Mar ácido
O dióxido de carbono que emitimos na atmosfera aumenta a acidez da água dos oceanos. Será que daqui a um século ainda existirão ostras, mariscos e recifes de coral?
Por Elizabeth Kolbert
Foto de David Liittschwager
Foto de David Liittschwager
A centenas de metros da cena anterior, o CO2 borbulha de fendas vulcânicas e eleva a acidez da água a níveis que podem um dia predominar em todos os oceanos. Tapetes opacos de algas tomam o lugar da diversidade colorida - um alerta claro, segundo os cientistas.
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Castello Aragonese é uma ilha minúscula que se ergue abruptamente do mar Tirreno. Situada 27 quilômetros a oeste de Nápoles, dá para chegar ali de uma ilha vizinha um pouco maior, Ischia. O que atrai os turistas a Castello Aragonese é a vida tal como era no passado, no imponente castelo que abriga uma mostra de instrumentos de tortura medievais. Em contraste, os cientistas que visitam a ilha estão mais interessados em saber como será a vida no futuro.
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Há oito anos Hall-Spencer estuda o mar ao redor da ilha, medindo as propriedades da água e fazendo o levantamento dos peixes e corais. Em um gélido dia de inverno, saio para nadar com ele e a cientista italiana Maria Cristina Buia a fim de examinarmos de perto os efeitos da acidificação. Antes de entrar na água já notamos seu impacto. Aglomerados de cracas formam uma faixa esbranquiçada na base dos penhascos fustigados pelas ondas. "As cracas são muito resistentes", diz Hall-Spencer. Mas, nas áreas em que o mar estava mais ácido, elas haviam desaparecido.
Todos mergulhamos. Com uma faca, Maria Cristina extrai de uma rocha algumas lapas desventuradas. Em busca de alimento, elas haviam entrado em uma área na qual a água era cáustica demais. Tão finas eram as conchas que chegavam a ser quase transparentes. Bolhas de dióxido de carbono escapavam em abundância do leito do mar, como gotas de mercúrio. Continuamos a nadar, passando sobre leitos de relva marinha ondulante. A relva era de um verde muito vívido, pois os minúsculos organismos que normalmente recobrem as folhas, esmaecendo a sua cor, estavam ausentes. Tampouco havia ouriços-do-mar - eles não toleram nem mesmo água moderadamente ácida. Enxames de águas-vivas quase translúcidas passaram flutuando.
Águas-vivas, relva marinha e algas - essas são as formas de vida que conseguem sobreviver perto da área que concentra as fendas vulcânicas nas proximidades de Castello Aragonese. E mesmo a uma distância de poucas centenas de metros muitas espécies não podem sobreviver. A água ali apresenta uma acidez tão elevada quanto a que os cientistas estimam para os oceanos até 2100. "Normalmente, em uma baía poluída, encontramos espécies que se assemelham às ervas daninhas e conseguem suportar condições muito variáveis", comenta Hall-Spencer quando voltamos ao barco. "É mais ou menos isso o que acontece quando se aumenta a concentração de CO2."
Desde o início da Revolução Industrial, queimamos combustíveis fósseis - carvão mineral, petróleo e gás natural - e desmatamos florestas em um ritmo que foi capaz de emitir mais de 500 bilhões de toneladas de CO2. Já está comprovado que a atmosfera apresenta hoje uma concentração de CO2 mais alta que em qualquer outra época nos últimos 800 mil anos - se não mais.
Menos conhecido, porém, é o modo como as emissões de carbono vêm alterando também os oceanos. Como há troca constante de gases entre o ar e a água, uma parte de tudo o que lançamos na atmosfera acaba no mar. Em pouco tempo, os ventos misturam esses gases na camada superficial dos oceanos, com algumas centenas de metros de profundidade. Ao longo dos séculos, as correntes os distribuem pelas profundezas oceânicas. Na década de 1990, uma equipe internacional de cientistas empreendeu um exaustivo projeto de pesquisa, em que foram coletadas e analisadas mais de 77 mil amostras de água do mar, recolhidas em diferentes profundidades e locais ao redor do mundo. Esse trabalho estendeu-se por 15 anos e mostrou que os oceanos absorveram 30% do dióxido de carbono emitido pelas atividades humanas no decorrer dos últimos dois séculos. E continuam a captar cerca de 1 milhão de toneladas a cada hora que passa.
Para a vida em terra firme, esse processo é uma dádiva: cada tonelada de CO2 que os oceanos removem da atmosfera é 1 tonelada que deixa de contribuir para o aquecimento global. No entanto, para a vida nos mares, a questão assume um aspecto diferente. Para a ecóloga Jane Lubchenco, a acidificação dos oceanos é a "gêmea tão maléfica" quanto o aquecimento global.
A escala de pH, que mede a acidez com base na concentração de íons de hidrogênio, varia de zero a 14. Na extremidade baixa da escala estão os ácidos fortes, como o clorídrico, que libera hidrogênio (com mais facilidade que o ácido carbônico). Na outra ponta estão as bases fortes, como a soda cáustica. A água pura e destilada tem pH de 7, que é neutro. A água do mar deveria ser algo alcalina ou básica, com pH em torno de 8,2 perto da superfície. Até agora, as emissões de CO2 reduziram o pH dos oceanos em cerca de 0,1. Do mesmo modo que a Richter, a escala de pH é logarítmica e, portanto, até mesmo pequenas variações numéricas implicam efeitos de grande impacto. Uma queda de 0,1 no pH significa que a água se tornou 30% mais ácida. Mantida a tendência atual, o pH da superfície dos mares irá cair para cerca de 7,8 até 2100. Nessa altura, a água será 150% mais ácida que em 1800.
A acidificação registrada até agora é, acredita-se, irreversível. Embora na teoria seja possível acrescentar produtos químicos aos oceanos para contrabalançar os efeitos do CO2 adicional, na prática os volumes requeridos são espantosos. Por exemplo: para compensar cada tonelada de dióxido de carbono, seriam necessárias 2 toneladas de cal - e hoje estamos emitindo mais de 30 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Por outro lado, os processos naturais que poderiam neutralizar a acidificação - como a erosão das rochas em terra firme - ocorrem em ritmo lento demais para fazer diferença em escala humana. Mesmo que a emissão de CO2 pudesse ser interrompida hoje, levaria dezenas de milhares de anos para que a composição química dos oceanos retornasse aos níveis anteriores à Revolução Industrial.
A acidificação do mar tem uma miríade de consequências. Ao favorecer determinados micróbios marinhos em detrimento de outros, ela altera a disponibilidade de nutrientes cruciais, como ferro e nitrogênio. Por motivos similares, é possível que permita maior penetração dos raios solares na superfície do mar. Ao alterar a composição química original da água do mar, também se espera que a acidificação reduza em até 40% a capacidade que a água tem de absorver e abafar os sons de baixa frequência, aumentando assim o nível de ruído em partes do oceano. Por fim, a acidificação interfere na reprodução de algumas espécies e na capacidade de outras - as chamadas "calcificadoras" - para formar conchas e esqueletos pétreos de carbonato de cálcio.
Em 2008, um grupo de mais de 150 pesquisadores de primeira linha divulgou um documento no qual afirmavam estar "muito preocupados com as recentes e aceleradas alterações na composição química dos oceanos" - alterações que podem, no prazo de décadas, "afetar os organismos marinhos, as cadeias alimentares, a biodiversidade e as áreas de pesca". Os recifes coralinos em águas quentes são o grande drama. Porém, como o dióxido de carbono se dissolve com mais facilidade em águas frias, o impacto pode se manifestar antes nas áreas mais próximas dos polos. Os cientistas já registraram efeitos relevantes nos pterópodes - minúsculos moluscos que são importantes fontes de nutrição para peixes, baleias e aves, tanto no Ártico como na Antártica. Experimentos comprovaram que as conchas dos pterópodes crescem mais devagar em água do mar acidificada.
Conseguirão os organismos adaptar-se à nova composição química dos oceanos? Os indícios de Castello Aragonese não são muito animadores. Ali as fendas vulcânicas vêm lançando CO2 no mar há pelo menos mil anos, disse Jason Hall-Spencer quando estive na ilha. Mas, na área em que o pH é 7,8 - o nível que talvez seja alcançado em todos os oceanos no fim deste século -, falta quase um terço das espécies existentes em regiões vizinhas mas fora do sistema de fendas. Essas espécies tiveram "gerações e gerações para se adaptar a essas condições", segundo Hall-Spencer, "e mesmo assim não são mais encontradas ali".
Para a vida em terra firme, esse processo é uma dádiva: cada tonelada de CO2 que os oceanos removem da atmosfera é 1 tonelada que deixa de contribuir para o aquecimento global. No entanto, para a vida nos mares, a questão assume um aspecto diferente. Para a ecóloga Jane Lubchenco, a acidificação dos oceanos é a "gêmea tão maléfica" quanto o aquecimento global.
A escala de pH, que mede a acidez com base na concentração de íons de hidrogênio, varia de zero a 14. Na extremidade baixa da escala estão os ácidos fortes, como o clorídrico, que libera hidrogênio (com mais facilidade que o ácido carbônico). Na outra ponta estão as bases fortes, como a soda cáustica. A água pura e destilada tem pH de 7, que é neutro. A água do mar deveria ser algo alcalina ou básica, com pH em torno de 8,2 perto da superfície. Até agora, as emissões de CO2 reduziram o pH dos oceanos em cerca de 0,1. Do mesmo modo que a Richter, a escala de pH é logarítmica e, portanto, até mesmo pequenas variações numéricas implicam efeitos de grande impacto. Uma queda de 0,1 no pH significa que a água se tornou 30% mais ácida. Mantida a tendência atual, o pH da superfície dos mares irá cair para cerca de 7,8 até 2100. Nessa altura, a água será 150% mais ácida que em 1800.
A acidificação registrada até agora é, acredita-se, irreversível. Embora na teoria seja possível acrescentar produtos químicos aos oceanos para contrabalançar os efeitos do CO2 adicional, na prática os volumes requeridos são espantosos. Por exemplo: para compensar cada tonelada de dióxido de carbono, seriam necessárias 2 toneladas de cal - e hoje estamos emitindo mais de 30 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Por outro lado, os processos naturais que poderiam neutralizar a acidificação - como a erosão das rochas em terra firme - ocorrem em ritmo lento demais para fazer diferença em escala humana. Mesmo que a emissão de CO2 pudesse ser interrompida hoje, levaria dezenas de milhares de anos para que a composição química dos oceanos retornasse aos níveis anteriores à Revolução Industrial.
A acidificação do mar tem uma miríade de consequências. Ao favorecer determinados micróbios marinhos em detrimento de outros, ela altera a disponibilidade de nutrientes cruciais, como ferro e nitrogênio. Por motivos similares, é possível que permita maior penetração dos raios solares na superfície do mar. Ao alterar a composição química original da água do mar, também se espera que a acidificação reduza em até 40% a capacidade que a água tem de absorver e abafar os sons de baixa frequência, aumentando assim o nível de ruído em partes do oceano. Por fim, a acidificação interfere na reprodução de algumas espécies e na capacidade de outras - as chamadas "calcificadoras" - para formar conchas e esqueletos pétreos de carbonato de cálcio.
Em 2008, um grupo de mais de 150 pesquisadores de primeira linha divulgou um documento no qual afirmavam estar "muito preocupados com as recentes e aceleradas alterações na composição química dos oceanos" - alterações que podem, no prazo de décadas, "afetar os organismos marinhos, as cadeias alimentares, a biodiversidade e as áreas de pesca". Os recifes coralinos em águas quentes são o grande drama. Porém, como o dióxido de carbono se dissolve com mais facilidade em águas frias, o impacto pode se manifestar antes nas áreas mais próximas dos polos. Os cientistas já registraram efeitos relevantes nos pterópodes - minúsculos moluscos que são importantes fontes de nutrição para peixes, baleias e aves, tanto no Ártico como na Antártica. Experimentos comprovaram que as conchas dos pterópodes crescem mais devagar em água do mar acidificada.
Conseguirão os organismos adaptar-se à nova composição química dos oceanos? Os indícios de Castello Aragonese não são muito animadores. Ali as fendas vulcânicas vêm lançando CO2 no mar há pelo menos mil anos, disse Jason Hall-Spencer quando estive na ilha. Mas, na área em que o pH é 7,8 - o nível que talvez seja alcançado em todos os oceanos no fim deste século -, falta quase um terço das espécies existentes em regiões vizinhas mas fora do sistema de fendas. Essas espécies tiveram "gerações e gerações para se adaptar a essas condições", segundo Hall-Spencer, "e mesmo assim não são mais encontradas ali".
A 80 quilômetros da costa da Austrália, a meio mundo de distância de Castello Aragonese, fica a igualmente minúscula ilha One Tree. Apesar de seu nome - "uma árvore", em inglês -, a ilha exibe centenas de árvores em uma área com formato de bumerangue, cujas duas extremidades avançam pelo mar de Coral. Na curva do bumerangue, há uma estação de pesquisa montada pela Universidade de Sydney. Por acaso, assim que ali desembarquei em uma espetacular tarde de verão, uma enorme tartaruga-cabeçuda arrastou-se praia adentro, bem diante das instalações de pesquisa. Toda a população humana da ilhota - 11 pessoas, além de mim - foi conhecer a visitante.
A ilha One Tree faz parte da Grande Barreira de Coral, o maior complexo de recifes do planeta, que se estende por mais de 2 250 quilômetros. A ilhota toda é composta de fragmentos de coral, com dimensões que variam de uma bola de gude a uma bola de tênis, que começaram a se acumular após uma tempestade violenta há cerca de 4 mil anos. Mesmo hoje, a ilha não tem nada que possa ser chamado de terra. As árvores parecem crescer diretamente dos escombros coralinos, como se fossem mastros de bandeira.
Quando os cientistas começaram a visitar o local, na década de 1960, eles se preocupavam com o mecanismo de formação dos recifes. Hoje, porém, suas questões são mais urgentes. "Por volta de um quarto de todas as espécies marinhas passa pelo menos parte da vida em sistemas de corais", comenta certa noite Ken Caldeira, especialista em acidificação oceânica, antes de sair para coletar amostras de água no recife. "São os corais que constroem a arquitetura do ecossistema, e é óbvio que, se eles desaparecerem, vai acabar também todo esse ecossistema."
Os recifes de coral estão ameaçados por um amplo conjunto de fatores. O aumento nas temperaturas da água está produzindo episódios de "branqueamento" mais frequentes, nos quais os corais ficam 100% brancos e às vezes morrem. A pesca excessiva acaba com os peixes que, ao se alimentar nos recifes, impedem que estes últimos sejam tomados pelas algas. O escoamento da água de irrigação agrícola contribui para a proliferação de algas, desequilibrando ainda mais a ecologia dos recifes. No mar do Caribe, espécies de coral antes abundantes foram devastadas por uma infecção que deixa atrás de si uma faixa branca de tecido morto. Provavelmente em função de tudo isso, as formações coralinas no Caribe diminuíram cerca de 80% entre 1977 e 2001.
A acidificação dos oceanos constitui mais uma ameaça, talvez, menos imediata, mas no longo prazo mais devastadora para os corais construtores de recifes duros. Ela debilita a estrutura básica deles - o esqueleto rochoso secretado por milhões de pólipos de coral ao longo de milênios.
Os pólipos de coral são animais minúsculos que formam uma fina camada de tecido vivo na superfície do recife. De formato parecido com o das flores, ele tem seis ou mais tentáculos que capturam o alimento e o levam até uma boca central. Muitos corais, na verdade, obtêm grande parte de sua nutrição das algas que vivem e fazem fotossíntese em seu interior; o embranquecimento do coral ocorre quando condições estressantes obrigam os pólipos a expelir os simbiontes mais escuros. Cada pólipo cria em torno de si um exoesqueleto protetor, em forma de concha e constituído de carbonato de cálcio, que se integra ao esqueleto coletivo da colônia.
Para produzir carbonato de cálcio, os corais dependem de dois ingredientes: os íons de cálcio e os de carbonato. Os ácidos reagem aos íons de carbonato, unindo-os uns aos outros. Portanto, à medida que aumenta o nível de dióxido de carbono na atmosfera, os íons de carbonato se tornam escassos na água, e os corais são obrigados a despender mais energia para obtê-los. Em condições de laboratório, comprovou-se que o crescimento do esqueleto coralino se reduz de maneira linear, acompanhando a queda na concentração de carbonato.
A ilha One Tree faz parte da Grande Barreira de Coral, o maior complexo de recifes do planeta, que se estende por mais de 2 250 quilômetros. A ilhota toda é composta de fragmentos de coral, com dimensões que variam de uma bola de gude a uma bola de tênis, que começaram a se acumular após uma tempestade violenta há cerca de 4 mil anos. Mesmo hoje, a ilha não tem nada que possa ser chamado de terra. As árvores parecem crescer diretamente dos escombros coralinos, como se fossem mastros de bandeira.
Quando os cientistas começaram a visitar o local, na década de 1960, eles se preocupavam com o mecanismo de formação dos recifes. Hoje, porém, suas questões são mais urgentes. "Por volta de um quarto de todas as espécies marinhas passa pelo menos parte da vida em sistemas de corais", comenta certa noite Ken Caldeira, especialista em acidificação oceânica, antes de sair para coletar amostras de água no recife. "São os corais que constroem a arquitetura do ecossistema, e é óbvio que, se eles desaparecerem, vai acabar também todo esse ecossistema."
Os recifes de coral estão ameaçados por um amplo conjunto de fatores. O aumento nas temperaturas da água está produzindo episódios de "branqueamento" mais frequentes, nos quais os corais ficam 100% brancos e às vezes morrem. A pesca excessiva acaba com os peixes que, ao se alimentar nos recifes, impedem que estes últimos sejam tomados pelas algas. O escoamento da água de irrigação agrícola contribui para a proliferação de algas, desequilibrando ainda mais a ecologia dos recifes. No mar do Caribe, espécies de coral antes abundantes foram devastadas por uma infecção que deixa atrás de si uma faixa branca de tecido morto. Provavelmente em função de tudo isso, as formações coralinas no Caribe diminuíram cerca de 80% entre 1977 e 2001.
A acidificação dos oceanos constitui mais uma ameaça, talvez, menos imediata, mas no longo prazo mais devastadora para os corais construtores de recifes duros. Ela debilita a estrutura básica deles - o esqueleto rochoso secretado por milhões de pólipos de coral ao longo de milênios.
Os pólipos de coral são animais minúsculos que formam uma fina camada de tecido vivo na superfície do recife. De formato parecido com o das flores, ele tem seis ou mais tentáculos que capturam o alimento e o levam até uma boca central. Muitos corais, na verdade, obtêm grande parte de sua nutrição das algas que vivem e fazem fotossíntese em seu interior; o embranquecimento do coral ocorre quando condições estressantes obrigam os pólipos a expelir os simbiontes mais escuros. Cada pólipo cria em torno de si um exoesqueleto protetor, em forma de concha e constituído de carbonato de cálcio, que se integra ao esqueleto coletivo da colônia.
Para produzir carbonato de cálcio, os corais dependem de dois ingredientes: os íons de cálcio e os de carbonato. Os ácidos reagem aos íons de carbonato, unindo-os uns aos outros. Portanto, à medida que aumenta o nível de dióxido de carbono na atmosfera, os íons de carbonato se tornam escassos na água, e os corais são obrigados a despender mais energia para obtê-los. Em condições de laboratório, comprovou-se que o crescimento do esqueleto coralino se reduz de maneira linear, acompanhando a queda na concentração de carbonato.
O crescimento mais lento talvez não seja muito relevante no laboratório. Mas, nos oceanos, os recifes são constantemente roídos por outros organismos. (Quando mergulhei com snorkel ao largo da ilha One Tree, dava para ouvir os peixes-papagaio mordiscando o coral.) "O recife é como uma cidade", comenta Ove Hoegh-Guldberg, que foi diretor da estação de pesquisa na ilha One Tree. "Há equipes de construção e outras de demolição. Quando se restringe o fluxo de material para as equipes de construção, surge um desequilíbrio em favor do pessoal da demolição, que trabalha sem parar mesmo em um recife saudável. No fim, o que acontece é uma cidade destruída." Ao comparar levantamentos realizados na década de 1970 com outros mais recentes, a equipe de Ken Caldeira descobriu que na extremidade norte do recife a calcificação havia sofrido uma redução de 40%.
A acidificação dos oceanos também parece estar prejudicando a capacidade de os corais produzirem novas colônias. Na verdade, os corais podem clonar a si mesmos, e é comum que uma colônia inteira seja constituída de pólipos idênticos em termos genéticos. Todavia, uma vez por ano, muitas espécies de coral também fazem "desova em massa". Cada pólipo produz uma bolsa rosada, em forma de gota, que contém tanto ovos quanto esperma. Na noite da desova, todos os pólipos soltam as bolsas na água. Tantas delas ficam boiando na superfície que as ondas parecem cobertas por um véu púrpura.
Há 16 anos, a pesquisadora Selina Ward, da Universidade de Queensland, estuda a reprodução dos corais na ilha Heron, localizada 16 quilômetros a oeste da One Tree. Eu a conheço poucas horas antes da grande desova anual. Ela está observando uma dúzia de tanques de corais grávidos, como uma obstetra fazendo a ronda na maternidade. Assim que os corais liberarem as bolsas rosadas, ela irá recolhê-las e submetê-las a diferentes níveis de acidificação. Até agora, os resultados obtidos indicam que o pH mais baixo provoca queda na fertilização, no desenvolvimento larval e também na fixação - a etapa na qual as larvas de coral deixam de flutuar na coluna d'água para aderir a alguma superfície sólida, onde começam a gerar uma colônia. "Se houver problemas em qualquer dessas etapas, não ocorre a substituição adequada de corais no sistema", explica Selena.
Os recifes mantidos pelos corais são essenciais para uma rara diversidade de organismos. Entre 1 milhão e 9 milhões de espécies marinhas vivem nos corais ou em torno deles. Entre elas se encontram não apenas os peixes de cores espalhafatosas e as enormes tartarugas mas também tunicados e camarões, anêmonas-do-mar e mariscos, pepinos-do-mar e vermes poliquetas - a lista é interminável. Os recessos e frestas do recife são refúgios a muitas espécies, as quais, por sua vez, viram alimento para outras.
Quando um recife não consegue mais crescer com rapidez suficiente para compensar a erosão, toda essa comunidade se torna inviável. "Os recifes de coral vão perder sua funcionalidade ecológica", diz Jack Silverman, um dos membros da equipe de Ken Caldeira na ilha One Tree. "Eles não serão mais capazes de manter sua estrutura. E, se não há mais o prédio, onde os inquilinos vão morar?" Isso pode acontecer até 2050. Mantido o atual nível de emissões de carbono, a concentração de CO2 na atmosfera será o dobro do que era na época pré-industrial. Muitos experimentos sugerem que, a essa altura, os recifes de coral vão começar a se desintegrar.
Os corais, é claro, são apenas um dos tipos de organismo que dependem da calcificação. Existem milhares de outros. Por exemplo, crustáceos, como a craca; equinodermos, como a estrela-do-mar e o ouriço-do-mar; e ainda moluscos, como o marisco e a ostra. A alga coralina - organismo minúsculo que produz o que mais parece ser uma camada de tinta rosa ou lilás - da mesma maneira depende da calcificação. Suas secreções de carbonato de cálcio ajudam a cimentar os recifes de coral, mas ela também é encontrada em outros locais - como na relva marinha ao redor da ilha italiana de Castello Aragonese. É a ausência dessa alga que torna tão verde a relva próxima às fendas vulcânicas.
A acidificação impõe um fardo adicional a todos os organismos calcificadores, mas alguns deles parecem lidar melhor com esse esforço. Em experimentos com 18 espécies de grupos taxonômicos distintos, pesquisadores do Instituto Oceanográfico Woods Hole constataram que, embora a maioria dos organismos reduza a calcificação quando aumentam os teores de dióxido de carbono, alguns deles passam a calcificar mais.
A acidificação dos oceanos também parece estar prejudicando a capacidade de os corais produzirem novas colônias. Na verdade, os corais podem clonar a si mesmos, e é comum que uma colônia inteira seja constituída de pólipos idênticos em termos genéticos. Todavia, uma vez por ano, muitas espécies de coral também fazem "desova em massa". Cada pólipo produz uma bolsa rosada, em forma de gota, que contém tanto ovos quanto esperma. Na noite da desova, todos os pólipos soltam as bolsas na água. Tantas delas ficam boiando na superfície que as ondas parecem cobertas por um véu púrpura.
Há 16 anos, a pesquisadora Selina Ward, da Universidade de Queensland, estuda a reprodução dos corais na ilha Heron, localizada 16 quilômetros a oeste da One Tree. Eu a conheço poucas horas antes da grande desova anual. Ela está observando uma dúzia de tanques de corais grávidos, como uma obstetra fazendo a ronda na maternidade. Assim que os corais liberarem as bolsas rosadas, ela irá recolhê-las e submetê-las a diferentes níveis de acidificação. Até agora, os resultados obtidos indicam que o pH mais baixo provoca queda na fertilização, no desenvolvimento larval e também na fixação - a etapa na qual as larvas de coral deixam de flutuar na coluna d'água para aderir a alguma superfície sólida, onde começam a gerar uma colônia. "Se houver problemas em qualquer dessas etapas, não ocorre a substituição adequada de corais no sistema", explica Selena.
Os recifes mantidos pelos corais são essenciais para uma rara diversidade de organismos. Entre 1 milhão e 9 milhões de espécies marinhas vivem nos corais ou em torno deles. Entre elas se encontram não apenas os peixes de cores espalhafatosas e as enormes tartarugas mas também tunicados e camarões, anêmonas-do-mar e mariscos, pepinos-do-mar e vermes poliquetas - a lista é interminável. Os recessos e frestas do recife são refúgios a muitas espécies, as quais, por sua vez, viram alimento para outras.
Quando um recife não consegue mais crescer com rapidez suficiente para compensar a erosão, toda essa comunidade se torna inviável. "Os recifes de coral vão perder sua funcionalidade ecológica", diz Jack Silverman, um dos membros da equipe de Ken Caldeira na ilha One Tree. "Eles não serão mais capazes de manter sua estrutura. E, se não há mais o prédio, onde os inquilinos vão morar?" Isso pode acontecer até 2050. Mantido o atual nível de emissões de carbono, a concentração de CO2 na atmosfera será o dobro do que era na época pré-industrial. Muitos experimentos sugerem que, a essa altura, os recifes de coral vão começar a se desintegrar.
Os corais, é claro, são apenas um dos tipos de organismo que dependem da calcificação. Existem milhares de outros. Por exemplo, crustáceos, como a craca; equinodermos, como a estrela-do-mar e o ouriço-do-mar; e ainda moluscos, como o marisco e a ostra. A alga coralina - organismo minúsculo que produz o que mais parece ser uma camada de tinta rosa ou lilás - da mesma maneira depende da calcificação. Suas secreções de carbonato de cálcio ajudam a cimentar os recifes de coral, mas ela também é encontrada em outros locais - como na relva marinha ao redor da ilha italiana de Castello Aragonese. É a ausência dessa alga que torna tão verde a relva próxima às fendas vulcânicas.
A acidificação impõe um fardo adicional a todos os organismos calcificadores, mas alguns deles parecem lidar melhor com esse esforço. Em experimentos com 18 espécies de grupos taxonômicos distintos, pesquisadores do Instituto Oceanográfico Woods Hole constataram que, embora a maioria dos organismos reduza a calcificação quando aumentam os teores de dióxido de carbono, alguns deles passam a calcificar mais.
"Os organismos fazem escolhas", explica o oceanógrafo Ulf Riebesell, do Instituto Leibniz de Ciências Marinhas em Kiel, na Alemanha. "Eles sentem as mudanças no ambiente, e alguns conseguem compensá-las. Para isso, precisam gastar mais energia na calcificação. Então há uma opção entre investir na reprodução e no crescimento. Não sabemos o que determina tais escolhas ou se elas são viáveis no longo prazo; até agora, a maioria dos estudos foi feita com animais que vivem por breves períodos em tanques, sem sofrer a competição de outras espécies."
Por outro lado, os cientistas estão apenas começando a investigar o modo como a acidificação afeta organismos mais complexos, como peixes e mamíferos marinhos. Mudanças na base da cadeia trófica - nos pterópodes com conchas, por exemplo, ou nos cocolitóforos - vão afetar os animais situados em posições elevadas. Mas a alteração no pH dos oceanos também terá impacto direto na fisiologia deles. Pesquisadores australianos descobriram, entre outros casos, que filhotes de peixe-palhaço - versões reais do Nemo - não conseguem encontrar o caminho para seus hábitats costumeiros quando os níveis de CO2 estão muito elevados. Parece que a água ácida prejudica seu senso de olfato.
Durante a longa história da vida na Terra, houve momentos em que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu níveis até mais altos que os atuais. Mas apenas muito raramente - se é que isso ocorreu alguma vez - eles se elevaram com tal rapidez como agora. Para a vida nos oceanos, o que faz diferença é esse ritmo acelerado da mudança.
Para encontrarmos um período análogo ao atual, precisamos voltar pelo menos 55 milhões de anos, até o chamado Evento Máximo Termal do Paleoceno-Eoceno (PETM, na sigla em inglês). Durante o PETM, foram liberadas na atmosfera imensas quantidades de carbono cujas origens ainda ninguém sabe com certeza. Em todo o mundo, as temperaturas subiram cerca de 6 graus, e a composição química dos mares passou por drástica alteração. As profundezas oceânicas ficaram tão corrosivas que em muitos locais as conchas deixaram de se acumular no leito marinho e simplesmente se dissolveram. Nas amostras de sedimento, esse período se distingue em uma camada de argila vermelha isolada por duas camadas brancas de carbonato de cálcio. E muitas espécies de foraminíferos que viviam em águas profundas se extinguiram.
A maioria dos organismos que viviam junto à superfície do mar, contudo, parece ter sobrevivido ao PETM. Talvez a vida marinha seja mais resistente do que parecem indicar as pesquisas em locais como Castello Aragonese e a ilha One Tree. Ou talvez o PETM não tenha sido tão violento quanto o que está ocorrendo hoje.
O registro sedimentar não mostra com que rapidez ocorreu a liberação de carbono no PETM. Mas estudos baseados em modelos matemáticos sugerem que ela aconteceu no prazo de milhares de anos - suficientemente longo para que os efeitos químicos se difundissem até nas profundezas de todos os oceanos. O ritmo atual de emissões parece ser cerca de dez vezes maior, e ainda não houve tempo para que as camadas de água se fundissem. No próximo século, a acidificação vai se concentrar na superfície, onde vivem todos os corais tropicais e a maioria dos organismos marinhos calcificadores. "O que estamos fazendo é algo extraordinário em termos geológicos", constata o climatologista Andy Ridgwell, da Universidade de Bristol, um dos criadores do modelo do oceano na época do PETM.
O quão extraordinário vai depender de nós. Ainda é possível evitar os cenários de máxima acidificação. Mas a única maneira de fazermos isso ou pelo menos a única que conhecemos até agora é cortando as emissões de CO2. Por ora, corais e pterópodes estão enfrentando uma economia global movida a combustíveis fósseis baratos. Não é lá uma luta muito justa.
Por outro lado, os cientistas estão apenas começando a investigar o modo como a acidificação afeta organismos mais complexos, como peixes e mamíferos marinhos. Mudanças na base da cadeia trófica - nos pterópodes com conchas, por exemplo, ou nos cocolitóforos - vão afetar os animais situados em posições elevadas. Mas a alteração no pH dos oceanos também terá impacto direto na fisiologia deles. Pesquisadores australianos descobriram, entre outros casos, que filhotes de peixe-palhaço - versões reais do Nemo - não conseguem encontrar o caminho para seus hábitats costumeiros quando os níveis de CO2 estão muito elevados. Parece que a água ácida prejudica seu senso de olfato.
Durante a longa história da vida na Terra, houve momentos em que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu níveis até mais altos que os atuais. Mas apenas muito raramente - se é que isso ocorreu alguma vez - eles se elevaram com tal rapidez como agora. Para a vida nos oceanos, o que faz diferença é esse ritmo acelerado da mudança.
Para encontrarmos um período análogo ao atual, precisamos voltar pelo menos 55 milhões de anos, até o chamado Evento Máximo Termal do Paleoceno-Eoceno (PETM, na sigla em inglês). Durante o PETM, foram liberadas na atmosfera imensas quantidades de carbono cujas origens ainda ninguém sabe com certeza. Em todo o mundo, as temperaturas subiram cerca de 6 graus, e a composição química dos mares passou por drástica alteração. As profundezas oceânicas ficaram tão corrosivas que em muitos locais as conchas deixaram de se acumular no leito marinho e simplesmente se dissolveram. Nas amostras de sedimento, esse período se distingue em uma camada de argila vermelha isolada por duas camadas brancas de carbonato de cálcio. E muitas espécies de foraminíferos que viviam em águas profundas se extinguiram.
A maioria dos organismos que viviam junto à superfície do mar, contudo, parece ter sobrevivido ao PETM. Talvez a vida marinha seja mais resistente do que parecem indicar as pesquisas em locais como Castello Aragonese e a ilha One Tree. Ou talvez o PETM não tenha sido tão violento quanto o que está ocorrendo hoje.
O registro sedimentar não mostra com que rapidez ocorreu a liberação de carbono no PETM. Mas estudos baseados em modelos matemáticos sugerem que ela aconteceu no prazo de milhares de anos - suficientemente longo para que os efeitos químicos se difundissem até nas profundezas de todos os oceanos. O ritmo atual de emissões parece ser cerca de dez vezes maior, e ainda não houve tempo para que as camadas de água se fundissem. No próximo século, a acidificação vai se concentrar na superfície, onde vivem todos os corais tropicais e a maioria dos organismos marinhos calcificadores. "O que estamos fazendo é algo extraordinário em termos geológicos", constata o climatologista Andy Ridgwell, da Universidade de Bristol, um dos criadores do modelo do oceano na época do PETM.
O quão extraordinário vai depender de nós. Ainda é possível evitar os cenários de máxima acidificação. Mas a única maneira de fazermos isso ou pelo menos a única que conhecemos até agora é cortando as emissões de CO2. Por ora, corais e pterópodes estão enfrentando uma economia global movida a combustíveis fósseis baratos. Não é lá uma luta muito justa.
Fonte: http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/edicao-133/mar-acido-622075.shtml?page=4
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