O que é Sistemática ? (Parte 1)
Pr: Marcus V. Cabral
Imagino que em
algum momento lendo aqui no Blog Paleontologia Geral você tenha se deparado com umas
palavrinhas diferentes ou que têm um uso diferente do que está
acostumado, como gênero, classe, ordem, reino entre outras. Que mistura
esquisita, cada palavra estranha, confunde a cabeça da gente e faz uma
bagunça danada não acha? Pois devo te dizer que não é bem assim, o
objetivo dessas palavras é exatamente o oposto e é disso que vou falar
hoje. Aos leitores de plantão que já sabem o que isso significa, não
custa reler pra manter tudo fresco na memória, mas é para aqueles que
perderam a explicação na escola e que não estão por dentro do assunto
que estou direcionando este artigo! Vou tentar tornar tudo muito simples
e tranquilo, fácil de entender.
Como você já sabe, recentemente comecei uma nova graduação, desta vez em Ciências Biológicas, que é o curso que eu sempre sonhei em fazer. Estou adorando. Fica a dica, faça algo que você realmente goste como profissão se lhe for possível, não se arrependerá. E foi durante minhas aulas que surgiu a ideia desse post. Os leitores mais experientes podem até achar chato ou desnecessário e repetitivo, mas vou tratar aqui sobre Sistemática básica! Isso aí, você leu certo, Sistemática! Você não ia descomplicar as palavras e agora me vem com uma pior?
Claro que vou explicar caro dinófilo, mas vamos com calma. Não é nada complicado se você prestar bem atenção e este artigo! Então fecha o Facebook, Twitter, desliga a música e se acomoda bem na cadeira pra aproveitar bem o texto!
Eu falei sobre o meu curso porque obviamente, nas aulas de um curso de Ciências Biológicas uma coisa de que se fala muito é a classificação sistemática, incluindo taxonômica e filogenética. Enquanto assistia uma aula lembrei que nem todos têm facilidade para entender esse assunto e embora eu esteja sempre explicando em doses homeopáticas nos artigos que escrevo, acho que seria legal um artigo mais completo. Primeiro vou tratar da classificação taxonômica Lineana, que veremos agora, deixando a filogenética mais pro final do artigo.
A Sistemática é uma área da ciência dedicada ao estudo da variedade de seres vivos incluindo a criação de um meio para catalogação das diferentes espécies encontradas no planeta, extintas e viventes. Dentro da Sistemática temos duas áreas distintas, a Taxonomia que surgiu primeiro e a Filogenética, uma variação mais moderna com foco um pouco diferente da taxonomia.
Imagine o mundo como uma casa. Sabe quando a gente está arrumando a casa da gente, que cada coisa é colocada em um lugar específico? Na cozinha os utensílios como panelas, talheres, pratos, bacias, eletrodomésticos usados para cozinhar ou preparar qualquer alimento. Todos eles têm algo em comum, servem para de alguma maneira ajudar no processo de preparação ou armazenamento de comida.
Já na lavanderia ficam todas as coisas que têm em comum a função de ajudar na lavagem de roupas, sapatos e afins, no banheiro produtos ligados à higiene pessoal, na sala coisas para entretenimento, no quarto coisas que visam nosso descanso etc. Pelo menos de maneira genérica é assim que uma casa simples funciona né... claro que tem uns doidos como que em vez de organizar o quarto enchem de dinossauros de plástico... conhece alguém assim??? Bem não vem ao caso. Cada coisa possui seu devido lugar numa casa, de forma a manter tudo organizado e fácil de encontrar ou guardar quando preciso. A Taxonomia surgiu pelo mesmo motivo, ORGANIZAÇÃO!
Essa é palavra chave, pois o objetivo da taxonomia é oferecer um método de organização dos seres vivos da nossa grande casa, o Planeta Terra! Quem já teve aulas de biologia na escola deve lembrar do famoso Carolus Linnaeus (1707 - 1778) ou Carl Von Linné, chamado no português brasileiro simplesmente de Carlos Lineu. Ele é considerado o pai da taxonomia, pois foi ele quem introduziu o uso da Nomenclatura Binomial e a Classificação Científica e se preocupou bastante com a classificação das espécies, principalmente de animais. Este post vai focar principalmente nestas duas coisas.
Lineu
© Alexander Roslin/Domínio Público |
Como
todo bom cientista, Lineu percebeu a falta de um meio prático de
classificação e resolveu adotar um método, o qual publicou em seus
livros, entre eles "Systema Naturae" e "Species Plantarum". Acredita-se que foi com base num método usado muitos anos antes pelos irmãos Gaspard Bauhin (1560 - 1624) e Johann Bauhin (1541 - 1613) para
a classificação de plantas, também composto por duas palavras em latim,
Lineu definiu alguns critérios que guiariam a classificação, sendo que
eram principalmente baseados nas similaridades morfológicas e anatômicas
dos animais e plantas, ou seja, dependendo de sua semelhança na
aparência eram classificados juntos como pertencendo a um mesmo grupo ou
categoria. Por exemplo, O Leão é mais parecido com o Tigre do que com o
Jacaré, portanto seriam agrupados em uma categoria, enquanto que o
Jacaré ficaria em outra junto com as Iguanas com quem se parece mais.
Para
abrigar os seres vivos Lineu criou 7 (sete) categorias e inseriu os
seres vivos em cada uma de acordo com sua semelhança. As categorias eram
organizadas de maneira hierárquica, em que um indivíduo compunha um
grupo, vários desses grupos compunham um grupo maior ainda e assim por
diante.
A lista de categorias oficiais em ordem hierárquica decrescente, ou seja, da maior (mais abrangente) para a menor (mais restritiva), é a seguinte:
- Reino
- Filo
- Classe
- Ordem
- Família
- Gênero
- Espécie
Temos
a unidade básica que é a Espécie. Várias espécies juntas constituem um
Gênero. Vários Gêneros constituem uma Família, que agrupadas constituem
uma Ordem. Várias ordens constituem uma Classe, várias classes um Filo e
vários filos compõem um Reino. Podemos comparar com vários sistemas usados hoje como o sistema métrico, onde cada unidade menor se agrupada com outras iguais forma um grupo ou unidade maior (ex: milímetros, que agrupados foram centímetros, ou metros que agrupados forma quilômetros).
Aposto que você deve estar se perguntando como sabemos o que é uma espécie e o que não é, para determinarmos o que são todas as outras categorias.
Bem, na ciência moderna existem várias definições de espécie, cada uma um pouquinho diferente da outra, mas todas de certo modo parecidas. Com o passar do tempo o conceito mudou para se adaptar às novas descobertas ou observações feitas sobre o conceito anterior. Atualmente aceita-se que:
Se
um animal cruza com outro e gera um descendente estéril, incapaz de
reproduzir, os dois não são considerados como sendo a mesma espécie, ou
seja, o filhote precisa ser capaz de reproduzir-se também para que seus
pais sejam da mesma espécie. Um exemplo bem comum é o Cavalo e o Burro. O
Burro, ou a fêmea Mula, são incapazes de se reproduzir, pois são
híbridos surgidos do cruzamento entre o Cavalo e uma Jumenta ou um
Jumento e uma Égua. Portando o Cavalo e a Égua não pertencem à mesma
espécie do Jumento e da Jumenta. Aposto que você deve estar se perguntando como sabemos o que é uma espécie e o que não é, para determinarmos o que são todas as outras categorias.
Bem, na ciência moderna existem várias definições de espécie, cada uma um pouquinho diferente da outra, mas todas de certo modo parecidas. Com o passar do tempo o conceito mudou para se adaptar às novas descobertas ou observações feitas sobre o conceito anterior. Atualmente aceita-se que:
Espécie é um grupo de indivíduos morfológica e genéticamente similares, vivendo no mesmo lugar o mesmo tempo e que se reproduzem entre si deixando descendentes férteis.
Devo ressaltar que, na época em que Lineu publicou suas obras, o idioma mais utilizado pelos estudiosos para publicar seus livros era o Latim (hoje em dia é o inglês), por isso ficou decidido que essa era a língua que padronizaria os nomes científicos. Além do mais, o latim hoje em dia é uma língua morta, ou seja, não há nenhum povo que fale oficialmente o latim no dia-a-dia e isso é vantajoso para evitar que algum povo seja privilegiado por sua língua ser escolhida para uso na classificação científica.
Você já deve ter cansado de ler aqui no blog nomes como Tyrannosaurus rex, Triceratops horridus, Stegosaurus armatus, Brachiosaurus altithorax entre outros, certo? Pois saiba que todos esses são nomes científicos dados aos dinossauros quando foram descobertos e note que todos eles apresentam uma configuração em comum. São escritos em Latim, com duas palavras ou dois nomes, daí o nome da classificação ser "binomial". Esse método surgiu para evitar a confusão que surgia quando se usavam nomes populares dos seres vivos, principalmente entre línguas diferentes. Imagina só como deveria ser complicado para um cientista antigamente explicar para outro que não falava sua língua a que ser vivo está se referido. Vamos ver por exemplo um animal bem comum, o Cachorro. Cada língua chama o animal por um nome popular diferente. Enquanto temos aqui Cachorro, em inglês é Dog, em espanhol é Perro, em francês é Chien, em italiano é Cane, em polonês é Pies, em sueco é Hund e assim por diante, cada língua chamando o mesmo bicho por uma palavra diferente. Apesar de que nenhum ser vivo extinto e presente no registro fóssil fosse chamado por um nome popular, os nomes científicos também se aplicam a eles. Depois é que alguns ganharam nomes populares, muitos derivados do nome científico.
Utilizando um nome padrão científico que segue as mesmas regras em todos os países evita-se essa confusão. Assim o nome científico Canis lupus é imediatamente reconhecido como sendo o Lobo, e Canis lupus familiaris é a subespécie Cachorro ou Cão doméstico.
Mas Ikessauro, agora você usou 3 nomes, não eram dois apenas? Você não disse que os nomes científicos são BINOMIAIS, ou seja, compostos de dois nomes? Porque o nome do Cachorro é Canis lupus familiaris, com três nomes?
A explicação para isso é simples: normalmente quando um animal é aparentado a outro eles são postos no mesmo gênero. Vamos pegar como exemplo o Lobo (Canis lupus) e o Coiote (Canis latrans). Ambos são tão similares que pertencem a um mesmo gênero, Canis. Porém não são tão parecidos a ponto de serem considerados a mesma espécie, por isso o epíteto específico (a parte do nome que define a espécie) é diferente, neste caso lupus para o Lobo e latrans para o Coiote.
Mas e quando os dois animais são realmente parecidos e pertencem à mesma espécie, mas existe uma variação entre os indivíduos? Neste caso criou-se a categoria chamada de Subespécie, que é representada pelo terceiro nome, no caso do Cachorro esse nome é familiaris.
Nós seres humanos somos exemplos de subespécie! A nossa espécie Homo sapiens surgiu há muito tempo, já era um homem muito mais complexo e inteligente que seus antepassados, mas nós da era moderna somos ainda mais adaptados, temos um nível de inteligência e organização social mais desenvolvido e algumas outras características que nos diferem do H. sapiens de 200 mil anos atrás. Por isso somos considerados como a subespécie Homo sapiens sapiens.
E aqui surge mais uma dúvida. Não eram apenas 7 categorias usadas para classificar os seres vivos? Sim, eram 7 as categorias originais e obrigatórias criadas para abrigar os seres vivos, porém com o passar do tempo a ciência evoluiu e observou-se a necessidade de novas categorias ou subcategorias para classificação, por isso foram criadas subespécies, superordens, superfamílias entre outras subcategorias, consideradas de uso facultativo.
Dessa maneira podemos dizer que existem as categorias taxonômicas principais obrigatórias, que DEVEM ser usadas para classificar um ser vivo e as subcategorias facultativas, que podem ser usadas ou não de acordo com a necessidade ou objetivo da pesquisa. Mas existe uma regra que diz o seguinte: Se você usa uma categoria facultativa, há a obrigatoriedade de mencionar a categoria obrigatória imediatamente acima desta. Por isso no caso do cachorro eu sou obrigado a mencionar o gênero e epíteto específico Canis lupus antes de escrever a subespécie, familiaris.
A
princípio tínhamos 7 categorias, porém em 1990 o cientista Carl Woese
propôs uma nova categoria maior ainda, que abrigaria os vários Reinos existentes, chamando essa categoria de Domínio. Essa categoria também pode ser chamada de Império ou Super-Reino. Maior que domínio somente o Superdomínio Biota, que abriga toda a vida existente. Podemos dizer então que são 8 as categorias obrigatórias, organizadas hierarquicamente assim:
- Domínio
- Reino
- Filo
- Classe
- Ordem
- Família
- Gênero
- Espécie
Até mesmo com seres vivos atuais isso acontece e é por isso que existem o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica e o Código Internacional de Nomenclatura Botânica (que inclui plantas e apesar do nome também fungos entre outros). Estas instituições ou entidades regem quais nomes são válidos e como se deve proceder para nomear nova espécie ou renomear uma antiga, caso necessário.
Essa revisão breve e simples feita acima compreende o que se define como Sistemática Clássica, a qual usava somente a classificação lineana levando em consideração qualquer semelhança física entre seres vivos para agrupá-los. A partir daqui trataremos da Sistemática Filogenética.
Tendo em mente que a taxonomia lineana é útil, porém não fornece um meio completo de classificação por não levar em conta o aspecto evolutivo dos seres vivos. O alemão Willi Hennig percebeu isto, sendo um biólogo e especialista em insetos (entomólogo) realizou pesquisas e documentou seu novo método de classificação, que foi publicado em 1950. Porém somente em 1966 é que o livro foi traduzido para o inglês, assim permitindo que mais pesquisadores tivessem acesso e conhecessem a nova proposta que denominou de Sistemática Filogenética. Inicialmente a filogenética não foi completamente aceita pela comunidade científica, havendo tantos pesquisadores contra seu uso quanto havia a favor, porém com o tempo se tornou o que se define como paradigma, algo que é aceito como certo e toma lugar como principal teoria ou método científico, passando ser o mais usado. Hoje Hennig é conhecido com um dos biólogos e sistematas mais importantes para a biologia, denominado inclusive de "Pai da Sistemática Filogenética".
Willi Hennig
© Gerd Hennig |
A proposta de Hennig é baseada na evolução, ou seja, de que todos os seres vivos são em algum nível aparentados, alguns mais proximamente e outros nem tanto. Esse parentesco se dá porque todos os seres vivos descendem de um único Ancestral Comum (esse é um termo importante, então trate de lembrar dele), o ser mais primitivo surgido nos primórdios da Terra. Com o tempo esse ser vivo se diversificou e originou outras espécies, que originaram novas espécies e assim sucessivamente até que o planeta estava abrigando diversas formas de vida.
A intenção de Hennig não era apenas agrupar os seres vivos parecidos externamente e sim levar em consideração a história evolutiva, analisando que é parente de quem, em que grau e porque se chegou a essa conclusão. Por isso a ideia principal é a de que uma espécie seria nova se apresentasse uma característica nova, não presente anteriormente em seus ancestrais.
A intenção dele, imagino, era mostrar que espécie descende de quem até entendermos de onde vieram todos os seres vivos modernos e extintos, sendo nesse caso extremamente importante o estudo dos organismos fósseis.
A partir dessa classificação pode-se entender qual espécie ou grupo de seres vivos existiram e em que momento da história evolutiva uma espécie se transformou em outra, ou ainda, se dividiu em duas ou mais espécies. Desta forma conseguimos saber por exemplo que as Aves descendem dos Dinossauros e que o Hipopótamo é mais aparentado às Baleias do que ao Rinoceronte e ao Elefante. A taxonomia não permitia entender estas relações de parentesco porque somente levava em conta análises morfológicas superficiais, principalmente a aparência externa do animal, planta etc.
Com a análise filogenética a nível molecular conseguimos entender muito mais aspectos e os estudos de anatomia comparada nos fornecem muitas pistas sobre quando e porque certas características surgiram em alguns seres vivos e em outros não.
Na filogenia há uma busca para entender e montar os grupos naturais de seres vivos, ou seja, realmente entender seu parentesco e organizá-los taxonomicamente de forma que sua ancestralidade seja respeitada. Um clássico exemplo disso é o da classe dos Répteis (Reptilia), que normalmente são classificados pela sua aparência e contém as ordens Crocodilia, Rhynchocephalia, Squamata e Testudinata.
Porém sabe-se que os mamíferos e aves são descendentes de répteis, então répteis como se conhece hoje em dia, animais escamosos, de "sangue-frio" etc, não são considerados um grupo natural, pois não incluem todos os descendentes, especificamente as aves e mamíferos. A partir de todos estes estudos de taxonomia e sistemática é que surgiu a famosa "Árvore da Vida", representando o processo evolutivo mais aceito pela ciência.
A Árvore da Vida
© The Open University |
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