EDIÇÃO 143/FEVEREIRO DE 2012 27/01/2012
Pedras antiquíssimas
Milhões de anos de formação, o monumento nacional dos penhascos Vermilion é até hoje uma maravilha pouco conhecida.
por Verlyn Klinkenborg Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL ONLINE
Próxima
E agora, a pergunta: Quanto tempo seria necessário esperar até que os penhascos Vermilion formassem um pedregulho do tamanho de um ônibus escolar, digamos? A resposta: pode acontecer no dia em que você se sentar. Mas, o mais provável seria que os descendentes dos seus descendentes ainda estivessem sentados naquela cadeira, muitas centenas de gerações mais tarde, esperando os penhascos se esfarelarem um pouco mais. As pedras são antiquíssimas, assim como os vestígios de erosão.
Há milhões de anos, o lugar em que você está sentado estaria enterrado sob as camadas expostas dos penhascos atuais, sob camadas rochosas hoje chamadas de Moenkopi, Chinle, Moenave, Kayenta e Navajo, sendo que cada estriação difere em cor e resistência à erosão. O platô Paria vem se retraindo na direção noroeste há éons, e esses penhascos vigorosos marcam seu progresso até hoje.
É difícil acreditar que um monumento nacional rodeado de penhascos que se avultam — com sua cor queimando o espectro na medida em que o dia avança — possa ser tão pouco conhecido. No entanto, pouca gente ouviu falar do lugar, tirando uma ou duas de suas características mais famosas. Uma das razões para isso é que o monumento nacional dos penhascos Vermilion fica à sombra de seus vizinhos, que incluem alguns dos parques e monumentos nacionais mais famosos dos Estados Unidos: Grand Canyon, Zion, cânion Bryce e outros.
Outra razão é o caráter íngreme do terreno. Apesar de se localizar a apenas dez quilômetros do lago Powell e suas legiões de visitantes divertindo-se a bordo de embarcações, os 120 mil hectares que o monumento abriga não são lugar para quem tem coração fraco ou não veio preparado. “Saia do carro, entre na cadeira alimentar”, brincou um funcionário do departamento de Manejo da Terra, que administra o monumento. Os predadores aqui são sol, calor, ignorância e isolamento. (Além de cascavéis e escorpiões.)
Quase não há trilhas marcadas, apenas algumas placas e nenhum dos dispositivos de segurança, avisos ou guardas florestais encontrados nos parques nacionais. Aqui, o seu celular não funciona, voCê acampa onde pode e a única água disponível é aquela que você carrega.
Os penhascos em si são protegidos como área selvagem desde 1984. Eles formam uma ferradura irregular de cabeça para baixo, abrupta e vertical do lado leste, perto do rio Colorado, fazendo uma curva fechada para o sul e ficando mais raso apenas a oeste, ao subirem pelo Utah ao longo da estrada do vale House Rock, um dos passeios por estrada de terra mais bonitos do oeste norte-americano. Siga o arco dessa ferradura e os penhascos irão observá-lo por todo o trajeto, proibitivos e atraentes ao mesmo tempo.
Mas se a viagem for pela parte noroeste, no alto da ferradura, entre Page, Arizona, e Kanab, Utah, você nunca vai imaginar que os penhascos estejam ali. Faça uma caminhada pelo platô Paria e você vai se sentir como se estivesse caminhando por uma ilha no céu. Os penhascos são invisíveis sob os seus pés, mas dá para sentir sua presença. O mundo seria assim se fosse plano e terminasse em uma ponta de precipício no espaço. Mas quando se chega ao fim do platô — bem no alto dos penhascos de Vermilion — dá para ver que o mundo prossegue, subindo prateleira a prateleira até o Grand Canyon e além.
O platô Paria e sua barra de penhascos foram declarados monumentos nacionais por proclamação presidencial no ano 2000, primeiramente em reconhecimento ao fantástico arquivo de formas de erosão — causada pelo tempo, pelo vento, pela gravidade e pela água, mas, acima de tudo, pela areia. Lá está a areia da atualidade: aquela coisinha que pega no seu dente, o trecho em que o seu pé escorrega, o lugar em que o carro encalha ao longo das trilhas no platô médio das colinas Sand [areia]. Essa areia (bem antiga, grão a grão) é derivada de areia pré-histórica — o arenito Navajo que forma o platô e os penhascos. Este arenito, por sua vez, é o vestígio de um amplo erg, um mar de dunas soprado pelo vento que durante milhões de anos cobriu a maior parte do que é hoje o platô Colorado. A geologia é difícil de imaginar. Fica ainda mais difícil se você tiver a sorte de deparar com a Wave [onda] escondidano canto noroeste do monumento, em um lugar chamado Coyote Buttes.
A Wave é um tumulto de dunas listradas e fossilizadas que parecem ondas petrificadas, erguendo-se e se curvando para sempre, avultando-se logo antes de arrebentar. O que sobrou de longas eras de erosão — ondas bravas de arenito listrado liso em uma tigela de luz — é um registro das reações químicas que se deram na medida em que o arenito se desenvolveu, com padrões de branqueamento e o depósito de óxido de ferro e outros minerais. Em sua sinuosidade, a Wave forma um sifão de vento, sua geometria acelera o vento da mesma maneira que uma pista curva faz um skate acelerar.
Tente dizer o nome das cores que você vê reluzindo na pedra. Elas mudam antes que você consiga. O sol se move no céu, as nuvens se aproximam e se afastam, e a Wave evolui de momento a momento sem nunca mudar.
Para proteger esta formação extraordinária, apenas 20 pessoas têm permissão para entrar na Wave a cada dia, de modo que você fica lá quase sozinho em um lugar selvagem que contém uma “Mona Lisa” geológica. Esta não é a beirada sul do Grand Canyon, uma vista cenográfica compartilhada com milhares de pessoas. Aqui temos a intimidade dos sentidos: a abrasão da pedra, o cheiro da chuva em uma pedra, uma luz de caleidoscópio que pode deixá-lo maravilhado com o pontinho diminuto de tempo que você ocupa na presença de tanto tempo paralisado.
Os processos geológicos que deram forma à Wave, assim como aos penhascos e cânions e as infinitas formações de terra, continuam incessantes, é claro. E, no entanto, estão escondidos pelo presente. Certa tarde, eu segui o leito seco de um rio da garganta de Buckskin no lado oeste do monumento, a partir de uma trilha que saía da estrada do vale House Rock. Nas colinas baixas ao meu redor havia formações de arenito protuberantes que pareciam as pupas de algum inseto ausente. Rolos de capim se aglomeravam nas curvas do riacho como ovelhas cinzentas cansadas.
A garganta Buckskin é famosa por seu cânion em forma de fenda, mas antes de eu chegar até ele, deparei com uma encosta alta e perfeitamente intocada de areia vermelha solta, tão firme e uniforme quanto a areia que uma onda deixa para trás quando se afasta da praia. Cada grão parecia saber qual era seu lugar. Era arenito em formação, sem estar fixado e aguardando a diagênese, a transformação química que transformaria a areia em um pedaço de pedra.
É bem fácil ver os estratos nas camadas de pedraexpostas na face do penhasco, mas aqui também há estratos de formas de vida, assim como camadas de experiência humana. Basta retroceder no tempo um período suficiente — 190 milhões de anos e mais, quando este era um mundo diferente — e você depara com as espécies antigas, algumas assemelhadas a crocodilos, outras a aves, que deixaram seus vestígios no arenito Navajo e nas formações embaixo dele.
No platô, há sinais de habitantes mais recentes nas poucas estruturas de fazenda retorcidas atrás de um portão de arame, para dentro do vale Corral, cheio de pinheiros e juníperos altos. Esta paisagem não é tão espetacular quanto Coyote Buttes — quase nada é —, mas tem sua própria graça particular. Bacias rasas no arenito recolhem cada pingo de chuva. Há tufos de capim árido e restos de cercas que parecem existir apensa para não deixar os rolos de capim irem embora.
Há milhares de anos, esta paisagem pertencia a caçadores e coletores nativos, que devem ter passado por aqui vez após outra. Foram sucedidos pelos ancestrais integrantes do “Pueblo” e, depois, pelos do “Paiute”, que compartilharam um pouco de seu conhecimento sobre a região com um missionário mórmon chamado Jacob Hamblin. Hamblin, que se instalou no vale House Rock, conhecia a paisagem de Vermilion melhor do que qualquer outro branco de seu tempo. O explorador John Wesley Powell descreveu Hamblin como “homem silencioso e reservado”, dizendo ainda que “quando ele fala, é de um jeito lento e tranquilo que inspira grande admiração”.
Faça uma caminhada descendo o cânion do rio Paria, 60 quilômetros molhados a pé e pelo menos quatro dias do início da trilha até o rio Colorado, e você vai chegar ao local onde Powell e os homens combalidos que tinham sobrado de sua primeira expedição acamparam na noite do dia 4 de agosto de 1869: a boca do rio Paria, que Hamblin tinha descrito a Powell um ano antes. Preparando-se para sua descida ao Colorado, Powell estudou o relato conciso do padre Silvestre Vélez de Escalante que, em 1776, tentou viajar com seu grupo de Santa Fe (que hoje fica no Novo México) a Monterey, na Califórnia. Ele também acampou perto da boca do rio Paria, na esperança de encontrar uma rota mais direta para voltar a Santa Fe. Powell descreveu os penhascos com prosa exuberante. O padre Escalante disse simplesmente que a região tinha aparência “agradavelmente confusa”.
A observar todos esses seres humanos — itinerantes ou residentes — estariam os pássaros hoje conhecidos como condores da Califórnia (Gymnogyps californianus), que viviam nas beiradas dos penhascos, lá em cima. Geração após geração, eles têm ficado de vigia intercalada pelo menos durante os últimos 20 mil anos — talvez até por 100 mil anos —, diminuindo em quantidade na medida em que os mamíferos do Pleistoceno desapareceram. Não há mais condores nos penhascos Vermilion desde o início do século 20, mas eles voltaram a marcar presença, reintroduzidos em 1996, sendo que seus números muito pequenos são restaurados a cada ano com novas solturas. Do seu local de observação na estrada do vale House Rock, você tem certeza de enxergar pedras no alto dos penhascos marcadas pelas fezes dos condores.
Quanto tempo demora para ver um condor? A boa notícia é que a espera vai se dar em tempo biológico, não geológico. Enquanto você espera — com o sol de Vermilion ressecando a sua pele — dá para imaginar o som do vento nos ouvidos de um condor ao se erguer com uma corrente e a vista em seus olhos na medida em que a cabeça vira de um lado para o outro, observando o platô de cima mais uma vez.
Lagos em miniatura refletem o céu em White Pocket, um dos espetáculos geológicos do platô Paria. Ao longo dos éons, a água do solo tirou a cor do arenito Navajo e a ação climática rompeu a superfície em polígonos irregulares.
Leve uma cadeira de praia e um guarda-sol – muita água também – para as planícies cobertas de sálvia logo ao sul da estrada Highway 89A, no Arizona (EUA), perto da boca do cânion Badger. Aponte a cadeira para o norte, na direção do Utah, e se acomode. Atrás de você, o Rio Colorado vai escavando meandros profundos desde a represa do cânion Glen na direção do Grand Canyon. Diretamente a sua frente ergue-se um caos de pedras abobadadas de mais de 900 metros — os penhascos Vermilion. É difícil dizer que esses penhascos tenham uma face, Eles têm faces incontáveis, fraturadas e entrecortadas, cruzadas e tombadas. Dá para sentir a inércia nas fissuras verticais colossais. Ao longo das partes mais baixas, como camadas de bolo de casamento, pilhas de pedras caídas se assemelham à areia no fundo de uma ampulheta.E agora, a pergunta: Quanto tempo seria necessário esperar até que os penhascos Vermilion formassem um pedregulho do tamanho de um ônibus escolar, digamos? A resposta: pode acontecer no dia em que você se sentar. Mas, o mais provável seria que os descendentes dos seus descendentes ainda estivessem sentados naquela cadeira, muitas centenas de gerações mais tarde, esperando os penhascos se esfarelarem um pouco mais. As pedras são antiquíssimas, assim como os vestígios de erosão.
Há milhões de anos, o lugar em que você está sentado estaria enterrado sob as camadas expostas dos penhascos atuais, sob camadas rochosas hoje chamadas de Moenkopi, Chinle, Moenave, Kayenta e Navajo, sendo que cada estriação difere em cor e resistência à erosão. O platô Paria vem se retraindo na direção noroeste há éons, e esses penhascos vigorosos marcam seu progresso até hoje.
É difícil acreditar que um monumento nacional rodeado de penhascos que se avultam — com sua cor queimando o espectro na medida em que o dia avança — possa ser tão pouco conhecido. No entanto, pouca gente ouviu falar do lugar, tirando uma ou duas de suas características mais famosas. Uma das razões para isso é que o monumento nacional dos penhascos Vermilion fica à sombra de seus vizinhos, que incluem alguns dos parques e monumentos nacionais mais famosos dos Estados Unidos: Grand Canyon, Zion, cânion Bryce e outros.
Outra razão é o caráter íngreme do terreno. Apesar de se localizar a apenas dez quilômetros do lago Powell e suas legiões de visitantes divertindo-se a bordo de embarcações, os 120 mil hectares que o monumento abriga não são lugar para quem tem coração fraco ou não veio preparado. “Saia do carro, entre na cadeira alimentar”, brincou um funcionário do departamento de Manejo da Terra, que administra o monumento. Os predadores aqui são sol, calor, ignorância e isolamento. (Além de cascavéis e escorpiões.)
Quase não há trilhas marcadas, apenas algumas placas e nenhum dos dispositivos de segurança, avisos ou guardas florestais encontrados nos parques nacionais. Aqui, o seu celular não funciona, voCê acampa onde pode e a única água disponível é aquela que você carrega.
Os penhascos em si são protegidos como área selvagem desde 1984. Eles formam uma ferradura irregular de cabeça para baixo, abrupta e vertical do lado leste, perto do rio Colorado, fazendo uma curva fechada para o sul e ficando mais raso apenas a oeste, ao subirem pelo Utah ao longo da estrada do vale House Rock, um dos passeios por estrada de terra mais bonitos do oeste norte-americano. Siga o arco dessa ferradura e os penhascos irão observá-lo por todo o trajeto, proibitivos e atraentes ao mesmo tempo.
Mas se a viagem for pela parte noroeste, no alto da ferradura, entre Page, Arizona, e Kanab, Utah, você nunca vai imaginar que os penhascos estejam ali. Faça uma caminhada pelo platô Paria e você vai se sentir como se estivesse caminhando por uma ilha no céu. Os penhascos são invisíveis sob os seus pés, mas dá para sentir sua presença. O mundo seria assim se fosse plano e terminasse em uma ponta de precipício no espaço. Mas quando se chega ao fim do platô — bem no alto dos penhascos de Vermilion — dá para ver que o mundo prossegue, subindo prateleira a prateleira até o Grand Canyon e além.
O platô Paria e sua barra de penhascos foram declarados monumentos nacionais por proclamação presidencial no ano 2000, primeiramente em reconhecimento ao fantástico arquivo de formas de erosão — causada pelo tempo, pelo vento, pela gravidade e pela água, mas, acima de tudo, pela areia. Lá está a areia da atualidade: aquela coisinha que pega no seu dente, o trecho em que o seu pé escorrega, o lugar em que o carro encalha ao longo das trilhas no platô médio das colinas Sand [areia]. Essa areia (bem antiga, grão a grão) é derivada de areia pré-histórica — o arenito Navajo que forma o platô e os penhascos. Este arenito, por sua vez, é o vestígio de um amplo erg, um mar de dunas soprado pelo vento que durante milhões de anos cobriu a maior parte do que é hoje o platô Colorado. A geologia é difícil de imaginar. Fica ainda mais difícil se você tiver a sorte de deparar com a Wave [onda] escondidano canto noroeste do monumento, em um lugar chamado Coyote Buttes.
A Wave é um tumulto de dunas listradas e fossilizadas que parecem ondas petrificadas, erguendo-se e se curvando para sempre, avultando-se logo antes de arrebentar. O que sobrou de longas eras de erosão — ondas bravas de arenito listrado liso em uma tigela de luz — é um registro das reações químicas que se deram na medida em que o arenito se desenvolveu, com padrões de branqueamento e o depósito de óxido de ferro e outros minerais. Em sua sinuosidade, a Wave forma um sifão de vento, sua geometria acelera o vento da mesma maneira que uma pista curva faz um skate acelerar.
Tente dizer o nome das cores que você vê reluzindo na pedra. Elas mudam antes que você consiga. O sol se move no céu, as nuvens se aproximam e se afastam, e a Wave evolui de momento a momento sem nunca mudar.
Para proteger esta formação extraordinária, apenas 20 pessoas têm permissão para entrar na Wave a cada dia, de modo que você fica lá quase sozinho em um lugar selvagem que contém uma “Mona Lisa” geológica. Esta não é a beirada sul do Grand Canyon, uma vista cenográfica compartilhada com milhares de pessoas. Aqui temos a intimidade dos sentidos: a abrasão da pedra, o cheiro da chuva em uma pedra, uma luz de caleidoscópio que pode deixá-lo maravilhado com o pontinho diminuto de tempo que você ocupa na presença de tanto tempo paralisado.
Os processos geológicos que deram forma à Wave, assim como aos penhascos e cânions e as infinitas formações de terra, continuam incessantes, é claro. E, no entanto, estão escondidos pelo presente. Certa tarde, eu segui o leito seco de um rio da garganta de Buckskin no lado oeste do monumento, a partir de uma trilha que saía da estrada do vale House Rock. Nas colinas baixas ao meu redor havia formações de arenito protuberantes que pareciam as pupas de algum inseto ausente. Rolos de capim se aglomeravam nas curvas do riacho como ovelhas cinzentas cansadas.
A garganta Buckskin é famosa por seu cânion em forma de fenda, mas antes de eu chegar até ele, deparei com uma encosta alta e perfeitamente intocada de areia vermelha solta, tão firme e uniforme quanto a areia que uma onda deixa para trás quando se afasta da praia. Cada grão parecia saber qual era seu lugar. Era arenito em formação, sem estar fixado e aguardando a diagênese, a transformação química que transformaria a areia em um pedaço de pedra.
É bem fácil ver os estratos nas camadas de pedraexpostas na face do penhasco, mas aqui também há estratos de formas de vida, assim como camadas de experiência humana. Basta retroceder no tempo um período suficiente — 190 milhões de anos e mais, quando este era um mundo diferente — e você depara com as espécies antigas, algumas assemelhadas a crocodilos, outras a aves, que deixaram seus vestígios no arenito Navajo e nas formações embaixo dele.
No platô, há sinais de habitantes mais recentes nas poucas estruturas de fazenda retorcidas atrás de um portão de arame, para dentro do vale Corral, cheio de pinheiros e juníperos altos. Esta paisagem não é tão espetacular quanto Coyote Buttes — quase nada é —, mas tem sua própria graça particular. Bacias rasas no arenito recolhem cada pingo de chuva. Há tufos de capim árido e restos de cercas que parecem existir apensa para não deixar os rolos de capim irem embora.
Há milhares de anos, esta paisagem pertencia a caçadores e coletores nativos, que devem ter passado por aqui vez após outra. Foram sucedidos pelos ancestrais integrantes do “Pueblo” e, depois, pelos do “Paiute”, que compartilharam um pouco de seu conhecimento sobre a região com um missionário mórmon chamado Jacob Hamblin. Hamblin, que se instalou no vale House Rock, conhecia a paisagem de Vermilion melhor do que qualquer outro branco de seu tempo. O explorador John Wesley Powell descreveu Hamblin como “homem silencioso e reservado”, dizendo ainda que “quando ele fala, é de um jeito lento e tranquilo que inspira grande admiração”.
Faça uma caminhada descendo o cânion do rio Paria, 60 quilômetros molhados a pé e pelo menos quatro dias do início da trilha até o rio Colorado, e você vai chegar ao local onde Powell e os homens combalidos que tinham sobrado de sua primeira expedição acamparam na noite do dia 4 de agosto de 1869: a boca do rio Paria, que Hamblin tinha descrito a Powell um ano antes. Preparando-se para sua descida ao Colorado, Powell estudou o relato conciso do padre Silvestre Vélez de Escalante que, em 1776, tentou viajar com seu grupo de Santa Fe (que hoje fica no Novo México) a Monterey, na Califórnia. Ele também acampou perto da boca do rio Paria, na esperança de encontrar uma rota mais direta para voltar a Santa Fe. Powell descreveu os penhascos com prosa exuberante. O padre Escalante disse simplesmente que a região tinha aparência “agradavelmente confusa”.
A observar todos esses seres humanos — itinerantes ou residentes — estariam os pássaros hoje conhecidos como condores da Califórnia (Gymnogyps californianus), que viviam nas beiradas dos penhascos, lá em cima. Geração após geração, eles têm ficado de vigia intercalada pelo menos durante os últimos 20 mil anos — talvez até por 100 mil anos —, diminuindo em quantidade na medida em que os mamíferos do Pleistoceno desapareceram. Não há mais condores nos penhascos Vermilion desde o início do século 20, mas eles voltaram a marcar presença, reintroduzidos em 1996, sendo que seus números muito pequenos são restaurados a cada ano com novas solturas. Do seu local de observação na estrada do vale House Rock, você tem certeza de enxergar pedras no alto dos penhascos marcadas pelas fezes dos condores.
Quanto tempo demora para ver um condor? A boa notícia é que a espera vai se dar em tempo biológico, não geológico. Enquanto você espera — com o sol de Vermilion ressecando a sua pele — dá para imaginar o som do vento nos ouvidos de um condor ao se erguer com uma corrente e a vista em seus olhos na medida em que a cabeça vira de um lado para o outro, observando o platô de cima mais uma vez.
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