quarta-feira, 25 de abril de 2018

Biodiversidade Congelada

Aprimoramento de técnicas de identificação e criopreservação de microalgas representam avanços na conservação ex-situ.
Xanthidium é uma alga verde Streptophyta. Foto: Luiz Sartori.

Produtoras nas cadeias alimentares aquáticas, fornecedoras de oxigênio, potencial fonte de energia limpa. Estes são alguns dos papeis desempenhados pelas discretas e indispensáveis microalgas. Para se estudar estes organismos é fundamental uma bem estruturada catalogação e manutenção destes organismos em coleções ex-situ.

As algas são importantes para o equilíbrio ecológico dos ecossistemas aquáticos, pois ocupam a base da cadeia alimentar dos lagos e oceanos. A maioria das algas são organismos unicelulares, as chamadas microalgas. Seu tamanho pode variar de alguns a poucas centenas de micrômetros e podem estar associadas em colônias, por vezes de grandes dimensões. São grandes fornecedoras de gás oxigênio que abastece a vida aeróbia no planeta.

Na atmosfera ou dissolvido na água, esse gás se origina principalmente da atividade fotossintetizante das algas marinhas e de água doce.

Mais recentemente, o biodiesel de algas vem despertando o interesse como uma alternativa energética, pois além de serem renováveis, as algas têm grande produtividade e não competem no campo com a produção de alimentos. O biocombustível de microalgas tem vantagens importantes. Diferentemente de outras matérias-primas de fontes renováveis – como cana-de-açúcar, soja e milho – as algas não demandam tanta água e grandes áreas para a sua produção.

Por todas estas razões, a organização do conhecimento acerca das algas é um passo primordial para os avanços na ficologia. A Coleção de Culturas de Microalgas de Água Doce da Universidade Federal de São Carlos, fundada em meados de 1977, destaca-se por ser uma das maiores do país, em termos de tamanho e diversidade.

Em 2011 seu acervo alcançou cerca de 450 cepas em cultivo ativo (algas vivas), todas unialgais e várias axênicas (sem crescimento de bactérias, fungos ou qualquer outro organismo que não seja alga). Atualmente a coleção ocupa uma área de aproximadamente 32 m2, o que pode ser considerada grande, pois cada espécie é mantida em um tubo de ensaio (em triplicata).

A coleção é a única no país que mantém também tecnologia e expertise para manter espécies congeladas em nitrogênio líquido. “Nos últimos anos a procura pelas microalgas aumentou consideravelmente devido aos estudos para obtenção de compostos de interesse econômico como biodiesel, ácidos graxos poli-insaturados, alimentação de animais com interesse econômico e até mesmo para humanos.

 Além disso, fornecemos inóculos para bioensaios de tintas, algicidas para piscinas e outros”, complementa Dr. Armando Augusto Henriques Vieira, ex-curador e fundador da coleção e coordenador do projeto Temático do Biota/Fapesp dedicado ao estudo das microalgas.
Banco de Culturas de Microalgas fisiologicamente ativas (salas de cultivo). Foto: Armando Augusto Henriques Vieira.


Entretanto, a manutenção de cultivos fisiologicamente ativos tem certas desvantagens. As mais contundentes são os custos e a maior probabilidade de contaminações com fungos e bactérias. Com o aumento do acervo, a demanda de recursos igualmente aumenta. Portanto, a necessidade de apoio institucional por meio de pessoal técnico especializado e insumos torna-se um gargalo. “A repicagem (ressemeadura) das cepas deve ser feito em média a cada trinta dias.

O processo de repicagem representa um passo crítico para contaminações, pois a vidraria de cultivo deve ser aberta e se introduz pipetas para coleta das células. Outra grande desvantagem é a grande possibilidade de perda das cepas nesse tipo de cultivo” explica Dr. Vieira. Neste sentido, as técnicas de congelamento de microalagas (-186º C) representam um avanço para este tipo de acervo na medida em que reduzem os riscos de contaminação e os custos de manutenção. “O congelamento por nitrogênio mantém a viabilidade da cepa que, teoricamente, pode ser por dezenas ou até centenas de anos sem necessidade de repicagens”. Entretanto, no caso das algas, cada espécie ou conjuntos de espécies, necessita de um protocolo próprio, que deve ser cuidadosamente pesquisado, uma vez que espécies muito próximas podem necessitar de protocolos diferentes.

O projeto Biodiversidade de microalgas de água doce: banco de germoplasma e obtenção de marcadores moleculares das espécies criopreservadas é um dos projetos temáticos que integram o Programa Biota/Fapesp. O projeto de pesquisa focou no aprimoramento de técnicas de criopreservação de algas definindo protocolos de congelamento para cada espécie, com prioridade para aquelas que se mostraram aptas para a produção de compostos com interesse econômico.

Além disso, o projeto buscou ampliar e identificar o acervo da coleção de culturas e para isso, coletou em 320 pontos distribuídos nas 22 bacias hidrográficas do Estado de São Paulo. Outro aspecto da pesquisa foi avançar na identificação das espécies de microalga por meio de técnicas de DNA barcoding. “Devido ao fato da maioria das microalgas de água doce não terem reprodução sexuada, terem pouca diversidade morfológica, terem ocorrência de espécies crípticas e muitas delas serem de tamanhos reduzidos, a identificação ao microscópio baseada na morfologia é extremamente difícil, o que levou a identificações discordantes atualmente descritas na literatura”, explica Dr. Armando Vieira. A família Selenastraceae foi uma das escolhidas, dada sua filogenia ainda bastante controversa, para modelo de aplicação das várias técnicas de identificação a serem testadas, como a diversidade específica de ácidos graxos e polissacarídeos extracelulares, análise de imagens digitalizadas e análises da composição orgânica por técnicas de FTIR.
Congelador de taxa variada, do laboratório de congelamento. Foto: Letícia Piton Tessarolli.

O grupo de pesquisadores do projeto também desenvolveu trabalhos de prospecção em cerca de quatrocentas espécies de microalgas propícias à produção de biodiesel. Cerca de 20 espécies apresentaram alta produtividade de óleo, das quais pelo menos duas produzem mais óleo do que a soja, a principal matéria-prima do biodiesel brasileiro. Estas algas promissoras como biocombustível estão sendo trabalhadas em parceria com o LAMES (Laboratório de Métodos de Extração e Separação), grupo de pesquisa da Universidade de Goiás especializado nesta temática.


O Projeto Temático produziu nos últimos seis anos, sete teses de Doutorado, duas de Mestrado, além de cinco Doutorados em andamento. Foram descritas cinco espécies novas, um gênero, uma família nova e provavelmente uma nova ordem. Foram publicados oito artigos até o momento e vários outros estão em produção. “Estamos mantendo amostras de DNA de cada um dos pontos amostrados no Estado de São Paulo para posteriores trabalhos a serem coordenados pela Dra. Inessa Lacativa, atual curadora da coleção de culturas. Foi iniciado um ‘banco’ do gene 16S para subsidiar pesquisas com microalgas e bactérias em trabalhos com metagenômica de reservatórios e lagos. Desenvolvemos protocolos de congelamento/descongelamento de microalgas e de trabalhos com quimiotaxonomia. Além disso, em parceria com outros projetos Biota também analisaremos a comunidade bacteriana, por meio e sequenciamento massivo, nos lagos amostrados para fitoplâncton neste projeto”, complementa Dr. Vieira.

As instituições que colaboraram com a pesquisa foram Universidade de Goiás; Instituto de Botânica-SP, Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (São Carlos); Universidade de Uppsala (Suécia); Universidade de Oslo (Noruega); Universidade de Duisbur-Essen (Alemanha); Memorial University of Newfoundland (Canadá).
Pediastrum é uma
alga verde colonial (formada por várias células) da família Hydrodictyaceae. Foto: Luiz Sartori.

Conservação ex situ

Dentre as várias facetas da conservação da biodiversidade e sua variabilidade genética, existe a conservação ex-situ que pode ser definida como a preservação da diversidade biológica fora do seu hábitat natural. As principais práticas são: bancos de germoplasma (microalgas, partes vegetais, sêmen, oócitos, embriões, etc.); reprodução em cativeiro por meios naturais ou artificiais (inseminação artificial, transferência de embriões, clonagem etc.); manutenção de populações cativas em zoológicos, aquários, jardins botânicos, entre outros.

Estas estratégias de conservação dos recursos genéticos de uma espécie desempenham um importante papel tanto para a pesquisa e educação ambiental, quanto para a reintrodução de espécies em riscos críticos de extinção ou sob risco de desaparecimento frente a eventos estocásticos, catástrofes ambientais ou perda de variabilidade genética.
As principais características da conservação ex-situ são:
  • preservar genes por séculos;
  • permitir que em apenas um local seja reunido material genético de muitas procedências, facilitando o trabalho do melhoramento genético;
  • garantir melhor proteção à diversidade intraespecífica, especialmente de espécies de ampla distribuição geográfica.
Este tipo de conservação, entretanto, implica na suspensão dos processos evolutivos, além de depender de ações permanentes do homem para sua manutenção e proteção, já que concentrar grandes quantidades de material genético em um mesmo local, torna a coleção particularmente vulnerável.
Leia mais no artigo “Estabelecimento de um biobanco criopreservado para a Coleção de Culturas de Microalgas de Água-Doce (CCMA-UFSCar), São Paulo, Brasil“, por Leticia Piton Tessarolli, John Godfrey Day, Armando Augusto Henriques Vieira.


Por Paula Drummond de Castro
About the Author
Paula Drummond de Castro é bióloga, mestre e doutora em Política Científica e Tecnológica. Desenvolve sua linha de pesquisa em gestão e planejamento de ciência, tecnologia e inovação com ênfase em conservação, recuperação e uso sustentável da biodiversidade. Também é editora do Biota Highlights.

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