quarta-feira, 10 de novembro de 2010

08/11/2010
Ilustração do Irritator em vida
© Pablo Moreno
Reconstrução de Angaturama limai: o Irritator deveria ser semelhante
© Orlando Grillo

Nome científico: Irritator challengeri.
Significado do Nome: Irritante.
Tamanho: 8 metros de comprimento e 3 metros de altura aproximadamente.
Alimentação: Carnívora.
Peso: 1 tonelada aproximadamente.
Viveu: Brasil.
Período: Cretáceo, Aptiano - Albiano, há 110 milhões de anos.

Veja onde foi encontrado o Irritator!
© Modoficado por Marcus CabralVeja quando viveu o Irritator
© Marcus Cabral

Bem, até que enfim postarei sobre um dinossauro da minha terra, brasileiro. Seu nome é Irritator challengeri e os únicos fósseis foram encontrados no membro Romualdo, parte da Formação de Santana, por sua vez localizada na Bacia do Araripe - estado do Ceará. A única parte do corpo do animal encontrada foi um crânio, parcial, mal preservado, que foi coletado por vendedores de fósseis e por isso a data exata da coleta é incerta. O local do achado era igualmente desconhecido, mas depois de análises puderam encontrar o local, pelo menos aproximado.
Estes mesmos contrabandistas infelizmente alteraram o fóssil, que consiste num crânio que inteiro teria 60 centímetros de comprimento aproximadamente, mas o exemplar não estava inteiro e sendo a medida baseada em material incompleto podem surgir futuramente alterações de valores. Na verdade, se olharmos no artigo original de 1996, a estimativa era de 84 centímetros, levando-se em consideração o crânio não preparado. Ao limpá-lo e restaurá-lo devidamente, notou-se que seria menor, com base nas proporções do crânio do Baryonyx, o que foi relatado no artigo de Sues e seus colegas em 2002.
De qualquer forma este seria o crânio de espinossaurídeo mais completo já descoberto. até o momento. Essas alterações foram prejudiciais para a descrição do espécime, deixando os paleontólogos profissionais frustrados pela dificuldade do trabalho de identificação e os dando ao mesmo tempo uma idéia para nomear o novo dinossauro. Calma, eu explico melhor! Ocorreu da seguinte maneira: os traficantes de fósseis (isso mesmo, traficantes porque a venda de fósseis brasileiros é proibida por lei desde 1942) encontraram o material do crânio incompleto, com a maior porção sendo da parte traseira da cabeça e reconstruíram partes do fóssil (com material da própria matriz, rocha onde o fóssil foi achado e material sintético) deixando-o mais bonito para vender, alcançando assim melhor valor.

O crânio então foi vendido a paleontólogos europeus, provavelmente sem que os compradores em questão analisassem o material antes da compra, e por isso estes não ficaram sabendo da reconstrução de algumas partes e só notaram a parte modificada depois de comprar o material. A descoberta ocorreu quando usaram um scanner para analisar o crânio e perceberam que este havia sido alterado. Assim mesmo continuaram a estudá-lo, mas primeiro precisavam definir e entender o que era fóssil real e o que foi montado.
Veja o crânio parcial: difícil identificar o animal
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Reconstrução do crânio: áreas em branco são matriz ou material sintético
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Sues et. al. (2002)Reconstrução do crânio: áreas em branco são matriz ou material sintético
© Sues et. al. (2002)

A descoberta de que o fóssil era parcialmente alterado e o trabalho da separação foi tão difícil que eles ficaram irritados com o problema e no fim da história, resolveram nomear o animal como Irritator challengeri, sendo que o primeiro nome significa Irritante, aparentemente derivando da língua inglesa, e o segundo é uma homenagem ao personagem Professor Challenger, do livro O Mundo Perdido, do escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle.

A primeira descrição oficial do animal só foi publicada em 1996 no Journal of Geological Society, pelos paleontologistas D. M. Martill, A. R. I. Cruilkshank, E. Frey, P. G. Small e M. Clarke, descrevendo o fóssil holótipo marcado como SMNS 58022, estando no Staatliches Museum für Naturkunde Karlsruhe - Alemanha. Inicialmente estes pesquisadores haviam confundido o material, imaginando tratar-se de um Maniraptor, grupo de terópodes mais modernos, como os raptores emplumados do Cretáceo. Isso se comprova diretamente pelo título do artigo de Martill e seus colegas, "A new crested maniraptoran dinosaur from the Santana Formation (Lower Cretaceous) of Brazil. " Inclusive pode baixar o arquivo do artigo em PDF no link ao fim da postagem.

No entanto, no mesmo ano, Alexander Kellner, um paleontólogo brasileiro, estava trabalhando com um colega no artigo sobre um crânio parcial de um espinossaurídeo proveniente também do membro Romualdo, da formação de Santana, o qual viria a ser denominado Angaturama limai. O artigo sobre o Irritator foi publicado apenas algumas semanas antes de Kellner e Campos publicarem o estudo sobre o Angaturama. Assim, ao ver as fotos do material estudado na Europa, Kellner afirmou que seriam restos de um espinossaurídeo, o que foi confirmado posteriormente e atualmente é aceito pela maioria da comunidade científica.

Primeiro de tudo, você pode indagar como é que se sabe a procedência deste fóssil, como se tem certeza de que é brasileiro, veio do Ceará, especificamente do Membro Romualdo, parte da Formação de Santana.
Os pesquisadores conseguiram definir este detalhe a partir da matriz do fóssil, que nada mais é do que o pedaço de rocha onde ele estava encravado. Analisando as características litológicas foi possível perceber detalhes compatíveis com as rochas cretáceas da Formação de Santana, gerando assim novas análises com base em microfósseis. Este tipo de fóssil é formado por animais muito pequenos ou plantas ou bactérias minúsculas. Nas rochas de Santana há muita ocorrência de microfósseis do gênero Pattersoncypris, um tipo de crustáceo microscópico e como na matriz do fóssil do terópode haviam Pattersoncypris, foi confirmada a suspeita inicial além de escamas de peixes do gênero Cladocyclus, comuns no Membro Romualdo.
Sabendo isto, definiram de que país o fóssil veio, de que período e de que Formação, mas ainda faltava descobrir o local exato da extração. Então um dos pesquisadores mostrou uma foto do fóssil aos traficantes de fósseis da região, dos quais um lembrou do material e indicou um local perto da vila de Buxexé, na área de Santana do Cariri, parte da Chapada do Araripe, há cerca de 650 metros de altitude.
As rochas do local ainda estavam expostas, indicando boas chances de ser a origem do crânio, embora não se possa ter certeza. A camada data do Cretáceo Inferior, idades Aptiana e Albiana. e a consistência e cores da rocha batem com a matriz no crânio. Estima-se que o crânio venha de camadas de 110 milhões de anos de idade, ou seja, que foram formadas quando a América do Sul e África ainda estavam ligadas em um ponto ao norte do Brasil.
© Adaptado por Marcus Cabral

Aquele lugar apresentava lagunas de água doce ou salobra e sabe-se disso porque as rochas apresentam características deste tipo de formação, incluindo inúmeros fósseis de insetos encontrados ali, mostrando que haviam fontes de água doce das quais necessitam os insetos para botar suas larvas. Mas também foi encontrado o Santanachelys, uma tartaruga adaptada à ambientes marinhos, o que nos faz deduzir que haviam lagos ou praias de salobra ou salgada. Uma teoria é que o sítio era uma lagoa de água salobra, que era conectada ao mar e o clima era tropical, correspondendo ao clima atual no Brasil.

O Irritator era um terópode espinossaurídeo, que possuía o característico crânio com focinho alongado já tradicionalmente associado à este grupo de dinossauros. O fóssil foi interpretado como tendo uma crista, cuja parte posterior teria sido fabricada pelos contrabandistas de fósseis. No novo estudo publicado por Sues & Martill (2002), assume-se que a crista na verdade não é uma crista como imaginada, ou seja, o fóssil havia sido mal interpretado pelas más condições e alterações sofridas. Sim, ele tinha a crista, o que mudou é a localização dela e o fato é que não se sabe a forma ou tamanho real dela.
Cabeça do Irritator mostrando uma crista
© Felipe Alves Elias

Seu focinho comprido e fino, era extremamente estreito, comprimido lateralmente e tinha uma organização homogênea de dentes cônicos e lisos, adaptados para pegar e agarrar, ao contrário dos dentes de terópodes de outros grupos, cuja borda é serrilhada e funciona como uma faca, para cortar e arrancar pedaços de carne.
Observe as características do Irritator
© Andrey Atuchin

Essas adaptações serviriam provavelmente para agarrar peixes em lagoas e rios rasos e até mesmo na praia.
Há uma possibilidade de que comia répteis voadores, pois um dente de um carnívoro do grupo dos espinossaurídeos foi encontrado em um fóssil de pterossauro. Acredita-se que o dente pertence ao outro espinossaurídeo do Brasil, o Angaturama limai. Estes seres voadores habitaram o mundo todo durante a Era Mesozóica e na região de Santana no Cretáceo eram particularmente numerosos, apresentado grande diversidade de espécies.
Não há indício direto de que o Irritator ou mesmo o Angaturama apresentasse a vela dorsal como o Espinossauro. Porém diversos artistas gostam de dar sua interpretação do animal e mostram-no com vela, porém menor que a do parente africano.
Irritator com vela dorsal
© K. TerakoshiIrritator com vela dorsal
© Dorling Kindersley

Pesquisadores ainda debatem sobre o comportamento deste animal, sendo que alguns acreditam que o dinossauro deve ter sido como crocodilos de hoje, um oportunista que come de tudo, contanto que possa capturar e engolir.
Particularmente no Irritator e no Suchomimus, nota-se uma convergência com crocodilos que é regularmente discutida na literatura especializada. Diversos espécimes de espinossaurídeos foram, no passado, identificados erroneamente como de crocodilos extintos. Por exemplo, fósseis de um Barionix encontrados em Portugal foram originalmente descritos como Suchosaurus e somente em 2007 foram reconhecidos como sendo do espinossaurídeo.

As narinas no Irritator eram localizadas na região posterior do crânio e essa característica junto com a presença de um palato secundário tornava possível a respiração mesmo que a maior parte da mandíbula estivesse abaixo da água ou segurando uma presa. A presença de uma crista sagital no Irritator, aumenta a área de ligação com os músculos do pescoço, e isso indica que tinha uma musculatura do pescoço bem forte, que poderia ser necessária para empurrar a mandíbula fechada rapidamente contra a superfície da água quebrando a sua resistência e logo em seguida retirar a cabeça, provavelmente com uma presa na boca, sem sofrer com a resistência da água ou força de correnteza de um rio, como proposto em D. M. Martill et al. (1996). No entanto, não posso afirmar com certeza se essa hipótese continua válida, uma vez que a posição e tamanho da crista foram revistas em 2002. Apesar de classificar o animal como um maniraptor, Martill e sua equipe notaram a semelhança dos dentes com os de espinossaurídeos e a partir disso passaram a vê-lo como um pescador, um dinossauro piscívoro.
Irritator comendo peixe© Ezequiel Vera
Sues et al. (2002) afirmam, no entanto, que não há razão para assumir que os espinossaurídeos eram completamente especializados em pescar. Eles dizem que a morfologia da cabeça do animal indica hábito alimentar generalista, com preferência por presas pequenas. De fato, restos de um jovem Iguanodon, que é um dinossauro terrestre, foram encontrados dentro do esqueleto fóssil de um Barionix, que é um espinossaurídeo europeu.
Em Naish et al. (2004) suportam a teoria que o Irritator caçava tanto animais terrestres quanto aquáticos, de forma generalista dentro da área costeira e provavelmente procurava por carniça também.

O Angaturama limai foi considerado como sinônimo de Irritator, pois seus restos curiosamente parecem completar o crânio do outro animal, indicando que ambas as peças seriam partes de um mesmo animal. Mas fósseis mais completos de Angaturama mostram que embora sejam muito semelhantes, talvez não fossem a mesma espécie.

O Angaturama limai, da mesma época e período, foi descrito por Alexander Kellner e Diogenes A. Campos em fevereiro de 1996 com base nos fósseis encontrados na Formação Santana. Seu nome provém de um espírito protetor da cultura dos índios Tupi chamado Angaturama e o nome limai foi definido em honra de Murilo R. de Lima, que informou Kellner sobre o espécime em 1991.
Posteriores pesquisas nos anos recentes desenterraram pelo menos 60 % do esqueleto, permitindo que se criasse uma réplica do esqueleto para ser exposta montada no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Análises nos restos do Angaturama mostraram que seu focinho tem uma forte compressão lateral e uma crista sagital fina no topo da premaxila. Peixes devem ter sido grande parte de sua dieta. No entanto um fóssil de pterossauro foi encontrado com um dente de Angaturama encravado, sugerindo que o carnívoro predava estes répteis voadores, abundantes na região.
Angaturama limais atacando um pterossauro
© Maurilio Oliveira

Waiters e Campos (2000) assim como Machado e Waiters (2005) acreditam que os fósseis vem de dois diferentes gêneros, sendo que o Angaturama tem claramente um crânio mais alto e lateralmente mais chato que o Irritator. Se Angaturama e Irritator fossem realmente membros de um mesmo gênero, Irritator challengeri deveria ser o nome escolhido para representar o animal porque foi criado antes que o outro nome. O fóssil consiste somente da parte da frente da cabeça, o que é caracterizado pelo fato de que tal osso é bem estreito e mostra uma crista sagital na premaxila, que tem um dente quebrado com a coroa parcial. Tal fóssil corresponde ao do Irritator. Ao todo a premaxila apresenta 7 dentes, sendo o terceiro deles o mais longo, O fóssil é mantido sob o número USP GP32T-5 na Universidade de São Paulo.
O I. challengeri foi um membro da família Spinosauridae, especificamente da subfamília Spinosaurinae. Tem parentesco próximo com Spinosaurus e possivelmente Siamosaurus, porém esse último gênero é conhecido de pouco material fóssil, o que torna suas características duvidosas.

O Irritator foi originalmente descrito como um maniraptor dentro de Tetanurae, provavelmente devido à dificuldade de definir a forma original do crânio. Foi inserido na família Baryonychidae, junto com Angaturama, Baryonyx, Suchomimus e Spinosaurus por Oliver Rauhut em 2003.
Holtz et al. (2004) considerou que Baryonychidae era um sinônimo da família Spinosauridae e colocou os gêneros dentro desta última família. Revisões mais recentes tem mantido tal classificação.
Irritator atacando pterossauros numa praia© Felipe A. Elias


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