terça-feira, 9 de novembro de 2010

Desafios da filogeografia

9/11/2010
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – “As publicações na área de filogeografia vêm crescendo de forma exponencial, graças à gradual integração entre biólogos e geocientistas, às novas tecnologias de DNA e aos novos métodos estatísticos disponíveis”, disse Luciano Beheregaray, professor das universidades Flinders e Macquarie, da Austrália.
A filogeografia combina biologia e geociência, estudando os processos históricos que podem ser responsáveis pela distribuição geográfica contemporânea de uma espécie.

Desafios da filogeografia
Em simpósio internacional do Biota-FAPESP, cientista aponta os principais desafios na área de filogeografia, que combina biologia e geociência. Levantamento indica poucos trabalhos justamente sobre as regiões de maior biodiversidade

Segundo Beheregaray, enquanto a maioria esmagadora da produção científica na área vem do hemisfério Norte, a contribuição dos países que concentram a maior parte da biodiversidade do planeta ainda é muito pequena. “Essa distorção dificulta a síntese comparativa da informação produzida globalmente, que é um dos desafios centrais da filogeografia”, disse nesta segunda-feira (8/11), durante o Simpósio Internacional sobre Filogeografia, organizado pelo Programa Biota-FAPESP.

Para reverter esse cenário, segundo o cientista brasileiro radicado na Austrália, é preciso que os países desenvolvidos invistam na pesquisa filogeográfica em países megadiversos, como o próprio Brasil.
“A filogeografia vem crescendo muito, mas os estudos ainda estão muito concentrados nos ambientes terrestres e nos países desenvolvidos. Seria importante investir em trabalhos em áreas de grande biodiversidade, onde há grandes lacunas de informação. Isso permitiria avanços científicos globais”, disse Beheregaray à Agência FAPESP.
Segundo ele, no contexto brasileiro o Estado de São Paulo tem se destacado nos estudos na área. “Mas há uma escassez de trabalhos no resto do país. Seria preciso fazer em todo o Brasil o que a FAPESP faz em São Paulo. Acredito que, para que isso seja feito em um nível satisfatório, será preciso ter recursos do exterior”, disse.

No contexto mundial, segundo Beheregaray, para que a pesquisa avance ainda mais, é preciso que os filogeógrafos deixem de lidar apenas com dados filogenéticos isolados. Ele explica que, como as mutações se acumulam ao longo do tempo, a filogenética é o motor da filogeografia. Mas isso não basta, é fundamental que essas informações sejam combinadas com dados sobre genótipos, por exemplo.
“O filogeógrafo é acima de tudo um naturalista. Um explorador em contato com o trabalho de campo, que precisa ser também um biólogo populacional e um geneticista. É um integrador que lida com uma ampla gama de questões da história natural – da escala dos genes até a escala geológica. Essa característica interdisciplinar torna fundamental a integração de comunidades científicas de vários países e áreas do conhecimento”, afirmou.

Trabalhando fora do Brasil há 14 anos, Beheregaray manteve diversas cooperações no país. O laboratório que coordena, dedicado a investigar a conectividade genética e ecológica de organismos aquáticos, tem atualmente um pós-doutorando e dois doutorandos brasileiros.
Seu grupo realizou um levantamento dos artigos científicos publicados até 2006 em revistas indexadas em busca da palavra-chave “filogeografia”. A análise permitiu perceber um grande crescimento na área nos últimos anos. Cerca de 4 mil artigos foram publicados em duas décadas, com um aumento pronunciado a partir de 2002. As citações também cresceram exponencialmente.
“Em termos de grupos taxonômicos, há uma tendência muito grande para mamíferos – cerca de 20% do total. Peixes e plantas vêm em seguida, com cerca de 15% cada. E os invertebrados – o grupo mais diverso – correspondem a apenas 13%”, disse.
A maioria esmagadora dos artigos, cerca de 81%, utilizava marcadores genéticos como o DNA mitocondrial, sendo que 75% dos estudos utilizaram exclusivamente esses marcadores. Em seguida, aparecem os estudos que utilizam técnicas como SNPs e microssatélites.
Em relação à natureza dos estudos, 68% dos artigos tratavam de um único táxon. Apenas 8% deles faziam uma comparação histórica demográfica e filogeográfica entre dois ou mais táxons.

“O mais alarmante é que em 24% dos estudos havia dados sobre múltiplos táxons, mas não havia comparação histórica. Cada estudo desses é uma chance perdida para usar esses dados de forma mais eficiente. A maioria desses estudos é proveniente dos países em desenvolvimento”, afirmou.
Do total de artigos, 69% tratavam do período Quaternário, 11% do Terciário e 18% de períodos cronológicos indeterminados. “Isso mostra que às vezes falta recorrer às geociências. Temos que ser mais criativos e interagir mais com a geologia, a geofísica, a hidrologia, a glaciologia e com as ciências atmosféricas”, disse.
Lacunas de informação
Para Beheregaray, ainda há uma dificuldade de integração disciplinar a ser superada. ”Muitos geocientistas ignoram tudo o que não é registro físico. Os filogeógrafos são mais integrados, usando outros conjuntos de dados além da genética. Mas muitas vezes são simplistas – e até incorretos – na hora de explorar e interpretar os dados da história da Terra”, disse.
Cerca de 65% dos trabalhos identificados no levantamento feito pelo grupo australiano tratavam de ambientes terrestres, 18% de água doce e 17% de ambientes marinhos. “Na área marinha, que é a de nosso interesse, há imensas lacunas em termos de informação sobre distribuição histórica da diversidade no oceano. Os bioinventários são praticamente inexistentes”, disse.
Das publicações em filogeografia, 77% tratavam de áreas do hemisfério Norte, apesar de a maior parte da biodiversidade global estar no hemisfério Sul. Cenários globais foram enfocados por apenas 6% dos trabalhos.
“A Europa e a América do Norte tiveram participação de 30% cada. Aproximadamente 15% dos estudos foram feitos na Ásia, 7% na Austrália, 7% na África e apenas 6% na América do Sul, que talvez seja o continente mais megadiverso”, disse o cientista.
Entre os países mais megadiversos – Brasil, Indonésia, Colômbia, Austrália, México e Madagascar –, apenas a Austrália apareceu como um dos principais produtores de pesquisa em filogeografia, na quinta colocação mundial. O Brasil ficou em 15º e a Indonésia em 40º.
“Muitos dos hotspots de biodiversidade estão nos trópicos e é preciso que a comunidade científica internacional volte os olhos para essas áreas”, disse Beheregaray.
“Os gestores precisam tomar decisões difíceis sobre o que deve ser protegido e é missão dos cientistas dar aos gestores critérios objetivos para isso. A filogeografia oferece um método muito exato, em alguns casos, para fazer a distinção evolutiva de populações”, afirmou.
Mais informações sobre o workshop internacional, que termina nesta terça-feira (9/11), na Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo: www.fapesp.br/biota/evento/filogeografia.

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