Pesquisadores identificam origem da disseminação do vírus HIV
Linhagem do vírus da Aids teria emergido na República Democrática do Congo na década de 1920
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
Edição Online 23:59 2 de outubro de 2014
Cerca de 30 anos após a identificação do HIV-1, vírus causador da Aids e responsável pela infecção de aproximadamente 75 milhões de pessoas no mundo, um grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e da Universidade Católica da Louvain, na Bélgica, parecem ter identificado a região que deu início à pandemia que conhecemos hoje. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 3, na revista Science, eles sugerem que a disseminação global da linhagem pandêmica, conhecida como HIV-1 grupo M, teria começado por volta de 1920, em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), na África. Segundo eles, a combinação de uma série de fatores teria favorecido a disseminação do vírus para outras cidades da região da África Central antes de 1960 e, nos anos seguintes, para o resto do mundo.
Ao todo, há registros de que o vírus HIV tenha sido transmitido de primatas para seres humanos pelo menos 13 vezes.
Contudo, apenas um destes eventos, o que deu origem à linhagem HIV-1 grupo M — responsável pela maioria das infecções —, desencadeou a pandemia que conhecemos hoje. No estudo, os pesquisadores reconstruíram justamente a história genética dessa linhagem do HIV. Para isso, recuperaram as origens e os padrões de dispersão do vírus, combinando informações genéticas, geográficas e temporais, o que lhes permitiu traçar a história genética das linhagens ancestrais do HIV-1 até suas origens.
Inicialmente, os pesquisadores analisaram amostras de sequências genéticas isoladas entre 1985 e 2010 de pessoas infectadas em todos os países da África Central. Por meio de métodos filogeográficos eles, então, reconstruíram a genealogia do vírus no espaço e no tempo.
As análises apontaram para a RDC como sendo o país onde o HIV-1 grupo M teria emergido em populações de seres humanos. Com estes dados em mãos, o grupo passou a analisar as sequências genéticas dessa linhagem do HIV-1 provenientes de várias regiões deste país, incluindo também sequências genéticas da República do Congo, país vizinho e com uma vasta diversidade de HIV-1 — o HIV-1 grupo M possui vários subtipos, listados das letras A à K.
Os pesquisadores, então, concluíram que essa linhagem do HIV-1 emergiu em Kinshasa, capital do RDC. “Ao que tudo indica, o vírus disseminou-se de Kinshasa para o resto do país, sobretudo para a região mineira de Catanga, ao sul da RDC, e, em meados de 1937, para Brazzaville, capital da República do Congo, localizada a 6 quilômetros de Kinshasa, do outro lado do rio do Congo”, explica o biomédico português Nuno Faria, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford e primeiro autor do estudo.
A rápida disseminação do vírus teria sido favorecida, segundo ele, pela ampliação da rede de transportes ferroviários e fluviais, uma das mais ativas da região, e que conectava o sul da RDC às fronteiras com a Zâmbia e Tanzânia, e a região norte com Uganda, Ruanda e Burundi. “O corredor de cobre atraía grandes quantidades de mineiros dos países vizinhos à RDC, os quais eram empregados temporariamente nas minas de Catanga e depois voltavam para os seus países de origem, muitos deles, provavelmente, infectados” explica Faria. “Nosso estudo foi o primeiro a testar estatisticamente as várias hipóteses sobre a localidade geográfica onde o HIV-1 grupo M teria emergido em populações humanas”, sintetiza Faria. “Também mostramos pela primeira vez que foram fatores sociais — e não biológicos, como se pensava até então — que impulsionaram o crescimento da pandemia de HIV que conhecemos hoje.”
Outros fatores também podem ter favorecido a disseminação do vírus, segundo o pesquisador. As mudanças nos padrões sexuais na RDC por volta dos anos de 1960 é uma delas. “Após a independência da RDC, em junho 1960, houve uma ampliação do comércio sexual no país”, explica Faria. Além disso, as campanhas de vacinação contra doenças tropicais podem igualmente ter contribuído para o aumento das infecções por via intravenosa.” Também em 1960, de acordo com o pesquisador, o HIV-1 grupo M começou a deixar de ser uma epidemia e entrar em um estágio de pandêmica. Mas foi apenas em 1981 que os primeiros casos foram detectados e, em 1983, o vírus HIV-1 foi isolado e caracterizado.
Artigo científico
FARIA, N. R. et al. The early spread and epidemic ignition of HIV-1 in human population. Science. v. 346, n. 6205, p. 56-61. out. 2014.
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