importantes para camuflagem no ambiente, podem favorecer ou desfavorecer a adaptação das espécies.

A partir desses resultados, os pesquisadores criaram um modelo para tentar explicar o desenvolvimento dos padrões de pelagem e cor de gatos domésticos e selvagens, que deve ser usado para investigar o que altera o tamanho das marcas tigradas durante o crescimento dos animais.

As raposas da América

Desmatamento promove encontro entre espécies distintas e propicia surgimento de híbridos
MARIA GUIMARÃES | ED. 247 | SETEMBRO 2016
Email this to someoneTweet about this on TwitterShare on Google+Share on FacebookShare on LinkedIn

© CINTIA POSSAS
...e raposinha-do-cerrado procriam no estado de São Paulo
Raposinha-do-cerrado (foto) procria com graxaim-do-campo no estado de São Paulo.

Com espécies distribuídas em todos os continentes, exceto o antártico, as raposas não gozam de muita popularidade no Brasil. Não que tenham má fama: na verdade sua existência quase passa despercebida, apesar de serem vítimas frequentes de atropelamento em estradas. Mesmo os biólogos não costumam lhes dar atenção, mas o grupo do geneticista Eduardo Eizirik, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), começou a reconstruir a história da diversificação desses animais na América do Sul e indica como alterações no ambiente podem afetar geneticamente essas espécies – embora seja incerto que isso cause problemas aos animais.

De acordo com artigo publicado na edição de julho/setembro da revista Genetics and Molecular Biology, a raposinha-do-cerrado (Lycalopex vetulus) foi a primeira espécie desse grupo de canídeos a divergir evolutivamente das linhagens norte-americanas, entre 1 milhão e 1,3 milhão de anos atrás, depois que um ancestral comum atravessou o istmo do Panamá rumo ao sul. Entre as oito espécies de raposas sul-americanas, essa é a única restrita ao Brasil, habitante de toda a extensão do Cerrado e por isso afeita a paisagens abertas.

As análises realizadas pela geneticista Ligia Tchaicka como parte do doutorado orientado por Thales de Freitas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e coorientado por Eizirik, mostram que o surgimento e a diversificação do gênero Lycalopex aconteceram já na América do Sul.
A conclusão se encaixa na hipótese desenvolvida por outros grupos de que uma elevação no nível do mar teria separado a América do Sul em duas partes durante o Pleistoceno. A divisão teria deixado um grupo no leste brasileiro, que deu origem à raposinha-do-cerrado, e outro ocidental, que se expandiu até a região dos Andes e ali se diversificou, dando origem às outras espécies.

Híbridos
 
Ao comparar o material genético de cinco espécies de raposas da América do Sul, Ligia, hoje professora na Universidade Estadual do Maranhão (Uema), notou outro enigma: alguns indivíduos que haviam sido classificados como graxaim-do-campo (L. gymnocercus) – típico da região Sul brasileira, além de Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia – tinham o DNA mitocondrial (recebido apenas da mãe) mais aparentado à raposa-cinzenta-argentina, L. griseus, amplamente distribuída no Chile e na Argentina – nas duas vertentes dos Andes, portanto. Uma explicação possível seria que essas raposas fossem na verdade híbridas, uma conclusão surpreendente já que, apesar de haver sobreposição entre as distribuições das duas espécies, não há registros de locais onde ambas existam.

Estudos mais recentes, ainda não publicados, apontaram outro foco de hibridização, desta vez entre o graxaim-do-campo e a raposinha-do-cerrado, em São Paulo. “Com o desaparecimento gradual da Mata Atlântica, a raposa vai ocupando áreas abertas e expandindo sua distribuição para fora do domínio do Cerrado”, explica o geneticista. “Já havíamos imaginado a possibilidade de que ela poderia acabar se encontrando com o graxaim-do-campo.” A formação de híbridos não é novidade para ele, que já encontrou resultados semelhantes em gatos-do-mato (ver Pesquisa FAPESP nº 159).
É exatamente o que vem mostrando o trabalho do biólogo Fabricio Garcez durante o mestrado e agora o doutorado, em andamento no laboratório de Eizirik, na PUC-RS. Alguns animais com aparência de L. vetulus têm o DNA mitocondrial de L. gymnocercus, uma mistura corroborada por marcadores no material genético nuclear, que cada animal recebe tanto do pai quanto da mãe. Garcez agora está fazendo análises genômicas, com resultados preliminares que indicam que todas as raposas paulistas amostradas até o momento combinam material genético das duas espécies. Os resultados também sugerem que ao menos alguns desses animais já não eram da primeira geração mestiça. Sinal de que os híbridos, nesse caso, são ao menos parcialmente férteis.

“Estamos vendo que o DNA de L. gymnocercus está invadindo mais as populações de L. vetulus do que o contrário”, conta o professor da PUC. É uma hibridação muito provavelmente causada pelas alterações resultantes da ocupação humana, o que lhe causa preocupação. “Ainda não sabemos se esse processo causará mudanças genéticas profundas que possam afetar a existência da espécie”, reflete Eizirik, que apresentou essas descobertas no simpósio sobre os 20 anos da genética da conservação no Brasil no congresso da Sociedade Brasileira de Genética ocorrido este mês em Caxambu, Minas Gerais.

Para ampliar os estudos e aprofundar o entendimento genético do que está acontecendo com essas raposas, Eizirik defende que o ideal seria a formação de uma rede – tanto de pesquisadores como de cidadãos não ligados à esfera acadêmica – que pudesse coletar e compartilhar informações, fotografias e até amostras de material biológico adquiridas de animais atropelados (os doadores involuntários mais frequentes de material genético), assim como dados obtidos em expedições de campo e animais mantidos em cativeiro.
Artigo científico
TCHAICKA, L. et al. Molecular assessment of the phylogeny and biogeography of a recently diversified endemic group of South American canids (Mammalia: Carnivora: Canidae). Genetics and Molecular Biology. v. 39, n. 3, p. 442-51. jul./set. 2016.