O fungo que ameaça acabar com os sapos
Pesquisa é desenvolvida na Unesp
Millena Grigoleti - Diário da Região
19/06/2017
Pesquisadora Alba Navarro, da Unesp, com girinos
Um fungo está ameaçando a sobrevivência de
sapos, rãs, pererecas e todos os outros anfíbios brasileiros. O
Batrachochytrium dendrobatidis (Bd) se alimenta das células
queratinizadas do animal e causa uma infecção, conhecida mundialmente
como quitridiomicose.
As células são as epiteliais, da pele, que guardam
a queratina, uma proteína. Detectado pela primeira vez no Brasil em
2004, o fungo ainda é um desconhecido até mesmo para biólogos e
herpetologistas (estudiosos que se dedicam a anfíbios e répteis). Isso
motivou a pesquisadora espanhola Alba Navarro, que é doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Ibilce, Câmpus da Unesp
em Rio Preto.
Ela criou o projeto Quitri Brasil (www.quitribrasil.com),
que fornece recurso para gestores, voluntários ambientais,
pesquisadores e cidadãos, com a intenção de facilitar a divulgação de
conhecimento sobre o fungo. “Um dia pensei: se para pesquisadores da
própria área o fungo não é conhecido, imagina para o resto da sociedade.
Além disso, sinto que a divulgação científica é essencial para que os
projetos sobre conservação atinjam seus objetivos”, conta. O site é
atualizado com base em informações científicas
sobre o fungo. Dentre outros dados, ele mostra os locais em que o Bd
foi encontrado e a temperatura média de cada lugar.
Segundo Alba, a quitridiomicose tem se
tornado uma das ameaças de maior impacto nas populações de anfíbios.
“Ela está envolvida no declínio de muitas populações e na extinção de
espécies em várias regiões do planeta”, afirma. O fungo não tem
preferência por um grupo de anfíbios específico. Já foram encontradas
mais de 700 diferentes espécies de salamandras, sapos, pererecas, rãs e
cecílias infectadas pelo fungo em várias regiões do planeta. Somente no
Brasil, são pelo menos 160 espécies de anfíbios contaminados. “É
esperável que esse número aumente com futuros estudos”, alerta Alba.
Embora a região de Rio Preto não tenha
sido impactada, pois é muito quente para que o fungo consiga viver, o Bd
foi encontrado em 21 estados brasileiros, incluindo São Paulo, e em
todos os biomas: Mata Atlântica, Amazônia, Pampa, Pantanal, Caatinga e
Cerrado. Segundo a pesquisadora, é difícil prever se o fungo vai
impactar no futuro os bichos da região. “São vários os fatores
(abióticos e bióticos) que afetam na presença do fungo, por isso não é
fácil saber o que poderia acontecer a longo prazo.”
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Riscos
Os anfíbios ocupam diferentes posições na
cadeia alimentar, desde consumidores de matéria orgânica até predadores.
“Se começam a desaparecer do meio a uma velocidade tão
rápida como está sendo evidenciado nos últimos estudos iríamos chegar
ao ponto que toda a cadeia cairia”, afirma Alba. Ela destaca que todas
as espécies são parte de um grande sistema. “Dentro do qual existe uma
dependência grande entre elas. Se um grupo de organismos desaparece, o
resto será afetado.” Os humanos têm uma temperatura corporal de
aproximadamente 36 graus, o que impede o fungo de se desenvolver,
portanto ele não é perigoso para a espécie.
Comércio da carne dificulta controle
Os anfíbios são contaminados pela chegada
do fungo através da água ou pelo contato direto entre os indivíduos.
Para evitar a contaminação, seriam necessárias algumas ações. A primeira
é evitar a dispersão do fungo para outras regiões. “Mas o grande
comércio de anfíbios para consumo, inclusive mundial, não está tornando
isso fácil. Os controles alfandegários não estão conseguindo detectar o
fungo nos anfíbios vivos que são transportados de um país para outro,
principalmente porque as espécies mais comercializadas não apresentam
sintomas”, fala a doutoranda Alba Navarro.
Uma das formas usadas para mitigação do
fungo é o tratamento dos animais infectados. O Bd, segundo a
pesquisadora, é suscetível a altas temperaturas, sal e uma ampla gama de
antibióticos e fungicidas. Por outro lado, testes apontam que os
anfíbios podem sofrer danos quando submetidos a antibióticos. Outra
estratégia é a bioterapia. É adicionada uma cepa bacteriana ou um grupo
delas ao habitat ou diretamente na pele do anfíbio, com o objetivo de
diminuir sua suscetibilidade à doença. “São vários os estudos que tentam
explicar como o fungo chega a causar a morte.
Alguns trabalhos concluíram que a
hiperplasia epidérmica (aumento do número de células epidérmicas) pode
prejudicar seriamente o equilíbrio de eletrólitos e a troca gasosa do
anfíbio”, comenta a doutoranda. Ela aponta que um outro estudo mostrou
que o fungo produz micotoxinas, que são metabólitos (substâncias)
secundários tóxicos produzidos por determinados fungos. “Que bloqueiam a
resposta imune do anfíbio, inibindo a proliferação de linfócitos e
podendo causar morte celular, causando assim aumento de infecções no
anfíbio.”
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