Pioneirismo na restauração de florestas tropicais: a história da Floresta da Tijuca
Vicejando num perímetro de 21 km² no
Maciço da Tijuca e circunscrita ao atual Parque Nacional da Tijuca, a
Floresta da Tijuca continua a refletir as diferentes relações entre
natureza e sociedade, passado e presente, ciência e cultura.
Enquanto o cultivo do café avançava
sobre as altitudes em redor da cidade, o uso do solo e as inovações dele
suscitadas acabaram por circunscrever, nas vertentes ao norte do
maciço, o que se sagrou como Floresta da Tijuca, intimamente ligada à
história de ocupação do território fluminense, aos ciclos econômicos e à
construção da identidade cultural e científica da população que se
estabeleceu nesse espaço geográfico desde a chegada da corte portuguesa
até os dias atuais.
A intricada rede de relações sociais e
de poder tanto teceu, ao longo dos séculos XIX e XX, a destruição de
áreas naturais quanto ensejou a busca por soluções para os problemas
decorrentes.
Os primeiros plantios destinados ao
reflorestamento, em 1862, encontraram na escassez de água para
abastecimento da cidade do Rio de Janeiro sua explicação histórica mais
emblemática e, por que não dizer, romântica. Se aos olhos do
colonizador europeu a percepção das matas tropicais era como de natureza
bizarra e impeditiva ao progresso, sua substituição por espécies
exóticas, comercialmente viáveis e capazes de gerar uma paisagem mais
homogênea, à semelhança do Velho Continente, era mais que oportuna.
Em 1860 foi criado o Imperial Instituto
Fluminense de Agricultura (IIFA) com o projeto inicial de modernizar,
por meio de estabelecimentos de ensino agrícola e da divulgação de
conhecimento, as práticas rudimentares usuais, aliando teoria à prática.
A maioria de seus membros eram
proprietários rurais, porém também havia homens de ciência. Defendia‑se
ali a produção de conhecimento próprio sobre os recursos do país, bem
como a resistência à introdução das práticas europeias como verdade
absoluta.
Embora estabelecido por portaria o
plantio regular de árvores, num sistema de mudas e sementeiras, e com
arvoredos do país, em linhas retas paralelas, com distância fixa a
partir das nascentes, o major Gomes Archer – primeiro administrador da
Floresta Nacional da Tijuca – optou por reproduzir a fisionomia
desordenada da floresta tropical, o que mais tarde foi reconhecido.
Essa atitude sugere refletir sobre as
posições identitárias de construção de uma ciência nacional, dispersa
entre os homens de ciência e os intelectuais à época.
As mudas vieram da Floresta das
Paineiras (próxima ao Pico do Corcovado), de Guaratiba e outras mais
cultivadas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). As coleções
botânicas provenientes do Maciço da Tijuca e depositadas no herbário do
JBRJ somam três mil espécimes e podem servir de fonte informativa para o
estudo histórico da paisagem.
Um embrião do que se compreende hoje por
restauração ecológica pode ser encontrado nas práticas de Archer, cuja
seleção de espécies – privilegiando a coleta de espécies autóctones à
serrania –, bem como o arranjo espacial empírico – valendo‑se de sua
experiência em campo ao observar a organização natural dos indivíduos na
fisionomia local e as associações de espécies –, propiciou em longo
prazo a reconstituição florística e estrutural desse trecho de encosta
do Maciço da Tijuca. Diferentes autores têm se ocupado de pensar o lugar
do homem neste momento de grandes incertezas.
Os que nos antecederam na experiência da
Tijuca apostaram no futuro, no desconhecido e no improvável, e talvez
nós tenhamos o grande desafio científico e humano, em face da
contemporaneidade, de tornarmo‑nos, a cada dia, “pessoas que façam da
oposição ao pensamento consagrado uma virtude”.
Texto escrito por Rejan R. Guedes‑Bruni, Jardim Botânico do Rio de Janeiro e PUC‑Rio
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