terça-feira, 29 de agosto de 2017

Tamanduá-bandeira pode acabar no Cerrado do Estado de SP
Estudo inédito da Unesp avalia quantidade e ameaça de extinção
Maristela Garmes
28/08/2017
Ttamanduá-bandeira no Cerrado paulista.
 
Sabe o tamanduá-bandeira, aquele bicho com cara de simpático, que tem uma língua grande, e que se alimenta de formigas e cupins?  No Estado de São Paulo ele é “vulnerável” à ameaça de extinção, ou seja, ao menos 30% da população deste mamífero foi perdida nos últimos dez anos. Os motivos? Perda e alteração do seu habitat, atropelamentos, caça, queimada, conflitos com cães e uso de agrotóxico.

Os impactos da ação humana aumentam a vulnerabilidade da espécie e elevam o nível de ameaça”, diz a bióloga Alessandra Bertassoni, que realizou uma pesquisa na Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB), próxima à cidade de Avaré, interior de São Paulo. Segundo ela, no pior dos cenários, com a continuação dos casos de atropelamento, de caça e de queimada na mata, “a possibilidade da população sobreviver cai para 20 anos. Se o fogo utilizado nas queimadas for suprimido, a viabilidade será de 30 anos”.  

Esta estimativa só foi possível porque a bióloga trabalhou com o reconhecimento individual de oito tamanduás-bandeira e avaliou a quantidade destes animais existente na EESB, uma vez que não havia nenhuma estimativa do tamanho populacional para a espécie no Estado de São Paulo. A Estação é uma das maiores unidades de conservação do Cerrado paulista.

A tese de doutorado foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce), Câmpus da Unesp em São José do Rio Preto, em junho deste ano.    

Para fazer o monitoramento dos tamanduás-bandeiras, Alessandra utilizou o GPS (Global Positioning System), em oito animais, por aproximadamente 91 dias. O aparelho possibilitou o controle em vida livre destes mamíferos, revelando o tamanho da área utilizada por eles; o compartilhamento do espaço geográfico; a forma como interagem; e as áreas preferencialmente usadas ou até mesmo subutilizadas pela espécie.  

Alessandra conta que as fêmeas monitoradas pelo GPS apresentaram um comportamento mais restrito, com áreas de mobilidade menores que as dos machos, utilizando somente os habitats dentro dos limites da área protegida.

Já os machos, tiveram um comportamento mais exploratório, atravessaram estradas e passaram dias fora da Estação, principalmente na área de reserva legal das propriedades vizinhas, em meio ao cultivo de cana-de-açúcar e pastagens. “Este comportamento pode ser positivo do ponto de vista genético, porém aumenta a probabilidade de atropelamento, conflito com seres humanos e cães, além de expor os animais a intoxicações, dado o uso de agrotóxico nos cultivos vizinhos”, explica.

Se os machos têm predisposição para explorar, apenas uma das fêmeas monitoradas apresentou localizações fora da área protegida. Porém, em 10 dias de acompanhamento, ela sumiu, indicando um episódio de caça dentro da Estação, o que mostra a vulnerabilidade tanto da área protegida quanto das populações de animais silvestres residentes na região.   

Outro ponto revelado pela pesquisa foi que os animais selecionaram as áreas de savana (habitat típico de Cerrado) para suas andanças e moradia, muito mais do que o esperado, subutilizando os plantios de pinus e eucaliptos. “Possivelmente estes animais são incapazes de persistir em habitats compostos só por ambientes alterados pelo homem como plantio madeireiro, pastagens e monoculturas, dado à dependência por áreas nativas (savanas) e a subutilização de áreas de plantios”.

Selfies no Cerrado
Uma outra forma de trabalho utilizada por Alessandra para descobrir se era possível identificar tamanduás-bandeira por padrões de pelagem foi por meio do uso de armadilhas fotográficas. O reconhecimento individual desses mamíferos é tido como extremamente difícil, uma vez que, a primeira vista, todos os animais parecem idênticos.  

Segundo a pesquisadora, “as capturas são especialmente úteis quando é possível a identificação dos indivíduos fotografados”. Ela selecionou um conjunto de características do padrão de pelagem e apresentou variação individual para os nove tamanduás fotografados. “Apesar de alguns cientistas se referirem à possibilidade de identificação individual, nenhum estudo havia se utilizado deste padrão para acessar informações populacionais.

Para avaliar a proximidade entre os tamanduás, Alessandra utilizou, além do GPS, recursos das armadilhas fotográficas. De acordo com ela, dois pares de macho e de fêmea estiveram próximos em várias ocasiões, indicando um possível comportamento reprodutivo. Nenhuma fêmea monitorada com GPS apresentou prenhez, mas os registros das armadilhas mostraram fêmeas com filhotes, apontando reprodução na região. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora em quase dois anos de campo.

Alessandra é bióloga e mestre pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Trabalha atualmente no Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás do Brasil, ONG conhecida como Projeto Tamanduá. Em janeiro deste ano, ela publicou, com outros autores, o artigo Movement patterns and space use of the first giant anteater (Myrmecophaga tridactyla) monitored in São Paulo State, Brazil, na revista científica Studies on Neotropical Fauna and Environment, do grupo Taylor & Francis, da Inglaterra.

Também é assinada por ela e outros pesquisadores a matéria intitulada Tamanduás, Tatus e Preguiças são parentes?, publicada em novembro de 2016, pela revista Ciência Hoje das Crianças.  

A tese teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) e integra um projeto que conta com outros objetivos como, avaliação do perfil genético, toxicológico e parasitológico da espécie na área de estudo.


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