Parasitas, às armas!
Marcus V. Cabral - 27/09/2013
O alarme disparou e continua no volume máximo desde fevereiro de 2012, quando se fez a primeira avaliação dos estragos causados por uma lagarta invasora – Helicoverpa armigera – nas lavouras brasileiras. Ainda não se sabe bem como a praga veio parar no Brasil e não se descarta a hipótese de bioterrorismo (não seria a primeira nem a última vez). Mas já se tem certeza de que a espécie chegou muito bem armada para causar grandes danos. Armada, na verdade, até no nome, pois a palavra armigera, em latim, quer dizer “que porta armas”.
As estimativas de perdas ficam entre 1 e 2 bilhões (sim, com B) de reais, só nas safras deste ano de milho, soja e algodão, em quatro estados: Bahia, Mato Grosso, Distrito Federal e Paraná. O bichinho esfomeado ameaça também as plantações de tomate industrial – o do molho de macarronada – de Mato Grosso e Goiás, além de outras culturas no Mato Grosso do Sul, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo e Pará.
H. armigera é velha conhecida dos agricultores da Índia e da Austrália, onde já causa danos há anos. Na fase adulta, é uma mariposinha de 4 centímetros, porém capaz de migrar para longe, em voos de até mil quilômetros, reproduzindo-se rapidamente onde quer que pouse!
Enquanto larva, traça de tudo, sem preferências por um único vegetal e sem distinguir plantas nativas de cultivadas. Fura, destroi e devora folhas, flores, frutos e, se bobear, até plástico. “Um produtor capturou algumas lagartas como amostra e, quando me trouxe, elas haviam comido o saco plástico onde ele as colocou”, conta o especialista em Toxicologia e Saúde Pública, Flávio Zambrone, da Planitox.
A pedido do governo da Bahia, Zambrone verificou a toxicidade de um novo pesticida – benzoato de emamectina – cujo uso foi autorizado às pressas pelo Governo Federal, no primeiro semestre deste ano, para enfrentar a nova praga. De acordo com sua avaliação, o produto pode causar problemas neurotóxicos, mas a margem de segurança é grande e o risco é semelhante ao de outros pesticidas químicos, restringindo-se a casos de intoxicação do aplicador. A persistência no ambiente é baixa, assim como a possibilidade de contaminação dos alimentos.
Ainda assim, “a identificação de agentes de controle biológico seria extremamente positiva, pois eles diminuiriam a população da praga e, consequentemente, diminuiria a necessidade de químicos”, pondera o toxicologista. E não é que existe uma vespinha brasileira – Trichogramma pretiosum – capaz de fazer diferença na guerra contra a tal lagarta Helicoverpa armigera?
Quem aposta nesses insetinhos parasitas de outros insetos é o entomólogo José Roberto Postali Parra, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Ele trabalha há 40 anos com controle biológico de pragas e foi responsável por pesquisas que tornaram comum o uso de vespinhas do mesmo gênero (Trichogramma galloi) em canaviais, para controlar a broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea sacharalis).
“Hoje, cerca de 50% da área plantada com cana no Brasil é tratada com insumos biológicos”, comemora. Em sua opinião, o uso do controle biológico na soja deveria ser ampliado, devido ao potencial das vespinhas Trichogramma pretiosum contra diversas pragas, incluindo a lagarta voraz. “Um dos problemas é a produção em escala das vespinhas”, diz. “Desenvolvo a tecnologia em escala de laboratório, mas preciso repassar a empresas capazes de multiplicar as vespinhas e torná-las disponíveis para o produtor, em grande escala. Felizmente hoje já existem várias empresas especializadas nos insumos biológicos, algumas criadas por ex-alunos meus, a quem incentivei, pois a necessidade é grande”.
Outro problema é a cultura do agricultor, prossegue José Roberto Parra. “Muitos não acreditam que vespinhas tão pequenas podem acabar com uma praga. Mas esses insetos são muito específicos: quando a mariposa adulta põe os ovos, ela libera sinais químicos reconhecidos pela vespinha. Após localizar os ovos da mariposa, a vespinha fêmea deposita neles os seus ovos e isso impede o desenvolvimento das lagartas”.
De acordo com Dalva Gabriel, do Centro Experimental Central do Instituto Biológico do Estado de São Paulo, “a eficiência de parasitismo alcançada pela utilização de Trichogramma, visando à contenção de surtos populacionais de lagartas do algodoeiro, é da ordem de 70 a 80%”.
Para chegar a tanto, porém, é necessário municiar os parasitas com as armas e estratégias adequadas. É preciso, por exemplo, monitorar o desenvolvimento da praga; avaliar os níveis de infestação e liberar as vespinhas no momento certo (quando há ovos para ela parasitar); na quantidade certa (algo entre 50 a 100 mil vespinhas por hectare em 20 a 25 pontos diferentes) e com a tecnologia certa (cartelas que protegem as vespinhas contra as formigas e outros inimigos naturais).
Ou seja, não é só passar o trator e aplicar o pesticida para ver a praga morrer, como no caso dos químicos. Mas também não há nenhum risco de contaminação ambiental ou de intoxicação, nem mesmo os riscos relativos do novo inseticida. E, agora, ainda se trabalha a possibilidade de distribuir as vespinhas com aviões agrícolas, o que pode facilitar muito a rotina do controle biológico, redobrando as apostas nos parasitas para ganhar essa guerra!
Foto: Gyorgy Csoka/Hungary Forest Research Institute – Creative Commons (lagarta Heliocoverpa armigera)
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