7000 mil anos de história - Arqueologia
Os chinchorros vieram dos Andes, descendo os rios da cordilheira até o
mar. Ocuparam os estuários da costa do Pacífico atraídos pela abundância
de peixes, focas, moluscos e pelicanos, e viraram pescadores. A região
em que se fixaram é uma das habitadas há mais tempo na América. "Na
costa chilena há sítios arqueológicos, do complexo cultural
Huentelauquen, com mais de 9 000 anos", disse à nos o professor Virgilio
Schiappacasse, do Museu de História Natural de Santiago do Chile. "Em
sítios andinos como Tojo-Tojone e Patapatane, de 9 400 anos, foram
achados moluscos e ossos de peixe, confirmando o intercâmbio entre as
montanhas e a costa."
Proteção sobrenatural
Os primeiros vestígios dos chinchorros foram descobertos pelo arqueólogo
alemão Max Uhle em 1917. Desde estão, já foram desenterrados 282 corpos
no deserto de Atacama, ao norte do Chile, dos quais 133 preservados
naturalmente e 149 mumificados. Conhece-se ainda muito pouco sobre essa
cultura fúnebre. Segundo o arqueólogo Bernardo Arriaza, da Universidade
de Tarapacá, em Arica, Chile, as sofisticadas técnicas de conservação
dos corpos foram "uma invenção local, melhorada pouco a pouco". Mas o
incrível mesmo é a antiguidade das múmias. A mais velha delas data de
5050 a.C. Ou seja, 2 000 anos antes da mumificação surgir no vale do Rio
Nilo, no Egito.
O embalsamamento exigia um longo trabalho meticuloso (veja quadro na
página ao lado). Os chinchorros, afirma Arriaza, tinham uma relação de
reciprocidade com os mortos, orientada para as necessidades dos vivos.
"Cuidando das múmias, procuravam proteção dos antepassados. Os tempos
eram difíceis. A costa sofria muitos terremotos e maremotos." Esse,
aliás, é o único vínculo entre esses pescadores pré-históricos e os
incas, cujo império se consolidou 3 000 anos depois. Ambos povos
veneravam os cadáveres. "Os mortos faziam parte da sociedade", diz
Arriaza. "Em muitas culturas eles são depositados em lugares distantes
das aldeias. Mas entre os chinchorros e os incas não."
A arqueologia andina deve muito à Companhia de Águas de Arica, no Chile.
Uma instalação de encanamentos no costão de El Morro, na periferia da
cidade, no dia 25 de outubro de 1983, revelou um cemitério inteiro a um
metro de profundidade. Os arqueólogos do Museu Arqueológico San Miguel
de Azapa, da Universidade de Taracapá, tiveram a surpresa de suas vidas.
"Havia 96 corpos", conta Bernardo Arriaza. "A maior parte, múmias
sofisticadas, de períodos distintos, ao longo de 3 500 anos. As múmias
artificiais mais antigas do mundo".
El Morro revelou objetos, anzóis, arpões e lanças que mudaram o
entendimento da pré-história americana. Os objetos mostraram que, ao
contrário do que se supunha, os chinchorros não eram caçadores ou
coletores que migravam por longas distâncias, mas populações estáveis,
assentadas em vilas de pescadores.
A análise do intestino das múmias revelou 3 000 anos de dieta estável:
peixe, foca, moluscos, algas, alguns poucos animais terrestres como o
veado e o guanaco, e sementes de tomate e hortelã. Quase 20% sofriam de
vermes, talvez porque comessem cru ou parcialmente cozido. Em
compensação, não tinham cáries, porque peixes não têm carboidratos
capazes de danificar os dentes. A julgar pelos chinchorros, muita coisa
ainda pode ser descoberta na pré-história americana.
Para saber mais
Beyond Death: The Chinchorro Momies of Ancient Chile, Bernardo Arriaza, Washington, Smithsonian Press, 1995.
Cidades Perdidas e Antigos Mistérios da América do Sul, David Hatcher Childress, São Paulo, Siciliano, 1987.
Poder Político e Religião nas Altas Culturas Pré-Colombianas, Ciro
Flamarion Cardoso, In: América em Tempo de Conquista, Ronaldo Vainfas,
Rio, Jorge Zahar, 1992.
Os chinchorros desenvolveram técnicas e estilos diferentes de
embalsamamento. De 5 050 a.C. a 2 800 a.C., removiam a pele, a carne e
os órgãos do corpo (incluindo olhos e cérebro), deixando mãos e pés,
cujos ossos diminutos dificultam o trabalho. Para sustentar o esqueleto,
atavam pedaços de madeira à espinha, pernas e braços. O corpo era
estofado com junco, plantas secas e uma pasta de cinzas e água,
amalgamada com sangue de foca, ovos de aves e cola de peixe.
A pele era
recolocada e o rosto esculpido como máscara, com nariz, olhos e boca.
Tudo pintado com tinta negra, extraída de areia rica em manganês da
praia. Uma peruca de cabelos humanos dava o arremate final. De 2 800
a.C. a 1700 a.C. a tinta passou a ser ocre vermelho, extraída de rochas.
Os cadáveres deixaram de ser desmembrados e os órgãos eram retirados
através de incisões. O corpo era estufado com terra. Tripas de pele
humana ou de pelicano enrolavam pernas e braços. O último período durou
de 1.700 a.C. a 1.500 a.C, quando os órgãos deixaram de ser retirados. O
corpo passou a ser tratado só externamente, recoberto por uma pasta
endurecida feita de lama, areia e cola de peixe.
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