segunda-feira, 6 de outubro de 2014



Vida entre grãos

Tamanho dos grãos de areia em que vivem os nematoides pode determinar quais espécies os habitam
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 19:00 21 de setembro de 2014
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Nematoide da espécie Daptonema sp: minúsculos vermes desempenham papel importante no ciclo de nutrientes e no fluxo de energia em ecossistemas aquáticos.

Ocultos em estreitos e úmidos labirintos entre grãos da areia espalhados pelas praias do litoral do Brasil, em um ambiente aparentemente inabitado, vermes milimétricos conhecidos como nematoides constituem uma das mais diversas formas de vida da Terra, a meiofauna. Esses vermes, alguns com menos que 1 milímetro, desempenham papel importante no ciclo de nutrientes e no fluxo de energia em ecossistemas aquáticos, contribuindo com a transformação de matéria orgânica decomposta em nutrientes que ficam disponíveis para outros animais. Mas ainda se sabe pouco sobre os hábitos e a diversidade dessas criaturas. O que parece ter ficado claro agora, segundo um estudo publicado na revista Marine Biodiversity, é que a diversidade de espécies de nematoides que vivem em um grão parece não aumentar de acordo com seu tamanho. Em outras palavras, um grão mais grosso não necessariamente abrigaria mais espécies que outro mais fino, contrariando o que se pensava até agora.

No estudo, um grupo de pesquisadores brasileiros e uruguaios puseram à prova uma antiga hipótese, levantada por biólogos e oceanógrafos, segundo a qual a riqueza de espécies de nematoides variaria de acordo com o tamanho do grão em que esses vermes vivem. Isto é, quanto mais grosso o grão, mais diversa a população de nematoides vivendo nele. Para isso, coletaram amostras de grãos de diferentes tamanhos em praias de São Sebastião, litoral paulista. Usando uma lupa, eles separaram 100 nematoides de cada amostra de sedimento e, no microscópio, identificaram cada indivíduo. “Com isso montamos uma planilha de tamanho médio de grão versus o número de espécies por amostra”, explica o biólogo Gustavo Fonseca, pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos, e autor principal do artigo.

Após duas semanas de trabalho prático, Fonseca e seus colaboradores verificaram que o número de espécies de nematoides por amostra variou entre 8 e 30, fenômeno que, segundo os pesquisadores, não foi determinado pelo tamanho dos grãos. O que variou com o tamanho de cada amostra de grão, segundo eles, foram as espécies encontradas. “Espécies que viviam em grãos mais finos não eram as mesmas que viviam em grãos mais grossos”, explica Fonseca. “Nossos resultados desmistificam a importância da granulometria — o estudo das características dos grãos — como fator determinante no estudo da meiofauna.”
Os pesquisadores agora terão de ir atrás de outros parâmetros para estudar essa minúscula biodiversidade, afirma o biólogo, que também é coordenador do Grupo de Pesquisa da Meiofauna Marinha na Universidade Federal de São Paulo. Segundo ele, outros fatores ambientais, como a quantidade de oxigênio (O2) e a quantidade e qualidade de matéria orgânica, também seriam mais importantes do que a granulometria na determinação das espécies que podem coexistir em um mesmo grão.
Aproximadamente 15 mil espécies da meiofauna já foram descritas, ainda que o número total de espécies desconhecidas possa ser 100 vezes maior. Destas, 16 foram apresentadas pela primeira em um workshop promovido pela FAPESP em 2012 e agora descritas em artigos publicados na mesma edição da Marine Biodiversity.

Projeto

Nemátodas marinhos de vida livre: taxonomia, sistemática e filogenia (2009/14019-0); Modalidade Auxílio Pesquisa – Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Gustavo Fernandes Camargo Fonseca (Unifesp); Investimento R$ 192.861,29 (FAPESP)

Artigo científico

FONSECA, G. et al. Testing for nematode-granulometry relationships. Marine Biodiversity. set. 2014

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