Semana do Tubarão: Entrevista com Artur Chahud
Artur Chahud, pesquisa
Chondrichtyes desde o seu mestrado e hoje está em curso do seu
pós-doutoramento na USP, de onde arrumou um tempinho para conversar com a
gente.
Esse é mais um dos posts especiais para comemorar a nossa "Semana do Tubarão".
Col.: Oi Artur, primeiro nos fale um pouco sobre a fauna de tubarões da(s) unidade(s) geológica(s) que você estuda.
Artur: Os tubarões que eu estudo são exclusivos da fácies arenosa do
Membro Taquaral, que é a unidade basal da Formação Irati, de idade
permiana. É uma fácies que raramente ultrapassa 50 cm de espessura e é
praticamente exclusiva do Estado de São Paulo.
Os fósseis nela são encontrados desarticulados e ocorrem como espinhos de nadadeiras, dentes, escamas e ossos isolados.
Quando comecei a trabalhar nesta unidade, sobe orientação do Dr.
Thomas Rich Fairchild, não havia nenhuma ambição de encontrar algo
significativo, pois a unidade tinha sido “abandonada” há mais de 25 anos
após o mestrado do Dr. Ewaldo Helmut Ragonha, em 1978. Nenhum artigo
havia sido publicado (nem mesmo resumos). Ragonha tinha descrito três
Chondrichthyes que haviam sido observados na Formação Pedra de Fogo,
também do Permiano.
Quando o Professor Thomas Fairchild coletou os primeiros fosseis na
região de Rio Claro, imediatamente ficou claro que a unidade não era tão
“sem graça” quanto todos pensavam e que existia um potencial muito bom
de estudo! Muita coisa precisava de revisão e ainda existiam fósseis que
ninguém havia visto no Brasil!
De todos os tubarões que apareceram o mais comum é Taquaralodus albuquerquei Silva Santos 1947 (antigo “Pleuracanthus” albuquerquei Silva
Santos 1947), um tipo de Xenacanthiformes identificado por meio de
dentes que também são encontrados na Formação Pedra de Fogo (Bacia do
Parnaíba, NE do Brasil), onde foi descrito primeiramente por Silva
Santos.
Outros xenacantos foram observados, mas muito raros e diminutos e eu
não me atrevi a batizar, na esperança de encontrar fósseis melhores,
mas um deles é claramente um representante do gênero Xenacanthus (provavelmente o mais antigo da Bacia do Paraná).
Porém os tubarões de maior impacto são os de espinhos, que foram a
grande surpresa da unidade e também os mais difíceis de serem
encontrados. O único formalmente publicado é o Sphenacanthidae Sphenacanthus sanpauloensis que
foi o primeiro espinho de nadadeira de tubarão de um exemplar adulto
encontrado na unidade (Ragonha tinha um único exemplar infantil). O
fantástico é que durante o meu doutoramento outras variedades apareceram
como: a primeira ocorrência do gênero Amelacanthus, já citado e ilustrado em artigo que tratava da unidade, e outras que estão sendo pesquisadas atualmente no pós-doutoramento.
Ainda tem o que fazer e os trabalhos continuam.
Col.: Conte alguma aventura interessante que ocorreu durante
o seu estudo com esses bichos. Você teve a oportunidade de encontrar
uma nova espécie, encontrar um gênero inusitado, registrar a primeira
ocorrência ou, por exemplo, encontrar um material espetacular?
Artur: Difícil a pergunta, pois, na minha visão quase tudo foi
excitante ou surpreendente! Mas aconteceu algo bastante “inusitado”
quando eu descobri o Sphenacanthus sanpauloensis a mais ou menos uns 10 anos atrás.
Eu estava no Sitio Santa Maria debaixo de uma chuva muito forte,
fazendo coleta, sozinho. Só havia um pescador por perto pescando com
rede no Rio da Cabeça, que é um córrego que fica nas margens do
afloramento.
De repente eu consegui arrancar uma placa do afloramento e apareceu
um espinho de tubarão, lindo. Eu dei um pulo e um berro, comemorando,
pois sabia da importância que tinha aquilo. O pescador viu a cena e
ficou com cara de assustado, sem reação. Eu olhei para ele e disse que
tinha descoberto o espinho da nadadeira de um tubarão! Ele me olhou com
aquela expressão “Ihh o cara pirou, deixa eu sair daqui”, então se
afastou e sumiu.
Mas a aventura não havia acabado! Eu estava na chuva, num
afloramento sem proteção e tinha que tirar aquele fóssil dali bem
rápido, para não ser destruído. Eu deveria chegar na garagem da sede do
sítio que ficava uns 700 m de onde eu estava, mas não ia ser fácil: os
donos do lugar criavam cabeças de gado e um touro não ia muito com a
minha cara. Tive que criar coragem e sair correndo! Até que esse fóssil
ficasse finalmente a salvo, foi um sufoco. Só me tranquilizei quando o
cobri, protegi e coloquei dentro do carro. Fui investigá-lo muito tempo
depois, no instituto.
Col.: Qual seu tubarão fóssil favorito?
Artur: Pode parecer estranho, pois não é nenhum da época que eu estudo. O tubarão que eu mais gosto é o Antarctilamna.
O Antarctilamnaé
um tubarão do Devoniano (um dos mais antigos) que inicialmente foi
descrito na Antártida e Austrália, mas existem evidências em outros
lugares com África do Sul, Espanha e Bolívia.
Eu gosto dele por ele ter sido uma inspiração para que eu
continuasse a trabalhar com o Paleozoico. Ele é um desafio e a partir
dele vi que isso era comum nos grupos de tubarões do Paleozoico que eu
estudo!
Quando comecei a pesquisa com tubarões do Permiano (11 anos atrás)
ele era considerado um xenacanto, devido aos dentes (ainda tem quem
acredite nessa hipótese), tempos depois ele foi considerado um
ctenacanto, por causa do espinho da nadadeira, e outros ainda
acreditavam que ele poderia ser um intermediário entre ambos (como um
"Archaeopterix dos tubarões"). Hoje ele tem ordem e família próprias e é
considerado um gênero a parte de Elasmobranchii.
É o maior exemplo de desafio: de quanto temos que aprender ainda e
como estamos longe de qualquer solução. Até o ambiente em que esse
animal vivia hoje é colocado em dúvida, pois durante um tempo ele era
considerado um tubarão de água doce, mas já foi encontrado em depósitos
estuarinos e, até mesmo, marinhos.
Col.: O que você acha de mais espetacular nesse grupo de animais,
tendo a oportunidade de estudá-los tão de perto? E por que você acha que
eles fascinam tanto as pessoas?
Artut: Olha não posso negar que eles me proporcionaram o que eu
sempre sonhei em fazer nas áreas de geociências e paleontologia desde
que eu estava na graduação. E por que isso?
Eu normalmente olho para o conjunto todo e não só para o fóssil e a
contribuição para as pesquisas dada pelos tubarões incluíram taxonomia,
paleoecologia, estudos de paleoambientes e até mesmo bioestratigrafia.
Agora no geral os tubarões são “campeões” na história do nosso
planeta foram poderosos predadores, dominadores, diversificados e
superaram extinções que poucos grupos de seres vivos conseguiram. A
imagem da força e da vitória dentro dos metazoários e provavelmente
ainda estarão por aqui nos próximos milhões de anos.
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Artur Chahud é Bacharel em Geologia pelo Instituto de
Geociências da USP, tem Mestrado em Paleontologia e Bioestratigrafia e
Doutorado em Geoquímica e Geotectônica pela mesma instituição, onde
atualmente também desenvolve seu pós-doutoramento em Geologia Sedimentar
e Paleontologia do Permiano da Bacia do Paraná. Os Chondrichthyes foram
os protagonistas nos seus estudos durante toda sua pós graduação.
Fonte: colecionador de ossos
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