Estudando o Passado |
Paleontologia, “o estudo da vida antiga”
Depois de explicar pacientemente o que eu faço e ressaltar a clara (para mim) diferença entre Arqueologia (Indiana Jones!) e a Paleontologia, eu normalmente aguardo pela próxima reação: “Mas para que serve estudar o que já morreu?”. Essa pergunta geralmente vem acompanhada de um tom de deboche*
Por maior que seja meu aborrecimento, eu
entendo que esse é um questionamento comum para quem não está acostumado
com o universo da ciência ou que está por demasiado inserido na
filosofia da vida prática/cotidiana. Até mesmo alguns cientistas se
atrapalham e negam o valor da ciência base! Tendo isso em vista,
considerei importante elaborar este post para discorrer sobre alguns pontos e esclarecer essa questão:
- O que estuda a Paleontologia?
Para começar a Paleontologia não estuda só dinossauros, como
já ressaltei diversas vezes aqui no blog. Apesar dos “lagartos
terríveis” serem a vedete da nossa Ciência, a Paleontologia estuda tudo
o que está relacionado com a vida antiga. Desde seres microscópicos e
seus rastros químicos, até organismos macroscópicos e sua organização em
ecossistemas. Isso, sem esquecer dos estudos de biomecânica, de
interpretação de paleoambientes, de eventos de extinção, de
paleopatologias, de estratigrafia, de sistemática e evolução, de
mudanças climáticas, de biogeografia…. etc.
- Olhar para o passado, na verdade, é vislumbrar o futuro
Estudar o passado tem tudo a ver com a
nossa vida. Não é possível entender “de onde viemos” se não olharmos
para trás. São os eventos do passado que determinam o que somos hoje.
As leis da física que regem o nosso
planeta foram essencialmente as mesmas. Procurar compreender o que já
aconteceu é uma forma de compreender o que vai acontecer.
As respostas biológicas, dadas algumas restrições, também seguem essa regra, e a Paleontologia procura entender isso ao longo do tempo:
A diferença da Paleontologia e da Biologia é o seu nível de resolução temporal. A Paleontolgoia pega emprestada a dimensão do tempo profundo
de sua ciência mãe, a Geologia. Em uma perspectiva quadri-dimensional,
diversas respostas emergem com maior facilidade. Assim torna-se possível
avaliar mais criticamente questões como: “Como surgem as espécies?”, “Como elas desaparecem?”, “Como elas se adaptam?”, “Como evoluem?” ou “Como se comportam em momentos de crise?”. Entender esses processos nos coloca em foco com a história da vida na Terra.
Qualquer avaliação tomada a partir do restrito limite temporal humano seria uma grande tolice.
- Ciência de Base
Para muitos, as justificativas que forneço não passam de meros devaneios filosóficos. Afinal, não estou curando nenhuma doença e nem produzindo computadores novos.
- Então é perda de tempo e dinheiro investir nessa área?
Não, de forma alguma. Muito pelo contrário, esse é um investimento absolutamente seguro, mas tem uma resposta a longo prazo.
A ciência que não produz um benefício imediato para sociedade, como é o caso da maior parte dos estudos paleontológicos, pode ser chamada de ‘ciência de base’. A ciência de base não é menos importante que a ‘ciência aplicada’.
Na verdade, esta última se apoia absolutamente no que produziu a
primeira.
O problema é que isso nem sempre fica tão claro…: Veja, por
exemplo, o trabalho de Gregor Mendel.
Quem diria que seu estudo sobre ervilhas fosse a base da engenharia
genética atual? É importante lembrar que ciência se constrói uma peça por vez.
Até que pudéssemos chegar ao ponto de compreender tão bem o nosso
genoma, à que pudessemos manipulá-lo, muitas pesquisas tiveram que ser
realizadas: tanto com coloração de ervilhas, como com mutações em
moscas-da-fruta e o tipo de pelagem em coelhos.
A teoria da evolução de Darwin, por
exemplo, se apoiou em muitos estudos paleontológicos. Assim como os
atuais modelos de deriva continental, de evolução climática, de extinção
de espécies, entre outros.
É muito difícil chegar à resposta
essencial para tudo de uma só vez. Os estudos devem ser feitos com tal
resolução que possam ser testados criteriosamente e, se somados todos, possam produzir o retrato mais próximo da realidade. A ciência precisa de tempo
e sua ‘aplicabilidade’ sempre se apoia em ombros de gigantes. Pense
neste processo em como construir um muro: cada tijolo deve ser colocado
um de cada vez.
- A Paleontologia Aplicada
É claro que existe também um lado diretamente aplicável da Paleontologia.
Algumas indústrias petrolíferas da
atualidade utilizam essa ciência como ferramenta para buscar o seu ouro
negro. Nessa área, o conhecimento paleontológico pode ser entendido como
diretamente aplicável e é absolutamente rentável para o paleontólogo (Sim! É possível ganhar dinheiro com a Paleontologia! Oh!).
O petróleo, como resíduo orgânico, é
originado dos restos de organismos que morreram há muito tempo atrás.
Ele é produzido em condições específicas e geralmente está associado a
determinados paleo-ambientes. O que o paleontólogo faz é procurar pistas
desses paleo-ambientes por meio dos fósseis de microorganismos ou
rastros de suas atividades.
- O Verdadeiro valor da Ciência
A ciência é um produto social, criado para beneficiar a sociedade e aliviar as misérias humanas.
Nesse cenário, a Paleontologia vem ajudar a responder algumas das questões mais fundamentais: “De onde viemos?” e “Para onde vamos?”.
A nossa história está associada a de cada organismo que já viveu e entendê-los é como buscar entender a nós mesmos. Cada um deles tem uma história para contar e desvendar seus mistérios é acumular sabedoria para saber como agir no futuro.
Olhar para o passado biológico nos faz
entender a origem de nossas limitações e a natureza de nossas vantagens –
assim como as de outros organismos. O mundo funciona como um grande
ciclo: espécies vêm e vão. Banidas por eventos catastróficos, alvo de
suas próprias atividades, alvo da ironia do azar ou, pressionadas,
evoluem como sucateiros desesperados. Vislumbrar esses processos nos faz
refletir sobre a existência humana e o impacto de nossas atitudes.
Fazemos parte do mundo natural e só na perspectiva geológica podemos
enxergar a nossa verdadeira pequenez e fragilidade, apesar de tudo que
construímos.
A lição da Paleontologia é aprender a
ouvir os mortos. Os ossos falam e tem muita história para contar. Eles,
que já se foram, podem nos revelar o mistério sobre o nosso próprio
propósito (ou despropósito), além de serem modestos profetas sobre o
futuro que nos espera.
Com cada mistério revelado, afastamos um
pouco a névoa do nosso caminho e assim podemos enxergar direito os
nossos objetivos. Olhar para o passado não é tão ruim afinal, é acender
uma lanterna no escuro: é ouvir a voz da sabedoria.
Sou cientista. Sou *paleontólogo*. E com muito orgulho, obrigado!
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