Seres das profundezas
Vermes marinhos revelam surpreendentes estratégias adaptativas às águas frias e escuras da costa brasileir.
CARLOS FIORAVANTI |
Edição 221 - Julho de 2014
Verme comedor de ossos: Osedax fêmea ampliada com os minúsculos machos aderidos ao seu corpo.
O filme, que lembrava os da National Geographic na TV, era um registro da viagem realizada em abril de 2013 em um submarino japonês a regiões nunca antes exploradas a mais de 4 mil metros de profundidade do litoral do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul.
A todo momento ela e os colegas que começaram a ver os filmes – foram feitas quase 100 horas de filmagem – se perguntavam como os organismos se organizavam e, enfim, por que eram daquele jeito. Um dos organismos já examinados, que exemplifica as peculiaridades da vida no fundo do mar, é um verme marinho – um poliqueta – comedor de ossos do gênero Osedax. “As fêmeas têm um harém de machos anões, às vezes mais de 100 machos, grudados em seu corpo”, descreve Sumida, acrescentando uma curiosidade: esses poliquetas são também chamados de vermes-zumbi, por colonizar carcaças e viver entre animais mortos. O corpo das fêmeas consiste em um tentáculo vermelho com quatro a cinco centímetros de comprimento. Em uma das extremidades, a que fica para fora do osso que estão digerindo, estão os palpos, rugosidades que funcionam como brânquias, filtrando oxigênio da água. A outra extremidade se ramifica e se fixa sobre o interior dos ossos como a raiz de uma planta. Os ovários, junto a essa base, são bem grandes, e os machos, de poucos milímetros de comprimento, vivem no tubo gelatinoso da fêmea, muito próximo ao oviduto, canal que serve para a passagem dos ovos.
Verme Osedax fêmea
Se machos e fêmeas fossem do mesmo tamanho, ele diz, a competição por alimento e a dificuldade de encontrar um parceiro sexual seriam maiores.
A situação atual, provavelmente a única que sobreviveu ao longo de milhões de anos, permite que a fêmea possa produzir milhares de ovos e, ao mesmo tempo, evitar a competição por alimento com os pequeninos machos. “Os óvulos são maiores e não poderiam ser produzidos por fêmeas pequenas, enquanto o espermatozoide pode ser produzido em grande número por animais pequenos”, observa o biólogo. Segundo ele, outro exemplo desse fenômeno é o peixe-diabo, outro ser das profundezas marinhas. O macho é minúsculo e se prende ao corpo da fêmea, muito maior. “Quando um macho encontra uma fêmea, gruda e não sai mais. Torna-se um parasita da fêmea, a ponto de o tecido do macho fundir-se com o da fêmea.”
O submarino Shinkai, antes de mais uma expedição no fundo do mar
Era a primeira carcaça de baleia encontrada em mar profundo (a 4.200 metros de profundidade, neste caso) na costa da América do Sul. Coletaram nove vértebras, já degradadas, tomadas por esses poliquetas. “Já encontramos três morfotipos [variações morfológicas] diferentes de Osedax, mas todos geneticamente idênticos”, diz Sumida. “Associados aos ossos encontramos 25 espécies de organismos marinhos e vários outros dentro dos ossos, principalmente poliquetas, todos provavelmente ainda não descritos.” Depois de dois anos de planejamento e autorizações, o submarino Shinkai 6.500, operado a partir do navio oceanográfico japonês Yokosuka, explorou as águas brasileiras como parte de uma viagem mundial. O submarino leva duas horas para descer até o fundo do mar a 4 mil metros e pode permanecer lá embaixo por até oito horas.
Em junho de 2013, dois meses depois da viagem ao fundo do mar, Sumida, desta vez a bordo do navio oceanográfico da USP, o Alpha-Crucis, participou de outra operação inusitada: o lançamento, em pontos predeterminados a 1.500 e 3.300 metros de profundidade, de estruturas metálicas contendo ossos de baleia e placas de madeira e de plástico, com o propósito de saber que organismos as colonizam e assim conhecer melhor os processos de transformação da matéria orgânica que se passam nas águas frias e escuras do fundo do mar. Os materiais devem ser resgatados em outubro deste ano e os achados, comparados com os ossos e madeiras depositados na costa do estado de Washington por pesquisadores da Universidade do Havaí.
Os ossos da coluna vertebral de uma baleia encontrados a 4.200 metros de profundidade e coletados para análise
Projeto
Biodiversidade e conectividade de comunidades bênticas em substratos orgânicos (ossos de baleia e parcelas de madeira) no Atlântico sudoeste profundo – BioSuOr (11/50185-1); Modalidade Progama Biota – Projeto Temático; Pesquisador responsável Paulo Yukio Gomes Sumida (IO-USP); Investimento R$ 1.443.516,15 (FAPESP).
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