Gás de xisto: revolução ou insanidade?
Jean Remy Guimarães trata, na coluna de junho, da nova fonte
terrestre de gás natural que faz sucesso nos Estados Unidos e começa a
ser cobiçada no Brasil. O biólogo aponta dados que mostram o perigo
dessa fonte de energia para o meio ambiente e a saúde humana.
Publicado em 21/06/2013
|
Atualizado em 21/06/2013
Planta de produção de gás de xisto em Jackson Township, na
Pensilvânia (EUA). O gás, apesar dos efeitos nocivos, tem sido
apresentado como a nova fronteira energética e salvador da economia
norte-americana. (foto: wcn247/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
Como comentado na coluna anterior,
está em curso no Brasil uma ofensiva midiática para pavimentar o
caminho dessa nova fonte terrestre de gás natural, apresentada como a
nova fronteira energética, a cavalaria que salvou a tempo a economia
norte-americana, reduzindo o custo da energia, diminuindo a dependência
externa do país, reduzindo o apoio a regimes que apoiam o terrorismo. Em
suma, um combustível que, além de novo, seria também politicamente
correto.
Parece bom demais para ser verdade. Como descrito mês passado, extrair esse gás exige a injeção de milhões de galões de água em cada poço. O gasto de água já é em si preocupante, mas pior é o fato de a água injetada conter centenas de produtos químicos, alguns de composição protegida pelo manto do segredo industrial, que visam facilitar o processo: dispersantes, agentes antimicrobianos, anticorrosivos, géis diversos e muitos etc. etc.
A indústria de gás norte-americana obteve da corte suprema a sua isenção do Safe Drinking Water Act em manobras iniciadas na administração Bush, em 2005. Isto liberou a indústria de revelar a composição de seus fluidos de perfuração e desobrigou a administração federal de monitorar os impactos ambientais da atividade.
As principais críticas de moradores, cientistas e ambientalistas a essa atividade é a contaminação da água subterrânea, traduzida na presença de lama, metais pesados e hidrocarbonetos na água dos poços e córregos locais e, portanto, nas torneiras. Em algumas casas próximas a áreas de perfuração nos EUA, a água da torneira contém tanto metano que é inflamável, como documentado no imperdível filme Gasland, de Josh Fox.
Em maio de 2010, o Conselho dos Presidentes de Sociedades
Científicas, entidade que congrega cerca de 1,4 milhão de cientistas,
alertava em carta ao presidente Obama que a política nacional de
incentivo ao gás de xisto seria temerária, na falta de maior embasamento
científico, e que a atividade poderia ter um impacto no aquecimento
global bem maior do que anteriormente estimado.
De fato, em fins de 2010, a Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana, em seu relatório de atualização sobre as emissões de gases de efeito estufa da indústria de óleo e gás local concluía que a extração de gás de xisto emite mais metano que aquela de gás convencional.
No ano seguinte, um estudo publicado na Climatic Change Letters, previsível e vigorosamente contestado pela indústria, aponta que a produção de eletricidade com gás de xisto emite tanto ou mais gases de efeito estufa ao longo de seu ciclo produtivo quanto àquela baseada em gás ou carvão.
Ai, essa doeu! Carvão, o combustível mais sujo que a humanidade já
usou? Vai ver, então, que chamar isso de revolução energética é, no
fundo, uma homenagem à revolução industrial, em que a humanidade
descobriu o custo ambiental do desenvolvimento, em cidades sufocadas
pela fuligem.
Pesam ainda sobre a atividade a suspeita de ter culpa no cartório no aumento significativo na frequência de tremores de intensidade igual ou superior a 3 na escala Richter na região central do continente norte-americano. O serviço geológico dos Estados Unidos, coletando dados desde 2001, concluiu que a atividade sísmica na região, em 2011, seria seis vezes superior à média do século 20.
Um pesquisador do Centro para Pesquisa e Informação sobre Terremotos dos EUA, da Universidade de Memphis, opina que a injeção de água em falhas geológicas tende a causar sismos devido ao escorregamento das mesmas. Há pelo menos um caso de sismo inequivocamente relacionado à extração de gás de xisto, no noroeste da Inglaterra, em 2011. Ele levou a empresa Cuadrilla Resources a suspender todas as suas operações. Quadrilha Recursos? Não podia mesmo dar certo.
Apesar desse retrospecto para lá de suspeito, o Brasil está tratando o gás de xisto com muito carinho, partindo talvez da premissa de que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Resta saber se ele é mesmo bom para os Estados Unidos e, em caso positivo, para quem nos Estados Unidos.
Apesar disto, os felizardos que arrematarem lotes nos leilões de blocos terrestres para exploração no Brasil deverão, por cláusula contratual, dimensionar as reservas de gás de xisto nos mesmos.
Já disse aqui mês passado e repito hoje: injetar um coquetel químico de composição não revelada em camadas de solo que contêm reservas geológicas de água potável acumuladas ao longo de milhões de anos para gerar mais gases de efeito estufa por uns míseros 20 anos é uma ofensa ao bom senso, à sustentabilidade, à racionalidade e à razoabilidade. Lembra vagamente do princípio de precaução, trazido à tona na saudosa Rio 92? Pois pode esquecer de novo, ele foi morto e muito bem enterrado.
Jean Remy Davée GuimarãesInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
P.S: A maioria das informações deste texto foi obtida na Wikipedia. Queda de padrão de qualidade da coluna? Pura provocação? Acertou quem acha que é provocação. A ideia é mostrar que os nós dessa questão estão claramente expostos em uma base de acesso irrestrito, sim, que por isso mesmo não está imune à infiltração por interesses corporativos. Portanto, se ainda assim a Wikipedia diz que algo pode ser incerto e perigoso, é porque deve ser mesmo.
No Google a busca por 'shale gas and economy' devolve quase 30 milhões de resultados e a por 'shale gas and US economy', 28 milhões. Interessante. Já a busca por 'shale gas and water contamination' gera apenas 566.000 resultados e, por 'shale gas and groundwater contamination', só 194.000. Isto talvez dê uma medida da importância relativa da economia e das considerações ambientais.
Parece bom demais para ser verdade. Como descrito mês passado, extrair esse gás exige a injeção de milhões de galões de água em cada poço. O gasto de água já é em si preocupante, mas pior é o fato de a água injetada conter centenas de produtos químicos, alguns de composição protegida pelo manto do segredo industrial, que visam facilitar o processo: dispersantes, agentes antimicrobianos, anticorrosivos, géis diversos e muitos etc. etc.
A indústria de gás norte-americana obteve da corte suprema a sua isenção do Safe Drinking Water Act em manobras iniciadas na administração Bush, em 2005. Isto liberou a indústria de revelar a composição de seus fluidos de perfuração e desobrigou a administração federal de monitorar os impactos ambientais da atividade.
As principais críticas de moradores, cientistas e ambientalistas a essa atividade é a contaminação da água subterrânea, traduzida na presença de lama, metais pesados e hidrocarbonetos na água dos poços e córregos locais e, portanto, nas torneiras. Em algumas casas próximas a áreas de perfuração nos EUA, a água da torneira contém tanto metano que é inflamável, como documentado no imperdível filme Gasland, de Josh Fox.
Emissões e tremores
Em maio de 2010, o Conselho dos Presidentes de Sociedades
Científicas, entidade que congrega cerca de 1,4 milhão de cientistas,
alertava em carta ao presidente Obama que a política nacional de
incentivo ao gás de xisto seria temerária, na falta de maior embasamento
científico, e que a atividade poderia ter um impacto no aquecimento
global bem maior do que anteriormente estimado.De fato, em fins de 2010, a Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana, em seu relatório de atualização sobre as emissões de gases de efeito estufa da indústria de óleo e gás local concluía que a extração de gás de xisto emite mais metano que aquela de gás convencional.
No ano seguinte, um estudo publicado na Climatic Change Letters, previsível e vigorosamente contestado pela indústria, aponta que a produção de eletricidade com gás de xisto emite tanto ou mais gases de efeito estufa ao longo de seu ciclo produtivo quanto àquela baseada em gás ou carvão.
Estudo aponta que a produção de
eletricidade com gás de xisto emite tanto ou mais gases de efeito estufa
ao longo de seu ciclo produtivo quanto àquela baseada em gás ou carvão.
Pesam ainda sobre a atividade a suspeita de ter culpa no cartório no aumento significativo na frequência de tremores de intensidade igual ou superior a 3 na escala Richter na região central do continente norte-americano. O serviço geológico dos Estados Unidos, coletando dados desde 2001, concluiu que a atividade sísmica na região, em 2011, seria seis vezes superior à média do século 20.
Um pesquisador do Centro para Pesquisa e Informação sobre Terremotos dos EUA, da Universidade de Memphis, opina que a injeção de água em falhas geológicas tende a causar sismos devido ao escorregamento das mesmas. Há pelo menos um caso de sismo inequivocamente relacionado à extração de gás de xisto, no noroeste da Inglaterra, em 2011. Ele levou a empresa Cuadrilla Resources a suspender todas as suas operações. Quadrilha Recursos? Não podia mesmo dar certo.
Ofensa ao bom senso
A batalha de relatórios, publicações, pressões e desmentidos segue a pleno vapor. Já vimos esse filme, as empresas e seu pesado lobby juram que a presença de hidrocarbonetos na água que antes era potável não tem nada a ver com o início da extração de gás de xisto, mas se furtam a fornecer uma hipótese alternativa para explicar o fato de a água de torneira passar a ter odor repugnante, aspecto idem e gosto… deixa pra lá.Apesar desse retrospecto para lá de suspeito, o Brasil está tratando o gás de xisto com muito carinho, partindo talvez da premissa de que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Resta saber se ele é mesmo bom para os Estados Unidos e, em caso positivo, para quem nos Estados Unidos.
Apesar desse retrospecto para lá de suspeito, o Brasil está tratando o
gás de xisto com muito carinho, partindo talvez da premissa de que o que
é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil
Para os moradores das vizinhanças das áreas de extração, certamente
não é, condenados que estão a beber água fornecida pelas empresas de
gás. Certo, e vacas e galinhas, beberão o quê? O press release não esclarece.Apesar disto, os felizardos que arrematarem lotes nos leilões de blocos terrestres para exploração no Brasil deverão, por cláusula contratual, dimensionar as reservas de gás de xisto nos mesmos.
Já disse aqui mês passado e repito hoje: injetar um coquetel químico de composição não revelada em camadas de solo que contêm reservas geológicas de água potável acumuladas ao longo de milhões de anos para gerar mais gases de efeito estufa por uns míseros 20 anos é uma ofensa ao bom senso, à sustentabilidade, à racionalidade e à razoabilidade. Lembra vagamente do princípio de precaução, trazido à tona na saudosa Rio 92? Pois pode esquecer de novo, ele foi morto e muito bem enterrado.
Jean Remy Davée GuimarãesInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
P.S: A maioria das informações deste texto foi obtida na Wikipedia. Queda de padrão de qualidade da coluna? Pura provocação? Acertou quem acha que é provocação. A ideia é mostrar que os nós dessa questão estão claramente expostos em uma base de acesso irrestrito, sim, que por isso mesmo não está imune à infiltração por interesses corporativos. Portanto, se ainda assim a Wikipedia diz que algo pode ser incerto e perigoso, é porque deve ser mesmo.
No Google a busca por 'shale gas and economy' devolve quase 30 milhões de resultados e a por 'shale gas and US economy', 28 milhões. Interessante. Já a busca por 'shale gas and water contamination' gera apenas 566.000 resultados e, por 'shale gas and groundwater contamination', só 194.000. Isto talvez dê uma medida da importância relativa da economia e das considerações ambientais.
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