Embriões de 278 milhões de anos
Pesquisadores do Brasil e do Uruguai encontraram os mais
antigos restos de répteis aquáticos associados a embriões de que se tem
notícia. O achado, tema da coluna de maio de Alexander Kellner, fornece
evidências sobre as estratégias reprodutivas desses animais primitivos.
Publicado em 15/05/2012
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Atualizado em 15/05/2012
À esquerda, fóssil de embrião de mesossauro (réptil aquático
primitivo) encontrado em rochas de 278 milhões de anos. À direita,
representação gráfica do material. (imagens: Historical Biology)
O estudo das estratégias reprodutivas adotadas pelos vertebrados é de
grande importância para a compreensão da evolução desse grupo
O grupo de vertebrados dotados de ovo amniótico – chamados de
amniotas – reúne os mamíferos e os répteis (incluindo dinossauros e
aves). Esse ovo pode ter uma casca dura, como ocorre em grande parte dos
répteis, ou ser composto apenas pelas membranas, como no caso dos
mamíferos.Entre os amniotas, há animais que fazem a postura de seus ovos (denominados ovíparos) e outros cujo embrião se desenvolve dentro do corpo da mãe (chamados de vivíparos).
Existem ainda aqueles – chamados de ovovivíparos – cujo ovo é retido por um tempo prolongado dentro do corpo das fêmeas e a postura é realizada quando o embrião já se encontra em um estágio de desenvolvimento bastante avançado.
O aparecimento do ovo amniótico em vertebrados é um assunto bastante debatido no meio acadêmico. Embora os primeiros amniotas descobertos datem de aproximadamente 340 milhões de anos atrás, não existia, até agora, qualquer evidência direta ou indireta acerca da estratégia reprodutiva desses animais.
Particularmente em depósitos do Paleozoico (era geológica que compreende camadas formadas entre 542 milhões e 251 milhões de anos atrás), nunca tinham sido encontrados indícios de ovos ou de embriões, fato que intrigava os cientistas, já que, em alguns depósitos, houve extensa atividade de coleta ao longo de décadas. Uma das explicações para essa ausência está relacionada ao baixo potencial de preservação de embriões e ovos, que são bastante frágeis.
Mas uma descoberta recente feita por pesquisadores uruguaios e brasileiros acaba de fornecer novas pistas sobre a maneira como os répteis mais primitivos se reproduziam. O achado, publicado na Historical Biology, indica que a viviparidade em animais dotados de ovo amniótico é bem mais antiga do que se supunha.
Viviparidade em répteis primitivos
Até então, o registro mais antigo de animal amniota vivíparo pertence a um réptil marinho primitivo chamado de Keichosaurus. Essa forma, da qual são conhecidas algumas dezenas de espécimes, é procedente de rochas do Triássico com aproximadamente 230 milhões de anos encontradas na China. O tamanho dos indivíduos é relativamente pequeno: o comprimento da cauda até o focinho é menor do que 30 centímetros (cerca de um palmo e meio).A hipótese de que essa espécie já teria desenvolvido o ovo amniótico foi levantada pelos pesquisadores responsáveis pela descoberta porque foram encontrados alguns embriões diretamente associados ao corpo de supostas fêmeas.
A pesquisa recua em cerca de 50 milhões de anos o registro mais antigo de um animal amniota vivíparo
O novo estudo, que foi liderado por Graciela Piñeiro, da Faculdade de
Ciências, em Montevidéu (Uruguai), e teve a participação de Jorge
Ferigolo, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (Brasil),
encontrou interessantes evidências de viviparidade em restos de
mesossauros (répteis aquáticos primitivos) coletados em rochas de 278
milhões de anos. Dessa forma, a pesquisa recua em cerca de 50 milhões de
anos o registro mais antigo de um animal amniota vivíparo.Os mesossauros são estudados há bastante tempo, mas, devido à fragilidade do seu crânio, ainda geram algumas controvérsias. Segundo a maioria dos pesquisadores, esses vertebrados ocupam uma posição bem basal na evolução dos répteis; no entanto, há quem chegue a considerá-los um grupo à parte, talvez o mais primitivo dentro dos amniotas.
São reconhecidas três espécies de mesossauros, pertencentes a três gêneros distintos: Mesosaurus, Stereosternum e Brazilosaurus. De forma geral, a aparência desses pequenos animais – que raramente chegam a ter um metro de comprimento – lembra superficialmente a de lagartos e seus hábitos são considerados marinhos.
Os restos de mesossauros são relativamente numerosos em alguns depósitos tanto no Brasil como no Uruguai. Também já foram coletados em Goiás e, sobretudo, na África do Sul. Vale a pena ressaltar que, como os mesossauros são encontrados tanto na América do Sul quanto na África, eles são evidências diretas da união desses continentes no passado distante, já que dificilmente teriam condições de cruzar o oceano Atlântico, cuja dimensão atual foi formada ao longo de milhões de anos.
Graciela e seus colaboradores estudaram dezenas de indivíduos coletados no Brasil e no Uruguai e encontraram evidências de embriões diretamente associados ao corpo de indivíduos adultos, incluindo uma possível fêmea com um embrião ainda no interior de seu corpo. Também havia outros espécimes cujas dimensões diminutas (menos de 15 centímetros de comprimento) sugerem tratar-se de animais muito jovens, possivelmente embriões.
Com base nesses exemplares, além de estabelecer o registro mais antigo de viviparidade em amniotas primitivos, os autores puderam fazer várias sugestões com relação à reprodução dos mesossauros. Uma delas é que uma fêmea deveria carregar poucos filhotes – apenas um ou dois de cada vez. Caso essa interpretação esteja correta, existe a possibilidade de que os mesossauros cuidassem de seus filhotes recém-nascidos, um comportamento comum em animais com prole reduzida.
A pesquisa abre uma interessante possibilidade de investigação, já que o desenvolvimento de estratégias reprodutivas é absolutamente fundamental do ponto de vista da evolução dos organismos. Distintas formas encontram maneiras diferentes de se reproduzir para possivelmente se adaptar às novas situações e condições surgidas durante a evolução do nosso planeta. E assim a vida continua, cheia de surpresas interessantes, tanto no passado como no presente...
Aproveito para agradecer ao professor Jorge Ferigolo por me enviar o artigo em questão.
Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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