ORIGEM DA
VIDA: Como surgiram os primeiros animais?
Por: Marcus V. Cabral
Pese
a aparente estabilidade do mundo natural, as mudanças são constantes ao longo
da história evolutiva do nosso planeta. Estas mudanças podem ser observadas e
medidas em escalas de tempo muito variáveis e, independente disto, sabe-se hoje
que cada característica de vida atual é um produto do processo evolutivo. Por
esta razão a evolução de todos os organismos deve ser considerada como a pedra
fundamental de todo o conhecimento biológico.
Atualmente nossos conhecimentos
avançaram em campos importantes como reprodução, desenvolvimento e genética.
Além disso, o desenvolvimento de equipamentos e técnicas nos permite mergulhar
de forma mais profunda e intensa na natureza dos seres vivos. Este maior número
de informações associada à interdisciplinaridade que comanda as pesquisas
atuais, permite um avanço significativo para responder a pergunta que inquieta
a humanidade desde suas origens: de onde viemos?
O
primeiro indício de vida na Terra data de aproximadamente 3,5 bilhões de anos.
Estas primeiras células eram procarióticas, organismos semelhantes a bactérias.
Após um grande período de diversificação evolutiva dos procariotos, organismos
eucariotos unicelulares apareceram. Embora não possamos saber com certeza a
origem dos eucariotos unicelulares, ela claramente envolve um processo de
simbiose. Certos tipos de bactérias aeróbias devem ter sido englobadas por
outras bactérias que eram incapazes de suportar o aumento das concentrações de
oxigênio na atmosfera. A bactéria aeróbia possuía as enzimas necessárias para
obter energia na presença de oxigênio, tendo sido, provavelmente, a ancestral
das mitocôndrias. A maioria dos genes da mitocôndria, mas nem todos, viriam a
residir no núcleo da célula hospedeira. Praticamente todos os eucariotos
existentes hoje têm mitocôndrias e são aeróbios.
Alguns
eucariotos unicelulares ancestrais englobaram bactérias fotossintetizantes, que
evoluíram originando cloroplastos; desse modo, esses eucariotos foram capazes
de produzir suas próprias moléculas de alimento usando energia da luz solar. Os
descendentes de uma dessas linhagens, as algas verdes, possivelmente deram
origem às plantas multicelulares.
Em
alguns eucariotos que não se tornaram “residência” para cloroplastos, e alguns
que se tornaram, evoluíram características semelhantes às dos animais, dando
origem a uma variedade de filos coletivamente chamados de protozoários.
Acredita-se que os verdadeiros animais tenham
surgido como um grupo monofilético a partir de um ancestral protista há mais de
700 milhões de anos atrás. A dúvida está em qual protista? Há três teorias
sobre a possível origem:
1.
Hipótese ciliada sincicial:
(ancestral: protista ciliado)
É
suportada pelas semelhanças entre os ciliados modernos e alguns turbelários
atuais. Foi consolidada em 1950 por J.Hadzi
e E.D.Hanson.
Sugere
que o metazoário ancestral foi um protista ciliado, multinucleado, com simetria
bilateral, que teria modo de vida bentônico (rastejando no fundo com sua
abertura oral dirigida para frente raspando o substrato). Em um passo evolutivo
maior as superfícies nucleares são divididas pela formação de membranas
celulares, produzindo uma epiderme celular contornando uma massa sincicial
interna o que confinava a atividade de cada núcleo a certas regiões do corpo e
assim se tornaram internamente compartimentados. O resultado disso e de outras
mudanças foi um organismo acelomado semelhante a um turbelário (filo
Platyhelminthes).
Assim,
esta teoria sugere que os primeiros ancestrais dos Metazoa eram acelomados e
bilaterais. Esta teoria é reforçada pelas grandes similaridades entre os
ciliados modernos e vermes achatados acelomados quanto ao tamanho, forma,
simetria, local da boca e cílios na superfície. No entanto, alguns fatores
contrariam esta idéia: não ocorre na embriologia dos turbelários nenhum
processo de celularização semelhante; a teoria não explica a presença de
espermatozóides flagelados nos metazoários; e, principalmente, implica que a
simetria radial de cnidários seja derivada de uma simetria bilateral primária,
para o que não há nenhuma evidência.
2.
Hipótese flagelada colonial:
(ancestral = protista flagelado)
Proposta
por Ernst Haeckel em 1874 e bem
difundida por Hyman (1940). É a
teoria mais aceita atualmente. Sugere que um protista colonial flagelado teria
originado um ancestral metazoário planuloide (plânula=tipo larval básico dos
cnidários).
O
protista ancestral seria uma colônia esférica de células flageladas ocas. As
células individuais dentro da colônia tornaram-se diferenciadas para papéis
funcionais específicos (células reprodutivas, nervosas, somáticas, etc),
subordinando assim a independência celular para o bem-estar da colônia. A forma
ancestral colonial seria radialmente simétrica no princípio, talvez semelhante
às larvas plânulas livre-natantes dos cnidários. Esta larva é radialmente
simétrica e não possui boca. Os cnidários, com sua simetria radial, poderiam
ter evoluído a partir desta forma. A partir daí, desenvolveram algum grau de
orientação locomotora, antero-posterior, e algum nível de especialização de
células em funções somáticas e reprodutivas separadas (comum em protistas
coloniais atuais), caracterizando a chamada BLASTEA. Neste cenário, o primeiro
metazoa surgiu pela invaginação da blastea e o resultado seria um animal com
dupla membrana, corpo como uma gástrula, denominado GASTREA.
A gastrea teria
uma abertura como um blastóporo, parecendo a gástrula de muitos invertebrados
viventes. Ambos estágios são vistos durante a ontogenia de animais modernos; a
gastrea seria o precursor de Cnidaria. Dentro desta idéia, a simetria bilateral
seria derivada. A evolução de um eixo do corpo antero-posterior, o movimento
unidirecional e a cefalização, provavelmente, co-evoluíram em algum grau e
devem coincidir com a invasão dos ambientes bentônicos e o desenvolvimento da
locomoção rastejante. Parece ser que a origem da condição triploblástica surgiu
após o aparecimento das formas bilaterais.
Em 1985, Nielsen propôs uma
teoria chamada Trochaea, uma ampliação da apresentada por Haeckel. Na
teoria trochaea a evolução inicial dos filos animais teria comportado uma série
de ancestrais holoplanctônicos, baseado no fato de que estruturas ciliadas para
alimentação estão presentes em larvas de muitos invertebrados e certos animais
adultos.
3.
Hipótese da origem polifilética
Muitos
zoólogos preferem crer que os metazoários tiveram uma origem polifilética,
tendo sido derivados independentemente de mais de um grupo de organismos
unicelulares. Assim sendo, as esponjas, cnidários, ctenóforos e eumetazoários
restantes evoluíram de forma independente não havendo um esquema único para a
origem de todos eles. A principal razão é por acreditar que as esponjas
evoluíram a partir de um organismo unicelular diferente dos metazoários
superiores, assim os metazoa seria um táxon polifilético.
O principal argumento é que apesar dos
coanoflagelados parecerem claramente relacionados com as esponjas, não é claro
o grau de relação das esponjas com os demais Metazoa. É difícil de imaginar
como um organismo com organização tão simples como uma esponja poderia se
desenvolver em organismos com uma estrutura corpórea complexa e órgãos
internos. No entanto, esta hipótese não vem sendo apoiada em estudos
moleculares.
As evidencias filogenéticas
recentes baseadas na unidade menor do RNA ribossômico e em similaridades de
vias bioquímicas complexas corroboram a hipótese flagelada colonial, que os
metazoários formam uma unidade monofilética (seguindo o esquema filogenético de
Wainright et al. 1993) incluindo aos coanoflagelados. Esta hipótese também é
corroborada com dados morfológicos (Nielsen, 1995). O grupo-irmão dos
metazoários parece ser o dos fungos. A evidência molecular exclui a hipótese
ciliada sincicial porque os metazoários são aparentemente mais próximos das
algas eucarióticas e plantas do que o são dos ciliados.
Tudo
que podemos afirmar é que algum tempo, durante a Era Proterozoica, um protista
(ou protozoários) desconhecido desenvolveu-se em uma forma colonial minúscula
que, eventualmente, veio a ser o ancestral dos Metazoa. A verdadeira natureza
deste organismo é desconhecida, já que tinha corpo mole e não deixou traços. No
entanto, por estudos fósseis, morfológicos e moleculares comparados, pode-se
inferir sobre este ancestral e buscar entender as relações filogenéticas entre
os metazoários.
A conceituação
de filos animais sofreu importantes mudanças desde suas origens com as seis
classes de Linné e as 4 ramificações de Cuvier. À medida que o conhecimento
sobre desenvolvimento e morfologia comparados dos metazoários foi se acumulando
ao longo dos anos, o número de táxons usualmente reconhecidos como filos
viventes, considerando que cada um representasse planos corporais derivados
únicos, cresceu a cerca de 35 filos. Se filo for definido como um grupo de
animais que compartilham um plano corporal devido a uma história comum, este
deve ser monofilético, no sentido original do termo (Haeckel, 1866), mas pode
ser também parafilético ou holofilético.
Formas morfologicamente
intermediárias que ligam filos a ancestrais comuns, não foram encontradas. Na
falta de tal elo análises pré-cladísticas, baseadas na morfologia dos filos
tiveram que se apoiar em eventos evolutivos hipotéticos para explicar a
transição desde a forma ancestral assumida até os planos corporais descendentes
que vemos hoje. Em alguns casos, especulações sobre esses eventos levaram a
construção de cenários que posteriormente serviram como suposições nas quais se
baseavam interpretações de toda a árvore de vida dos metazoários. No entanto,
dados de estudos da morfologia comparada, em qualquer estágio de vida, foram
insuficientes para estabelecer uma filogenia de Metazoa, amplamente aceita, em
especial porque esses dados não são fortes o bastante para falsificar/invalidar
hipóteses alternativas. As técnicas cladísticas, embora fornecessem uma
abordagem renovada para as filogenias em estudo, se provaram difíceis para
aplicar aos planos corporais já que homologias claramente identificáveis e
informativas são raras. Assim, diversos cenários concorrentes permaneceram
viáveis, alguns por mais de um século.
As
moléculas proveram um avanço operacional importante para esclarecer problemas
sobre a origem dos filos animais. Evidências moleculares relativas ao
desenvolvimento e comparação gênica ofereceram certo discernimento das bases
genéticas da evolução dos planos corporais. As evidências moleculares
filogenéticas da topologia da ramificação não estão relacionadas aos dados de
desenvolvimento ou morfológicos, fornecendo testes independentes de hipóteses
prévias. As afinidades indicadas pelas árvores moleculares são assunto de
interpretação, e muitas perguntas sobre os relacionamentos entre os filos ainda
permanecem, porém as filogenias moleculares também foram significantemente
capazes de favorecer nosso conhecimento sobre os padrões de ramificações dos
descendentes entre muitos dos filos. Não obstante, moléculas só podem ser
obtidas de membros viventes dos filos. Filogenias moleculares indicam
divergências entre os últimos ancestrais comuns dos filos atuais, mas não
indica suas morfologias. Assim, os fósseis são uma importante fonte de dados
para estudar a evolução inicial dos animais. Em contraste com as moléculas,
interpretações dos registros fósseis iniciais é dependente da morfologia.
Estudos fósseis revelaram inúmeros táxons importantes, porém extintos, que
podem ser associados com filos viventes no campo morfológico, ou que são tão
distintos que não podem ser associados a nenhum grupo vivente. O que os fósseis
ainda não revelaram foram séries morfológicas intermediárias que liguem filos
viventes aos seus ancestrais comuns.
Com
tudo que foi exposto, há uma nova gama de cenários evolutivos que tentam
explicar a origem e radiação dos filos metazoários. Alguns elementos desses
novos cenários guardam uma enigmática semelhança com aquelas teorias das
escolas pré-cladísticas, com filogenias baseadas em morfologia.
As
classificações mais recentes costumam separar os Metazoa em Eumetazoa (considerando a presença de
tecidos verdadeiros) de outros grupos como as esponjas e, as vezes, também Placozoa, os quais são denominados Parazoa. Esta separação implica a parafilia dos organismos
diploblásticos. Diversos estudos foram realizados, e dados moleculares com
mecanismos para reduzir a atração dos ramos longos, assim como estudos
morfológicos, defendem a monofilia
de Metazoa e a parafilia dos diploblásticos. Por esta hipótese, conhecida como
hipótese Eumetazoa, Placozoa estaria agrupado com os Eumetazoa (Cnidaria,
Ctenophora e Bilateria), deixando apenas Porífera em outro clado.
Morfologicamente esta hipótese é mais parcimoniosa que a monofilia de
Diploblásticos, já que esta implicaria em diversas aquisições independentes
entre, por exemplo, Cnidaria + Ctenophora
e Bilateria, ou, como outra
alternativa, que a simplicidade das esponjas fosse derivada e não primitiva.
Não obstante, análises moleculares recentes (Ender
& Schienwater, 2003) não concordam com a proximidade entre cnidários e
placozoários.
Dessa
forma, Porífera aparece como um grupo de suma importância sendo considerado o
primeiro animal multicelular a surgir no planeta. Pela ideia de que um plano
corporal corresponde a um filo (Valentine, 1992) as esponjas sempre foram
consideradas um único filo. A sinapomorfia
apresentada por este grupo seria a presença de um sistema de circulação de água
através de seu corpo do qual dependem praticamente todas as funções
fisiológicas destes animais. Não
obstante, devido a grande diversidade de seus representantes, a monofilia de
Porifera foi várias vezes questionada, desde o ponto de vista molecular e
também morfológico. A confirmação de que Coanoflagelados seria um grupo irmão
de Metazoa, leva a crer que o ancestral dos metazoários seria um organismo
similar a uma esponja, o que indica que vários caracteres de Porífera seriam plesiomórficos entre Metazoa e assim as
esponjas seriam provavelmente parafiléticas. De fato, estudos recentes
demonstram que Porifera é uma reunião parafilética de, pelo menos, duas
linhagens basais de Metazoa (Borchiellini et al., 2001).
Isto também reforça a
idéia dos coanoflagelados como grupo irmão de Metazoa o que representa que a
similaridade entre este grupo e os coanócitos das esponjas representariam
homologias. Assim, metazoários não espongiários derivariam de uma esponja ancestral
que perdeu seus atributos, em especial coanócitos e sistema aqüífero. A
descoberta de demosponjas da família
Cladorhizidae, altamente derivada,
reforça esta idéia. Este grupo mudou seu plano corporal para adequar-se ao
oceano profundo, perdendo o sistema aqüífero e desenvolvendo um eficiente
sistema de captura de presas. Algo similar poderia ter ocorrido na origem dos
Metazoa. De fato, foram descobertos alguns fósseis pré-cambrianos similares a
esponjas, porém sem nada parecido a câmaras coanocitárias.
Dentro
de Porífera, a confirmação da parafilia, trouxe consigo mais informações sobre
as relações entre as tradicionais classes. A classe Hexactinellida aparece como a mais basal em estudos paleontológicos
e moleculares. Esta classe exibe alguns caracteres morfológicos bem
particulares como, por exemplo, a organização sincicial, o que levou a alguns
autores proporem a separação desta classe das demais. No entanto, estes
caracteres são autopomórficos, não
dando indicações sobre a posição filogenética de Hexactinellida. Nenhum estudo
conseguiu até o momento assegurar a parafilia das esponjas silicosas
(Hexactinellida e Demospongiae). Não obstante, a posição da Classe Calcarea foi claramente definida
por Borchiellini et al (2001). Este estudo demonstrou que os representantes da
Classe Calcarea estão mais proximamente relacionados com Eumetazoa que com as
demais esponjas. Com as novas descobertas, a filogenia leva a necessidade de
definir classificações mais modernas. Neste contexto, segundo os autores, o
táxon Porífera, parafilético, não deverá mais ser usado. A antiga Classe
Calcarea deverá ascender ao status de Filo (Filo Calcispongia, reunindo as
classes Calcinea e Calcaronea).
Uma
vez esclarecida a posição basal dos poríferos entre os metazoários, nos resta
analisar agora as relações entre os eumetazoários. Na base deste grupo se
encontram organismos que, assim como algumas esponjas, apresentam simetria
radial. A separação dos grados segundo a simetria
parecia ser pouco discutida já que simetrias distintas implicariam em
organizações corporais bem diferentes. Além do mais, a posição mais basal dos
radiados reflete uma das teorias mais aceitas sobre a origem dos metazoários,
que implica na simetria radial precedendo organismos bilaterais, como já foi
discutido. Os radiados pareciam ter derivado de um ancestral comum que
não estaria na nossa linha direta de descendência. Todos os radiata possuem tecidos diferenciados,
mas normalmente não apresentam mais que um tecido interno (endoderma) e outro
externo (ectoderma) com certo nível de especialização. Desde o ponto de vista
embriológico eles não sofrem gastrulação
e por isso não apresentam mesoderma, um tecido que caracteriza todos os demais
animais. A maioria é radialmente simétrico. Seu plano corporal está baseado em
um cilindro aberto em uma extremidade, com esta abertura servindo tanto para a
alimentação como para a eliminação de partículas.
A
transição para um corpo vermiforme é um dos eventos mais importantes na
evolução animal, levando à impressionante radiação dos Bilateria. No entanto,
havia grande dificuldade em identificar o grupo irmão de Bilateria, com várias
hipóteses propostas. Wallberg et al.
(2004) utilizando um grande número de táxons reavalia estas hipóteses e parece
ter colocado fim a discussão. Eles analisam as 3 hipóteses que propunham a
relação entre os táxons Ctenophora, Cnidaria e Bilateria (denominados por eles
como Epitheliozoa). A primeira hipótese, mais antiga, considerava a simetria
radial na base dos eumetazoários e une os chamados Coelenterata (Cnidaria +
Ctenophora). Vale salientar que aqui,
não cabe mais a terminologia radiata, pois no seu sentido original, este clado
incluiria também as esponjas, as quais já estão claramente definidas na base de
Metazoa. A hipótese Coelenterata era a hipótese de Haeckel amplamente difundida
por Hyman. A segunda hipótese, com base em análises cladísticas de caracteres
morfológicos, apontava os ctenóforos como grupo irmão dos bilaterais. Este
clado, denominado Acrosomata compartilhava diversos caracteres morfológicos,
incluindo a presença de acrosoma nos espermatozóides, o que deu nome ao clado.
A terceira hipótese, baseada nas análises da unidade menor do RNA ribossômico
apontava os ctenóforos como grupo irmão do clado Cnidaria + Bilateria. Esta idéia,
denominada pelos autores como Planulozoa foi confirmada com evidências bem
robustas no trabalho. Esta hipótese dos Ctenóforos ocupando uma posição mais
basal entre os eumetazoários já era defendida por outros autores
(Cavalier-Smith et al. 1996; Kim et al. 1999 e Borchiellini et al. 2001) e
implica que vários caracteres considerados sinapomórficos entre Ctenophora e
Bilateria devem ser revistos. A semelhança superficial entre eles deve ser
devida a homoplasias. De fato, já foi visto acrossoma em espermatozóides de
Porífera e Cnidaria. Por estas análises, Epitheliozoa e Planulozoa constituem
agrupamentos monofiléticos.
Estabelecer
as relações filogenéticas não é tarefa fácil. Trabalhos que levam em conta a
morfologia apenas, às vezes não apresentam argumentos forte o bastante para
refutar hipóteses contrárias as que eles próprios tentam comprovar. Por outro
lado, análises moleculares também têm a desvantagem de não poder incluir grupos
fósseis que podem representar a chave para as homologias, além de apresentar
algumas dificuldades metodológicas. Uma das maiores dificuldades encontradas
nos estudos mais recentes de filogenia é evitar os artefatos criados nas
árvores pelo fenômeno de atração das ramas longas. Este é um dos maiores
problemas para entender a filogenia na base de Metazoa. O clado composto pelos
organismos bilaterais forma uma rama longa, podendo a sua posição representar
um artefato em algumas análises. Alguns autores chegam a admitir e alertar para
este problema questionando os próprios resultados (por exemplo: Collins &
Valentine, 2001) e outros buscam usar mecanismos e técnicas que diminuam o
problema (por exemplo: Borchiellini et al., 2001).
Desta
forma, considerando os últimos estudos realizados, Cnidaria estaria mais
relacionado com os Bilateria que com Ctenophora. No entanto, definir qual dos
grupos de cnidários é mais basal é uma tarefa que ainda parece estar longe de
ser concluída. Hyman (1940) sugeriu que Hydrozoa
seria o ancestral do grupo. Por várias décadas, pesquisadores concordaram com
esta hipótese baseados na morfologia e características de desenvolvimento. Por
outro lado, considerando algumas teorias para a origem dos metazoários, como a
de um ancestral colonial, somado a estudos do genoma, a idéia de Anthozoa como
grupo mais basal passou a ser defendida por alguns autores.
O fato
preponderante é a presença em Anthozoa de genoma mitocôndrial
circular semelhante a outros animais, enquanto que Hydrozoa e os outros grupos
com medusa apresentam o genoma mitocôndrial linear. Análises da subunidade
menor do RNA ribossomal (SSU) colocam a Hydrozoa na base, porém não refuta a
outra hipótese. Assim, o subfilo Anthozoa é alternativamente considerado o
grupo mais basal ou o mais derivado. A primeira hipótese posiciona aos pólipos
como forma original e a medusa (e a metagênese) como forma derivada (Fig. 1A).
A segunda teoria indica que no típico ciclo de vida metagênico, a medusa é gametogênica
e constitui o estádio definitivo ou adulto com um pólipo que atua como uma
larva persistente. Assim é razoável que o pólipo evoluiu secundariamente e
perdeu a forma original do corpo, a medusa, localizando aos antozoários como o
táxon mais derivado (Fig. 1B). Willmer (1991) sugeriu que os antozoários e sua
condição bilateral representariam o estado primitivo do filo Cnidaria, baseado
em evidencias dos organismos viventes e fosseis. Analisando os registros
fosseis é impossível predizer quem é mais primitivo se o pólipo ou a medusa,
ambas formas foram encontradas em depósitos pré-cambrianos (Glaessner, 1984).
Definir a filogenia dentro de cnidaria é fundamental para
entender a evolução dos metazoários. Segundo a teoria de origem de Metazoa, o
grupo mais basal em Cnidaria seria diferente e a origem dos Bilateria seria bem
estabelecida. A maior parte dos autores atuais aceita a condição radial como
primitiva, colocando assim os pólipos, e com isso a classe Anthozoa na base do
filo. Isto é corroborado por estudos morfológicos e moleculares. No entanto, a
ultima teoria da possível origem dos cnidários foi publicada, faz horas apenas,
por Seipel & Schmidt (2005) baseada em estudos moleculares da musculatura e
na ontogenia da formação da medusa. O trabalho conclui que o ancestral dos
cnidários seria um organismo triploblástico móvel. Em conseqüência, a condição
diploblástica teria evoluído secundariamente nas larvas e pólipos dos
cnidários, qual era suportado pela Teoria Sincicial de Hadzi em 1953.
Antes de seguir discutindo
e inferindo sobre a evolução dos metazoários devemos considerar um grupo de
organismos bem particulares, os myxozoários.
Estes endoparasitas
microscópicos de peixes e invertebrados com corpo amorfo e plasmodial sempre
foram considerados protozoários, ate que em 1970 ganharam a condição de filo
pela descoberta da multicelularidade de seus esporos infectantes. Devido a
grande similaridade dos nematocistos com as cápsulas polares dos myxozoários
Sidall et al, 1995, baseados em caracteres morfológicos e moleculares,
propuseram que Myxozoa pertencia a
Cnidaria. Trabalhos posteriores não suportaram esta nova posição filogenética
(Kim et al, 1999). Somado a isto, Anderson et al, 1998 e Ferrier & Holland,
2001 demonstraram que os myxozoários possuíam Hox genes, um tipo de genes totalmente ausentes dentro dos
diploblásticos. Esta discussão seguiu até que Okamura & Canning (2003) apresentaram
um trabalho que confirmava que os myxozoários não são cnidários, sugerindo que
algumas espécies de myxozoários possuíam duas formas morfológicas alternativas,
uma vermiforme e outra plasmodial. A forma vermiforme descrita anteriormente
como Buddenbronckia e não alocada em nenhum filo, apresenta clara
simetria bilateral. Desta maneira, o DNA ribossômico, os Hox genes e os dados
estruturais considerados em seu conjunto, indicariam que os myxozoários não são
cnidários e que formariam parte da linhagem dos Bilateria no reino animal.
Dessa forma, algumas hipóteses bem robustas colocam Myxozoa e alguns vermes
acelomados como os primeiros clados bilaterais, assegurando a posição dos
Myxozoários na base de Bilateria (por ex. Telford et al. 2003).
Já dentro dos Bilateria, tradicionalmente os filos são divididos
em Protostômios e Deuterostômios. Esta divisão não
implica apenas a diferença na origem da abertura oral, mas também uma série de
distinções na embriologia. Organismos caracterizados como protostômios
normalmente são associados ao conceito de que o blastóporo, ou a região próxima
a ele, irá originar a boca do organismo. No entanto, diversas outras
características estão implícitas neste conceito. A clivagem do tipo espiral, principalmente
determinada, a formação do celoma por esquizocelia,
ou seja, a partir de bandas mesodérmicas, e a origem do endomesoderma a partir de um blastômero especial (4d) são outras
características do desenvolvimento dos protostômios. Por outro lado, organismos
deuterostômios apresentam a boca sendo formada de uma região diferente da do
blastóporo, a clivagem sendo principalmente radial e geralmente indeterminada,
o celoma formado a partir da fusão de bolsas enterocélicas (exceto nos
cordados) e o endomesoderma a partir
de bolsas enterocélicas (exceto nos cordados). Considerando este conjunto de
características, nem sempre é fácil determinar a posição de alguns táxons que
possuem características dos dois tipos de desenvolvimento misturadas (por
exemplo, os filos conhecidos como lofoforados).
Alguns
autores acreditam que podem, através da análise da forma de gastrulação de
organismos basais em cada divisão (por exemplo, poliquetos entre protostômios)
poderia levar a inferir sobre o tipo de gastrulação do ancestral do grupo.
Comparações usando marcadores moleculares entre a parte oral e o blastóporo em protostômios
basais e deuterostômios basais sugeriram que o ancestral destes grupos
(comumente chamado de Urbilateria)
usava o mesmo set de genes para formar a boca e o ânus desde lados opostos ao
blastóporo (Lartillot et al. 2002). Assim, a divisão entre protostômios e
deuterostômios não é marcada pela forma independente e diferente de formar a
boca (como conceituado por Grobben, 1908). Em realidade Deuterostomia
seria um modo derivado de gastrulação, que facilmente teria evoluído desde a
Protostomia. Estas considerações foram analisadas em um estudo de Technau &
Scholz (2003) avaliando a origem e evolução do endoderma e mesoderma. Além de
proporem que a invaginação/epibolia deve ser a forma de
gastrulação ancestral, os autores, considerando a Anthozoa como o grupo mais
basal entre os diploblásticos supõe que o processo de dobras epiteliais que dá
origem aos mesentérios dos antozoários deve ter ocorrido de forma similar na
origem do mesoderma a partir de evaginações no Urbilateria. Eles sugerem que os
genes que especificam o endoderma e mesoderma em Bilateria deve ter evoluído
suas funções a partir de papéis ancestrais na regulação básica celular como
mobilidade celular, adesão e proliferação.
A divisão dos Protostômios segundo
a presença de uma cavidade corpórea celomática também vendo sendo discutida sob
alguns aspectos. De forma geral se considera três possibilidades:
1. Acelomados (sem cavidade celomática) - A mesoderme forma uma massa de tecido mais ou menos sólido (Mesênquima), às vezes com espaços
(lacunas), entre o tubo digestivo e a parede do corpo.
2. Celomados ou eucelomados
- Há o desenvolvimento de uma cavidade (celoma) preenchida de líquido entre a
parede do corpo e o tubo digestivo. Tal cavidade está dentro da própria
mesoderme e está completamente envolvida por um tecido fino, o peritônio
(derivado da mesoderme), de forma que os órgãos do corpo não são livres dentro
do espaço celômico, mas separados dele pelo peritônio.
3. Pseudocelomados
ou blastocelomados - Possuem
cavidades pequenas ou grandes do corpo, que nem sempre são formadas a partir da
mesoderme e não são envolvidas por peritônio ou outra forma de tecido
mesodermal. É assim chamada de falsa cavidade. Os órgãos ficam livres na
cavidade do corpo mergulhados diretamente no seu fluido. Em muitos casos o
espaço representa remanescentes persistentes da blastocele embrionária e aí não
há nada de falso. Por esta razão, alguns autores preferem usar o termo
blastoceloma.
Acredita-se
que a origem do celoma esteja relacionada com o modo de vida bentônico assumido
por alguns organismos bilaterais, pequenos. Nesta condição, um esqueleto fluido
(hidrostático) seria essencial para certos tipos de movimento. A evolução de
uma cavidade do corpo cheia de fluido, contra o qual os músculos poderiam
operar, ofereceria uma grande vantagem locomotora adicional proporcionando uma
circulação média e espaço para o desenvolvimento de órgãos.
Há teorias que sugerem o aparecimento do celoma
de uma só vez, outras em duas vezes.
- Teoria enterocélica
O celoma teria originado pelo
estreitamento e isolamento do divertículo estomacal embrionário.
- Teoria gonocelômica
Um primeiro espaço celômico surgiu
pela parede das cavidades gonadais derivada mesodermicamente e que persistiu
subseqüentemente pela liberação dos gametas.
- Teoria nefrocelômica
Protonefrídio dos vermes achatados
expandiriam para as cavidades celômicas, argüindo que o celoma derivou de
estruturas ectodérmicas derivadas. Certamente as cavidades celômicas de muitos
animais estão relacionadas a funções excretoras.
Não obstante, alguns estudos recentes consideram que
a divisão dos animais bilaterais segundo a cavidade corporal é arbitrária já
que resultaria em grupos que não são monofiléticos. Assim, estudos
filogenéticos moleculares recentes (Aguinaldo et al., 1997; Balavoine &
Adoutte, 1998) têm proposto uma hipótese filogenética diferente para os
Bilateria. Os resultados transferem a quatro filos considerados tradicionalmente
como Protostomia para Deuterostomia (Brachiopoda, Chaetognatha, Ectoprocto e
Phoronida). Além disso, os grandes agrupamentos dos protostômios em acelomados,
pseudocelomados e eucelomados parecem, realmente, não ser monofiléticos. As
evidências sugerem que algum tempo depois que o ancestral deuterostômio
divergiu do ancestral protostômio, no Pré-Cambriano, os protostômios
dividiram-se novamente em dois grandes grupos monofiléticos (ou superfilos): os
Ecdysozoa, contendo os filos que
passam por uma série de mudas durante seu desenvolvimento, e os Lophotrochozoa, incluindo os filos de
lofoforados e os filos cujas larvas são assemelhadas as trocóforas.
Dessa forma, três clados principais nos Bilateria
aparecem desde cedo nos registros fósseis do Cambriano: Deuterostomia,
Lophotrochozoa e Ecdysozoa. De todas as hipóteses filogenéticas recentes, a
divisão dos protostômios parece ser uma das mais importantes. A evidência do
clado Ecdysozoa, caracterizado pelo hábito de muda, foi comprovado
morfologicamente (Barnes et al., 1993), pelo RNA ribossômico (Aguinaldo et al.,
1997; que deu nome ao clado) e por características no Hox genes (de Rosa et
al., 1999). Ecdysozoa apresenta uma grande diversidade morfológica, incluindo
desde vermes pseudocelomados (Priapulida) ou com pseudocele reduzida (Nematoda)
até filos superiores e complexos como Arthropoda, que é basicamente hemocélico,
porém com pequenos espaços intramesodermais. Mesmo com esta disparidade,
diversos estudos recentes suportam a monofilia do clado. Considerando que a
grande maioria dos animais viventes é Ecdysozoa, é fundamental compreender as
condições e oportunidades que se combinaram para originar os fatores principais
deste clado.
Acredita-se que tanto o ancestral dos Protostômios e
Deuterostômios como o ancestral comum entre Ecdysozoa e Lophotrochozoa, eram
organismos simples, e provavelmente paracelomados. Este último termo se refere
a organismos pseudocelomados e acelomados (Valentine & Collins, 2000). O
fóssil mais antigo é da Idade Neoproterozóica (cerca de 570 Milhões de anos),
são rastros pequenos com características paracelomadas. Representa a evidência
mais antiga de locomoção animal, parecendo ter sido criado pela ação de
músculos pedais ou das paredes de organismos bilaterais. Também poderiam ser
rastros deixados pelo sistema de locomoção mucociliado comum em invertebrados
para a alimentação e limpeza de superfícies e para a locomoção em pequenos
animais, como os usados até hoje em alguns cnidários, Lophotrochozoa e
Deuterostômios.
Animais que apresentam mudas não tem cílios
ectodérmicos móveis e, em conseqüência não podem usar sistemas mucociliares
ectodérmicos. O clado Ezdysozoa
evoluiu a partir de animais que se ancoravam com a cutícula e se movia por
ondas peristálticas e/ou pela introverte. Eram provavelmente rastejantes ou
enterradores. Dessa forma, a muda deve ter evoluído entre o ancestral
Ecdysozoa/Lophotrochozoa ou no último ancestral comum em Ecdysozoa. A função
hidrostática do Euceloma no tronco de vários protostômios (ex: anelídeos) e
Deuterostômios (ex: cephalopoda) é reduzido em Ecdysozoa a fluidos no
compartimento da blastocele, como pseudoceloma ou hemoceles. Da mesma forma, a
função hidrostática na luz dos tentáculos de alimentação de alguns protostômios
(ex: Phoronida) e deuterostômios (Ex: Pterobranchia) não aparece em Ecdysozoa. A evolução
de tentáculos ciliados neste clado foi impedida pela ausência de tratos
mucociliados. É possível que a ausência de um compartimento celômico no tronco
em Ecdysozoa também esteja associado ao hábito de muda. Uma vez que a muda
permite não apenas aumentar estruturas cuticulares como espinhos ou apêndices
que funcionam como estruturas de locomoção auxiliares, mas também promovem um
fortalecimento da cutícula. Os espaços celômicos blastocélicos provêm
resistência e apoio para a ação dos músculos da parede do corpo, reforçados
pela cutícula que os envolve. A presença deste sistema deve haver inibido a
evolução de uma compartimentalização adicional para dar suporte as atividades
de Ecdysozoa.
A origem e conseqüência da muda são assim,
fundamentais para entender a história do clado. Em Ecdysozoa, apresentar muda
significa uma obstrução das estruturas ciliares ectodérmicas. Segundo
evidências filogenéticas e fósseis, os primeiros membros de Bilatéria seriam
pequenos, vermiformes e, provavelmente, tinha desenvolvimento direto. Em geral
organismos pequenos apresentam baixo esforço reprodutivo e a presença de larva
aumentaria a mortalidade e a reprodução seria inviável. Dessa forma, o
desenvolvimento de larvas planctônicas ocorreu de forma independente mais de
uma vez (ao menos 3) dentro de Bilatéria. Clados sem muda evoluíram larvas que
nadam e se alimento por tufos de cílios ou bandas ciliadas, incorporando essas
formas aos seus sistemas de desenvolvimento muito cedo. Por outro lado, dentro
de Ecdysozoa, larvas alimentares não tem tratos ciliados alimentares e
evoluíram pela modificação, durante estágios iniciais, empregando setas ou
apêndices para gerar correntes de alimentação. É provável que a muda tenha
evoluído como uma adaptação que permitisse o aumento, durante o crescimento do
animal, de estruturas secretadas pela cutícula como espinhos e outras,
utilizadas para a locomoção auxiliar. Entre os Ecdysozoa ocorrem táxons com
desenvolvimento direto (como Nematoda) e outros com estágios bentônicos
prematuros com introverte que lembra um pouco o adulto (como Loricifera). Este
último pode ser considerado larva, porém é mais provável que se trate de
elaborações de juvenis produzidos em um desenvolvimento direto ancestral. De todos
os modos, nada que se assemelhe a larva planctônica primária ciliada. Os cílios
em Ecdysozoa, quando presentes, são exclusivamente sensitivos (sensilla).
Se as larvas planctônicas, de fato, surgiram mais de
uma vez entre os Bilatéria, então hipóteses evolutivas que se apóiam no fato de
larvas planctônicas serem plesiomórficas para estes clados, tanto presente no
clado ancestral como larva (por ex. Nielsen, 1995) ou representando elas mesmas
os ancestrais (Por ex. Davidson et al., 1995 e Petterson et al., 1997) devem
ser revistas. Apesar de toda esta discussão, as considerações sobre a origem
independente de larvas planctônicas dentro de Bilatéria ainda não são
conclusivas (Valentine & Collins, 2000).
Dentro de Ecdysozoa a filogenia ainda não está bem
definida. Nielsen et al., 1996, usando caracteres morfológicos une Arthropoda +
Tardigrada + Onychophora em um único clado, também apoiado por evidências
moleculares. O filo Nematoda apresenta uma rama muito longa, sendo difícil a
utilização do 18S RNA ribossomal. No entanto, Aguinaldo et al., 1997 conseguiu
ramas mais curtas e uniu este filo aos Ecdysozoa. Alguns estudos colocam este
filo junto com Nematomorpha (Nielsen et al., 1996). Os filos Priapulida e
Kinorhyncha conformariam um clado irmão aos demais Ecdysozoa (Aguinaldo et al.,
1997). Já o filo Loricifera ainda não apresenta amostras do gene 18S, sendo
duvidosa sua localização. Não obstante, por evidências morfológicas deve estar
entre os Ecdysozoa, aliado, provavelmente a Priapulida + Kinorhyncha. O filo Chaetognatha
também forma rama longa e é difícil definir sua posição filogenética. Alguns
estudos o consideram dentro de Ecdysozoa, porém sua posição é ainda instável e
duvidosa.
Concluindo, Ecdysozoa seria grupo irmão de Lophotrochozoa
(Anelídeos, moluscos e lofoforados). Estes dois clados formam o agrupamento
Protostomia, o qual é irmão de Deuterostomia (Aguinaldo et al., 1997 e
Littlewood et al., 1998). Protostomia e Deuterostomia formam Bilateria. Este,
juntamente com Cnidaria forma um clado, no qual também estaria inserido
Placozoa, segundo algumas classificações, o qual unido a Ctenophora, cuja
posição é mais basal forma o grupo Eumetazoa. Dentro de Metazoa Porífera forma
um agrupamento parafilético na base deste grupo.
Como foi visto até aqui, entender a
origem e as relações filogenéticas dos animais não é tarefa fácil. Mesmo
considerando apenas os invertebrados marinhos a tarefa não se torna menos
árdua. A primeira e mais óbvia dificuldade que surge é a de tratar da origem e
evolução em um agrupamento totalmente artificial que, ao contrário do que se
esperaria em uma boa filogenia, reúne táxons que possuem em comum uma ausência.
Pois bem, a ausência de coluna vertebral define os invertebrados. Proposto por
Lamarck em 1801, este termo, apesar de não constituir um clado ou um táxon nem
representar qualquer categoria hierárquica reconhecida no sistema de Linneaus,
segue em uso na grande maioria dos livros didáticos e nos programas de cursos
de graduação e pós-graduação. Nenhuma característica positiva é capaz de
abranger todos os seus representantes. A diversidade de formas, habitats,
hábitos é tão grande que pode ser exemplificada quando consideramos seus
representantes. Os chamados Invertebrados são formados por cerca de 35 filos e
mais dois subfilos do Filo Chordata,
o mesmo que contém os seres humanos e demais vertebrados. É assustador! Mais
ainda se considerarmos que os invertebrados constituem cerca de 97% dos
organismos viventes! Daí a grande dificuldade de estabelecer teorias e
classificações que reflitam a filogenia do grupo. É quase como discutir a
origem e evolução do reino animal.
Nos oceanos e mares há uma enorme
variedade de formas de vida, e um número de táxons superiores muito maior do
que no ambiente terrestre. Segundo as estimativas, o mar apresenta apenas 20%
de todas as espécies animais, mas estas representam 90% ou mais de todas as classes ou filos (MAY, 1988). Basta lembrar que a maioria dos filos
conhecidos são exclusivamente ou principalmente marinhos. Dos 35 filos de
invertebrados não cordados, 16 são exclusivamente marinhos e apenas 2 não
apresentam representantes marinhos (Pentastomida,
parasita de vias respiratórias aéreas de vertebrados, e Onychophora,
exclusivamente terrestre).
É lógico que, depois de tudo que
foi visto, estamos longe de por um ponto final no tema. Se nas últimas 3
décadas a grande quantidade de artigos publicados sobre a evolução dos
metazoários nos levou a discutir, refletir e reconsiderar antigos conceitos,
certamente, no mínimo mais 3 décadas serão necessárias para esclarecer os
pontos ainda não conclusivos e a posição filogenética de alguns grupos na
grande árvore dos metazoários. Certamente todos este progresso na compreensão
da origem e evolução dos animais, em especial dos invertebrados marinhos, base
para todo o resto, leva a inúmeras modificações nos sistemas de classificação
em uso. É de se esperar que todo este conjunto de informações leve um tempo
para ser incorporado aos sistemas em uso, em especial devido a inúmeras
divergências que surgem entre trabalhos com metodologias e/ou dados diferentes.
Apenas aquelas hipóteses amplamente testadas e corroboradas por mais de um tipo
de dado devem ser incorporadas de forma definitiva nas classificações. Há muita
coisa por fazer, e ainda estamos longe de desvendar os mistérios da origem dos
animais e, com isso, entender a nossa própria origem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.