Fatores reguladores da virulência de Staphylococcus aureus
Antibióticos, bactérias, infecções, microrganismos são alguns dos assuntos que mais gosto, como meus leitores já devem ter percebido. Já foram postados vários textos neste blog sobre esta temática. Também já escrevi aqui sobre a bactéria patogênica Staphylococcus aureus, que pode ser extremamente nefasta, principalmente se a infecção por esta não for adequadamente tratada.S. aureus, como é conhecida, é uma bactéria danada. Ela possui vários mecanismos de virulência, como proteínas que atuam na adesão desta bactéria a superfícies e na invasão de tecidos de hospedeiros, exoproteínas que atuam contra mecanismos de imunidade, além de também possuir toxinas que causam hemólise (destruição dos hemócitos, ou glóbulos vermelhos) e que formam poros em membranas, permitindo o “vazamento” de íons e outras moléculas pequenas de células de hospedeiros. Para que cause infecção, é necessário que os fatores de virulência de S. aureus atuem de forma coordenada, até mesmo de maneira redundante, de tal forma que se um de seus fatores de virulência for afetado, os outros continuarão ativos.
Staphylococcus aureus
Descobriu-se que S. aureus tem um gene regulador de virulência, denominado agr (accessory gene regulator). Até pouco tempo atrás se sabia que a expressão do gene agr era regulada por um sinalizador químico. E se sabia de que tipo era este sinalizador: uma molécula pequena, da classe dos metabolitos secundários. Também se descobriu que, apesar do gene agr ter uma grande importância na regulação da virulência de S. aureus, este gene não é essencial para a expressão da virulência. São conhecidos isolados clínicos (de hospitais) de S. aureus desprovidos do gene agr.Recentemente, pesquisadores realizaram uma extensa análise do material genético (genoma) de S. aureus, de maneira a verificar a presença de genes reguladores da biossíntese (processo enzimático de várias etapas que é responsável pela formação das moléculas biológicas, como proteínas, açúcares, DNA, RNA, e também de metabolitos secundários) de peptídeos não-ribossômicos exclusivos de S. aureus. Analisando o genoma desta maneira, é possível se detectar a presença de genes que regulam a biossíntese de substâncias específicas, e propor a estrutura química das mesmas, uma vez que estes genes coordenam a ação de enzimas que atuam de maneira bem estabelecida. Foram analisados 50 genomas de S. aureus, e identificado um agregado de genes (gene cluster) responsável pela biossíntese de peptídeos não-ribossomais (ou seja, peptídeos que não são formados nos ribossomos, como são a grande maioria das proteínas, peptídeos muito grandes) ainda desconhecidos. O agregado de genes mostrou ter um gene de 7,17 Kb (1 Kb = 1000 bases nucléicas, que formam o DNA), que ocupa apenas 0,25% do genoma de S. aureus.
Staphylococcus aureus
Descobriu-se que S. aureus tem um gene regulador de virulência, denominado agr (accessory gene regulator). Até pouco tempo atrás se sabia que a expressão do gene agr era regulada por um sinalizador químico. E se sabia de que tipo era este sinalizador: uma molécula pequena, da classe dos metabolitos secundários. Também se descobriu que, apesar do gene agr ter uma grande importância na regulação da virulência de S. aureus, este gene não é essencial para a expressão da virulência. São conhecidos isolados clínicos (de hospitais) de S. aureus desprovidos do gene agr.Recentemente, pesquisadores realizaram uma extensa análise do material genético (genoma) de S. aureus, de maneira a verificar a presença de genes reguladores da biossíntese (processo enzimático de várias etapas que é responsável pela formação das moléculas biológicas, como proteínas, açúcares, DNA, RNA, e também de metabolitos secundários) de peptídeos não-ribossômicos exclusivos de S. aureus. Analisando o genoma desta maneira, é possível se detectar a presença de genes que regulam a biossíntese de substâncias específicas, e propor a estrutura química das mesmas, uma vez que estes genes coordenam a ação de enzimas que atuam de maneira bem estabelecida. Foram analisados 50 genomas de S. aureus, e identificado um agregado de genes (gene cluster) responsável pela biossíntese de peptídeos não-ribossomais (ou seja, peptídeos que não são formados nos ribossomos, como são a grande maioria das proteínas, peptídeos muito grandes) ainda desconhecidos. O agregado de genes mostrou ter um gene de 7,17 Kb (1 Kb = 1000 bases nucléicas, que formam o DNA), que ocupa apenas 0,25% do genoma de S. aureus.
Este agregado de genes regula a formação de uma sintetase de peptídeos não-ribossomais (NRPS, non-ribossomal peptide synthetase) de 2389 aminoácidos. Esta NRPS mostrou ter sítios que atuam na formação de um dipeptídeo (um derivado de dois aminoácidos) com estrutura muito peculiar: é formado a partir dos aminoácidos valina e tirosina, que se condensam e dão origem a uma estrutura cíclica, de massa molecular de 262,17 u.m.a.(u.m.a. = unidade de massa atômica). Ou seja, a partir da análise do genoma de S. aureus, foi possível se encontrar genes que regulam a formação deste dipeptídeo, cuja estrutura pôde ser predita a partir dos resultados obtidos da análise do genoma.
Porém, era necessário que esta predição fosse confirmada.
Desta forma, os autores deste estudo cresceram S. aureus em meio de cultura, extraíram o meio de cultura com solventes orgânicos e analisaram os extratos do meio de cultura por cromatografia líquida (HPLC, high-performance liquid chromatography) acoplada a um detector de espectrometria de massas. Desta forma, para cada substância separada foi possível obter um espectro de massas, que indica a massa molecular da forma protonada das substâncias presentes no meio de cultura de S. aureus. Estas análises indicaram a presença de duas substâncias (dentre outras) no extrato orgânico do meio de cultura de S. aureus: uma de massa 262 e outra de massa 246. As duas mostraram ser muito parecidas pelo fato de serem pouco separadas na análise por HPLC, e também por apresentarem espectro no ultravioleta muito similar. Ou seja, talvez estas substâncias apresentassem estruturas muito parecidas, e tivessem uma biossíntese comum.
Esta hipótese foi confirmada após a obtenção das substâncias puras, uma separada da outra. Após isoladas, puderam ser analisadas por várias técnicas espectroscópicas, principalmente por diferentes experimentos de ressonância magnética nuclear (RMN). Estas análises indicaram que um dos dipeptídeos isolados era formado por tirosina e valina (aureusimina A), e o outro por fenilalanina e valina (aureusimina B). A diferença entre os dois é de apenas um átomo de oxigênio.
Para confirmar que estes dois dipeptídeos eram realmente biossintetizados por S. aureus, o gene ausA, supostamente responsável pela regulação da biossíntese destas duas substâncias, foi substituído por um gene artificial. E S. aureus não mais produziu as aureusiminas. Em seguida, foram feitos testes com as duas substâncias (aureusiminas A e B) para verificar como estas influenciavam na expressão do gene agr, que controla a virulência de S. aureus. Observou-se que a substituição do gene ausA de S. aureus, responsável pela biossíntese das auresiminas, por um gene artificial alterou completamente o padrão de expressão do gene agr, responsável pela virulência. Observou-se diminuição na formação de proteínas imunomodulatórias, de proteínas de adesão, bem como de proteínas líticas (que promovem o rompimento de membranas) e de citotoxinas (toxinas de células). Enquanto tais proteínas mostraram ter sua produção estimulada na presença das aureusiminas, na ausência destas substâncias as proteínas virulentas mostraram ser produzidas em quantidades muito menores. Claramente as aureusiminas mostraram atuar na regulação das proteínas participantes do processo de virulência de S. aureus.
Normalmente, S. aureus “original”, sem ter seu genoma alterado, promove hemólise. Quando o gene ausA foi suprimido, a hemólise promovida por S. aureus sem este gene também foi suprimida. Quando se adicinou as aureusiminas no meio de crescimento de S. aureus com seu genoma alterado (com o gene ausA deletado), voltou-se a observar a hemólise. Claramente as aureusiminas participam diretamente da ativação dos processos de virulência de S. aureus.
E mais: quando camundongos sadios foram infectados com S. aureus “original” (sem ter seu genoma alterado), os bichinhos apresentaram grande quantidade de unidades formadoras de colônia (um indicativo de proliferação bacteriana) em seus rins, fígado, baço e coração. Quando os camundongos foram infectados com S. aureus mutada, com o gene ausA suprimido, observou-se que os rins apresentaram grau de infecção, mas os outros três órgãos muito menos, principalmente o coração (praticamente sem infecção). Ou seja, a inibição da biossíntese das aureusiminas levou a um grau de infecção virulenta muito menor.
A descoberta que as aureusiminas controlam a virulência de S. aureus abre um enorme conjunto de possibilidades para o desenvolvimento de novas formas de tratamento de infecções por esta bactéria. Por exemplo, a eventual descoberta de inibidores da biossíntese das aureusiminas pode significar a abolição do uso de antibióticos para o tratamento de infecções por S. aureus. Embora tal perspectiva possa parecer distante, tudo depende do esforço de pesquisadores acadêmicos e de indústrias farmacêuticas sérias. O mecanismo de ação de tais agentes inibidores da virulência de S. aureus seria completamente diferente do mecanismo de ação dos antibióticos. Isso porque os inibidores da biossíntese das aureusiminas interferem no processo bioquímico de formação destas substâncias, muito mais difícil de sofrer uma mutação benéfica para continuar promovendo a virulência. Desta forma, não seria mais necessário utilizar antibióticos, dos quais as bactérias adquirem resistência (através de mutações) em poucas gerações.
Infecção causada por S. aureus (nojenta!)
Embora o trabalho realizado com S. aureus pareça muito complicado, realmente não é. As atuais ferramentas bioquímicas permitem a realização de um trabalho deste em tempo relativamente curto. Na verdade, os autores mencionam um trabalho publicado em 2008 como fonte das informações preliminares nas quais se basearam para realizar seu estudo. A referência original indica que este trabalho (Novick e Geisinger) foi publicado on-line em agosto de 2008. Ou seja, o estudo realizado com S. aureus levou, no máximo, menos de dois anos para ser desenvolvido. Uma boa idéia e abordagens e estratégias de trabalho bem delineadas levaram à publicação de um artigo extramemente relevante na Science, uma vez que as infecções causadas por S. aureus são consideradas um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. O que certamente fez a diferença para um trabalho deste ter sido feito em tão pouco tempo? Acesso a instrumentação e aos materiais (reagentes, linhagens bacterianas, camundongos) necessários para o desenvolvimento deste projeto. Sem entraves, sem burocracia, sem demora, sem falta de dinheiro.
Porém, era necessário que esta predição fosse confirmada.
Desta forma, os autores deste estudo cresceram S. aureus em meio de cultura, extraíram o meio de cultura com solventes orgânicos e analisaram os extratos do meio de cultura por cromatografia líquida (HPLC, high-performance liquid chromatography) acoplada a um detector de espectrometria de massas. Desta forma, para cada substância separada foi possível obter um espectro de massas, que indica a massa molecular da forma protonada das substâncias presentes no meio de cultura de S. aureus. Estas análises indicaram a presença de duas substâncias (dentre outras) no extrato orgânico do meio de cultura de S. aureus: uma de massa 262 e outra de massa 246. As duas mostraram ser muito parecidas pelo fato de serem pouco separadas na análise por HPLC, e também por apresentarem espectro no ultravioleta muito similar. Ou seja, talvez estas substâncias apresentassem estruturas muito parecidas, e tivessem uma biossíntese comum.
Esta hipótese foi confirmada após a obtenção das substâncias puras, uma separada da outra. Após isoladas, puderam ser analisadas por várias técnicas espectroscópicas, principalmente por diferentes experimentos de ressonância magnética nuclear (RMN). Estas análises indicaram que um dos dipeptídeos isolados era formado por tirosina e valina (aureusimina A), e o outro por fenilalanina e valina (aureusimina B). A diferença entre os dois é de apenas um átomo de oxigênio.
Para confirmar que estes dois dipeptídeos eram realmente biossintetizados por S. aureus, o gene ausA, supostamente responsável pela regulação da biossíntese destas duas substâncias, foi substituído por um gene artificial. E S. aureus não mais produziu as aureusiminas.
Normalmente, S. aureus “original”, sem ter seu genoma alterado, promove hemólise. Quando o gene ausA foi suprimido, a hemólise promovida por S. aureus sem este gene também foi suprimida. Quando se adicinou as aureusiminas no meio de crescimento de S. aureus com seu genoma alterado (com o gene ausA deletado), voltou-se a observar a hemólise. Claramente as aureusiminas participam diretamente da ativação dos processos de virulência de S. aureus.
E mais: quando camundongos sadios foram infectados com S. aureus “original” (sem ter seu genoma alterado), os bichinhos apresentaram grande quantidade de unidades formadoras de colônia (um indicativo de proliferação bacteriana) em seus rins, fígado, baço e coração. Quando os camundongos foram infectados com S. aureus mutada, com o gene ausA suprimido, observou-se que os rins apresentaram grau de infecção, mas os outros três órgãos muito menos, principalmente o coração (praticamente sem infecção). Ou seja, a inibição da biossíntese das aureusiminas levou a um grau de infecção virulenta muito menor.
A descoberta que as aureusiminas controlam a virulência de S. aureus abre um enorme conjunto de possibilidades para o desenvolvimento de novas formas de tratamento de infecções por esta bactéria. Por exemplo, a eventual descoberta de inibidores da biossíntese das aureusiminas pode significar a abolição do uso de antibióticos para o tratamento de infecções por S. aureus. Embora tal perspectiva possa parecer distante, tudo depende do esforço de pesquisadores acadêmicos e de indústrias farmacêuticas sérias. O mecanismo de ação de tais agentes inibidores da virulência de S. aureus seria completamente diferente do mecanismo de ação dos antibióticos. Isso porque os inibidores da biossíntese das aureusiminas interferem no processo bioquímico de formação destas substâncias, muito mais difícil de sofrer uma mutação benéfica para continuar promovendo a virulência. Desta forma, não seria mais necessário utilizar antibióticos, dos quais as bactérias adquirem resistência (através de mutações) em poucas gerações.
Infecção causada por S. aureus (nojenta!)
Embora o trabalho realizado com S. aureus pareça muito complicado, realmente não é. As atuais ferramentas bioquímicas permitem a realização de um trabalho deste em tempo relativamente curto. Na verdade, os autores mencionam um trabalho publicado em 2008 como fonte das informações preliminares nas quais se basearam para realizar seu estudo. A referência original indica que este trabalho (Novick e Geisinger) foi publicado on-line em agosto de 2008. Ou seja, o estudo realizado com S. aureus levou, no máximo, menos de dois anos para ser desenvolvido. Uma boa idéia e abordagens e estratégias de trabalho bem delineadas levaram à publicação de um artigo extramemente relevante na Science, uma vez que as infecções causadas por S. aureus são consideradas um dos maiores problemas de saúde pública no mundo.
Wyatt, M., Wang, W., Roux, C., Beasley, F., Heinrichs, D., Dunman, P., & Magarvey, N. (2010). Staphylococcus aureus Nonribosomal Peptide Secondary Metabolites Regulate Virulence Science, 329 (5989), 294-296 DOI: 10.1126/science.1188888
Novick, R., & Geisinger, E. (2008). Quorum Sensing in Staphylococci Annual Review of Genetics, 42 (1), 541-564 DOI: 10.1146/annurev.genet.42.110807.091640
Novick, R., & Geisinger, E. (2008). Quorum Sensing in Staphylococci Annual Review of Genetics, 42 (1), 541-564 DOI: 10.1146/annurev.genet.42.110807.091640
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