Aranha de 215 milhões de anos
Pesquisadores acabam de registrar a ocorrência de um
minúsculo representante de Mygalomorphae, grupo que inclui as aranhas
caranguejeiras, em rochas formadas durante o Triássico Superior. O raro
achado revela dados importantes sobre a evolução desse animal, conforme
Alexander Kellner apresenta em sua coluna de fevereiro.
Publicado em 08/02/2013
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Atualizado em 08/02/2013
Reconstituição da ‘Friularachne rigoi’. A aranha foi
encontrada em depósito marinho, mas com vestígios de vida terrestre. Por
isso os pesquisadores acreditam que o animal vivia numa ilha e foi
carregado para o mar. (ilustração: Lukas Panzarin)
Este é o caso de uma nova espécie de aranha fóssil que acaba de ser descrita pelo colega Fabio Dalla Vecchia, do Instituto Catalão de Paleontologia M. Crusafont, de Sabadell (Espanha), em associação com Paul Selden, da Universidade do Kansas (Estados Unidos). O estudo, publicado na Acta Palaeontologica, é baseando em um único exemplar, cujo corpo era menor que 3,5 milímetros e que cabe facilmente na superfície de uma unha...
O fóssil da nova aranha, denominada Friularachne rigoi, vem do vale Rovadia Brook, situado na região de Friuli Venezia Giulia, no nordeste da Itália. Denominados de Dolomia di Forni, os depósitos desse local se caracterizam por serem carbonáticos, ricos em dolomita – mineral formado por carbonato de cálcio e magnésio. A idade proposta para essas camadas é Triássico Superior, sendo que o fóssil em questão, segundo Fabio e Paul, deve ter uma idade de aproximadamente 215 milhões de anos.
Em termos de conteúdo paleontológico, a Dolomia di Forni se transformou em um depósito muito importante na Itália, tendo fornecido, nos últimos 30 anos, exemplares extraordinários. Entre os mais abundantes estão os crustáceos decápodes (animais com dez patas), peixes marinhos e plantas terrestres.
Apesar de mais raros, também foram encontrados tetrápodes, como o pterossauro primitivo Preondactylus buffarinii e o réptil arborícola Megalancosaurus preonensis. Aliás, esse último é um dos animais mais esquisitos já encontrados no registro fóssil, lembrando superficialmente um camaleão.
Uma aranha no mar
Segundo estudos sedimentológicos, a região de Friuli Venezia Giulia se formou em condições marinhas, onde a parte mais profunda atingia cerca de 400 metros.Um momento... um depósito marinho com um aracnídeo tipicamente terrestre?
Posso imaginar o leitor se perguntando se não existe algo de errado nessa história. O que faz uma aranha em locais que outrora foram o fundo de um mar? Ainda mais um invertebrado tão frágil e pequeno...
O que faz uma aranha em locais que outrora foram o fundo de um mar?
Não podemos deixar de estranhar. Porém, os restos de plantas
terrestres claramente são uma evidência de que havia terra firme nas
proximidades. Mais ainda, análises da composição de matéria orgânica
encontrada nesse depósito demonstraram claramente que a região do vale
de Rovadia Brook estava muito próxima à costa.Sendo assim, os pesquisadores acreditam que o único exemplar de Friularachne rigoi vivia em uma ilha de relevo comparativamente baixo e foi carreado para o mar raso, típico de plataformas carbonáticas, onde se preservou. Diga-se de passagem, as plantas encontradas sugerem que o ambiente da época era tropical, com temperaturas relativamente altas.
Importância da descoberta
O estudo do exemplar não foi nada fácil. Além do diminuto tamanho e de sua fragilidade, algo já esperado em se tratando de um invertebrado terrestre, essa aranha se preservou como uma mancha negra-amarronzada sobre a superfície da rocha, de coloração negra. Assim, todas as observações morfológicas tiveram que ser feitas com o espécime imerso em etanol, ou seja, em álcool puro. Todo o esqueleto do aracnídeo encontra-se bastante compactado, com algumas partes faltando.
Friularachne é apenas a quarta ocorrência de aranhas em rochas triássicas e a segunda mais antiga do mundo
Importante ressaltar que Friularachne não está na linha evolutiva das caranguejeiras, mas possui semelhanças com um outro grupo denominado Atypoidea, que é bem menos numeroso hoje em dia e cujo registro mais antigo até então era de depósitos do Cretáceo. Assim, a nova descoberta demonstra que esse grupo de aranhas já estava presente cerca de 100 milhões de anos antes, corroborando a hipótese de que as aranhas migalomorfas estavam presentes em vários continentes desde o início de sua história evolutiva.
Outro aspecto que chama atenção nessa descoberta é o fato de se poder estabelecer o sexo do único espécime da Friularachne rigoi. Por ter os pedipalpos (apêndices próximos à cabeça e às quelíceras) bem desenvolvidos, os pesquisadores puderam determinar que se trata de um indivíduo macho. Entre as características diagnósticas da nova espécie estão a carapaça mais larga na parte anterior, as quelíceras bem desenvolvidas providas de dentículos e os membros alongados e finos.
Uma curiosidade ainda paira no ar: como esse animal acabou sendo preservado nas rochas carbonáticas italianas? As fêmeas das aranhas do grupo Atypoidea que vivem hoje tendem a passar a vida confinadas em suas teias, enquanto que os machos, após se tornarem adultos, saem a vagar pelo terreno à procura de fêmeas para acasalamento.
Assumindo um comportamento similar, Fabio e Paul especulam que possivelmente durante um desses momentos esse macho de Friularachne rigoi tenha sido pego de surpresa e varrido para dentro do mar. Como não podia deixar de ser, nunca teremos certeza do que realmente aconteceu a esse desafortunado indivíduo...
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