terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Pterossauros nasciam imaturos para o voo

Análise de ovos com embriões fossilizados sugere que filhotes desses répteis alados passavam longo tempo em solo
MARCOS PIVETTA | Edição Online 19:06 30 de novembro de 2017

© WANG, X. ET AL. SCIENCE. 2017
Ovos fossilizados de pterossauro encontrados na província de Xinjiang, noroeste da China

Os filhotes de pterossauros, répteis alados já extintos, contemporâneos aos dinossauros, rompiam seus ovos prontos para andar, mas não para bater asas e ganhar os ares. Assim que nasciam, os ossos da cintura estavam formados. Isso permitia que eles se apoiassem sob as patas traseiras e dessem os primeiros passos. Porém, a estrutura óssea que dá suporte aos movimentos do músculo peitoral, essencial para sustentar o voo, ainda não estava totalmente constituída. Os recém-nascidos também não tinham todos os dentes, limitação que provavelmente os impedia de se alimentar sozinhos. Para sobreviver até que os ossos de apoio das asas e os dentes estivessem completos, os filhotes tinham de permanecer um bom tempo sob o cuidado dos pais.

Esse cenário sobre o desenvolvimento embrionário e os primeiros movimentos, ainda tímidos, dos filhotes de pterossauros é sugerido em um estudo feito por paleontólogos brasileiros e chineses publicado na edição de 1º de dezembro da revista científica Science. Com o auxílio de imagens de tomografia computadorizada, o grupo analisou o interior de 16 ovos de pterossauros da espécie Hamipterus tianshanensis, que viveu há cerca de 120 milhões de anos, no período geológico Cretáceo Inferior. Com cerca de 5 centímetros de altura, os ovos não se encontravam achatados e mantinham sua tridimensionalidade.

Essa característica rara permitiu examinar por meio dessa técnica de imagens a estrutura óssea dos embriões parcialmente preservados nos ovos em diferentes estágios de desenvolvimento. “Não é possível saber quanto tempo ainda seria necessário para que esses embriões se formassem por completo e gerassem filhotes”, comenta o paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), principal autor do trabalho ao lado de Xiaolin Wang, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências, de Beijing. “O descompasso entre o desenvolvimento dos ossos da cintura e os da musculatura peitoral indica que os pterossauros não conseguiam voar ao nascer.” Também participaram do estudo outros pesquisadores chineses e as paleontólogas Taissa Rodrigues, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e Juliana Sayão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), além de Renan Bantim, que acaba de concluir o doutorado.
© WANG, X. ET AL. SCIENCE. 2017
Bloco de arenito encontrado na província de Xinjiang, noroeste da China​, ​contendo ovos e ossos fossilizados de pterossauro

Os fósseis estudados em detalhe fazem parte de um conjunto de 215 ovos desses répteis incrustados em um bloco de arenito de pouco mais de 3 metros quadrados, que foi encontrado na bacia de Turpan-Hami, área desértica da província autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. O achado é, de longe, o maior em termos de número de ovos de pterossauros descobertos uma localidade. Menos de 10 ovos de pterossauros haviam sido encontrados até hoje e apenas seis exibiam tridimensionalidade: um da Argentina e outros cinco dessa mesma região chinesa, também do Hamipterus tianshanensis. O bloco de arenito com as duas centenas de ovos também continha dezenas de ossos de exemplares juvenis e adultos do Hamipterus tianshanensis, espécie descrita em 2014 por Kellner e Wang a partir de ossos de 40 exemplares incompletos dos répteis.

Foi nesse trabalho de três anos atrás que a dupla apresentou a ideia de que a região de Turpan-Hami pode ter sido um berçário de pterossauros, que teriam uma vida gregária ao menos durante o período em que cuidariam dos filhotes recém-nascidos. As fêmeas não chocavam seus ovos.
Elas os enterravam. Os ovos de pterossauros não se parecem muito com os das aves. São maleáveis e lembram mais os de lagartos e cobras. Apresentam uma fina casca externa de calcário, seguida de uma membrana. Não se sabe de que tamanho seriam os ninhos desses répteis. Os paleontólogos estimam que as fêmeas botavam apenas dois deles de cada vez. “Os pterossauros adultos deviam ficam perto dos ninhos para proteger os ovos de predadores”, destaca Kellner, que fez uma réplica do bloco de arenito com as duas centenas de ovos para expor no Museu Nacional.

Em comentário publicado na mesma edição da Science que traz o artigo dos pesquisadores brasileiros e chineses, o especialista em reprodução de aves e répteis Denis Charles Deeming, zoólogo da Universidade de Lincoln, no Reino Unido, elogia a descoberta, sobretudo pelo número de ovos encontrados ao lado de ossos fossilizados de pterossauros juvenis e adultos. Deeming diz, no entanto, que o achado deixa muitas perguntas sem resposta. “Os ovos eram enterrados na areia ou cobertos por vegetação? O tamanho do ninho se limitava a dois ovos? Por que tantos ovos apresentam sinais de desidratação?”, indaga. Os pterossauros, que existiram entre 230 milhões e 66 milhões de anos atrás, costumavam viver perto de áreas costeiras ou de lagoas e se alimentavam de peixes. Os fósseis da região de Turpan-Hami são um dos poucos desses répteis alados que habitavam no interior de um continente.

Artigo científico
 
WANG, X. et al. Egg accumulation with 3D embryos provides insight into the life history of a pterosaur. Science. 1º dez. 2017.

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