quarta-feira, 25 de abril de 2018

Afinal, onde a onça bebe água?

As estratégias de conservação da onça-pintada devem considerar as diferenças regionais desses animais em cada bioma.
As estratégias para conservação da onça-pintada estão delineadas no Plano de Ação Nacional para Conservação da Onça-intada. Foto: Adriano Gambarini.

Entender onde estão e quais as predileções das onças-pintadas, e sim, onde elas também bebem água, são informações preciosas para se desenhar estratégias de conservação deste imponente felino. A análise do padrão de movimentação, uso e seleção de habitat por onças-pintadas é o escopo do projeto “Uso e ocupação do espaço, movimentação e seleção de habitat por onça-pintada (Panthera onca) na Mata Atlântica e Caatinga: uma análise comparativa”, coordenado pelo Dr. Ronaldo Morato, analista ambiental e Coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)/Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Os predadores de topo de cadeia, como a onça-pintada, são elementos-chave na cadeia alimentar e, atualmente, muitos deles encontram-se ameaçados de extinção. Essas espécies exigem grandes áreas de habitat com uma base de presas estável para sua sobrevivência em longo prazo e são particularmente suscetíveis a declínios de suas populações em paisagens modificadas. A perseguição humana, a perda global de habitat e a fragmentação expuseram a maioria das espécies de grandes carnívoros ao risco de extinção em todo o mundo. No entanto, o impacto dessas ameaças varia de regiões e por espécies. Por exemplo, nas regiões tropicais do planeta, a maioria das grandes populações de carnívoros está em declínio. Já na América do Norte e Europa já é possível observar a recuperação de populações de felinos graças ao aumento de áreas florestais, à legislação protetora e a maior tolerância das pessoas a estes felinos.

A onça-pintada é o maior felino das Américas e o terceiro do mundo, após o tigre e o leão. Ocorrem em todos os biomas do Brasil, exceto nos Pampas, onde já foram extintas. A perda e a fragmentação do habitat foram as principais causas do declínio da onça, mas a mortalidade induzida pelo homem ainda é a principal ameaça para a população restante. Embora tenham ampla distribuição, a onça-pintada é encontrada em densidades muito baixas. Por esta razão, é considerada pela IUCN como “quase ameaçada”.

Na Mata Atlântica especificamente, as onças-pintadas persistem em cerca de 2,8% dos 7% de remanescentes originais de florestas. Nesta região, a população de onças é provavelmente inferior a 300 indivíduos espalhados em pequenas subpopulações, a maioria com menos de 50 indivíduos e em áreas isoladas.

Descobrir os padrões de movimentação e uso e seleção de habitats das onças foi o caminho encontrado pela pesquisa para identificar áreas prioritárias para a conservação e corredores de conectividade nos biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Amazônia. Para isto, pelo menos cinco animais, em cada bioma, foram marcados com transmissores GPS-satélite. Tais informações permitiram a criação de uma matriz de permeabilidade que apoiou a definição de corredores de conectividade, bem como de áreas prioritárias para a conservação. Como produto, foram produzidos mapas para subsidiar ações de conservação da biodiversidade nos biomas Caatinga e Mata Atlântica.
Assim, ao comparar os aspectos ecológicos e de comportamento das onças nestes diferentes biomas possibilitou-se incorporar diferenças e semelhanças regionais em planos de conservação. “A proposta era entender que tinham comportamentos diferentes em cada bioma e que estas diferenças regionais devem que ser levadas em conta. E ao mesmo tempo elas podem ter algum padrão”, explica Dr. Morato. Os parâmetros escolhidos foram cobertura vegetal e densidade populacional humana. Uma segunda análise, mais detalhada, os pesquisadores estão incluindo outras variáveis, tais como: distância de rios, de gados, de humanos e de estradas para avaliar como os animais respondem a estas variáveis. O que se espera é que os animais tenham uma resposta funcional para cada situação, ou seja, à medida que mudam as condições da paisagem, provavelmente mudam suas preferências, se adaptando a cada situação. Por exemplo, na Amazônia os animais encontram-se praticamente tempo integral em uma matriz florestal e com densidade populacional humana menor.

Na Mata Atlântica é o inverso: maior densidade populacional humana e menos cobertura vegetal. Na primeira situação espera-se que o animal esteja mais protegido e haja plena de oferta de presas. Já na segunda, o felino tem que selecionar mais seus recursos, pois a disponibilidade é menor.

Ao todo foram monitorados 44 animais com colares de telemetria na Caatinga, Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Cerrado. A Amazônia foi considerada como a área controle, pois as condições de oferta de recursos são abundantes e a população destes felinos é maior.
O que já se sabe é que as onças preferem cobertura vegetal e proximidade de água. Em relação às variáveis antropogênicas as respostas são muito variáveis, e não há uma percepção de riscos. Por exemplo, estes felinos não reconhecem as estradas como ameaças.

Estratégias de Conservação

A redução do risco de extinção das espécies é uma das diretrizes do ICMBio, autarquia federal ligada ao Ministério do Meio Ambiente. O CENAP é um centro de pesquisa do ICMBio focado no manejo para conservação de espécies de mamíferos carnívoros que ocorrem no Brasil. A pesquisa liderada pelo Dr. Morato colaborou na elaboração e colabora na revisão do “Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onça-Pintada”, lançado oficialmente em 2013.

O objetivo central do Plano de Ação é “reduzir a vulnerabilidade da onça-pintada, aumentando o conhecimento aplicado à sua conservação, promovendo a proteção de seus habitats e diminuindo a remoção de indivíduos na natureza em cinco anos”. Para tanto, o Plano prevê ações para a redução da perda, dos efeitos da fragmentação e da degradação de habitats; redução da retirada de indivíduos por caça esportiva, por motivos culturais, preventiva, retaliatória à perda econômica e segurança pessoal ou familiar. Além destes, o Plano prevê a geração e disseminação das informações necessárias para conservação da onça-pintada.

Veja também o artigo recente publicado na Revista Biota Neotropica “Redescobrindo a onça-pintada em um remanescente de Mata Atlântica costeira no sudeste do Brasil por análise não-invasiva de DNA” por Andiara Silos Moraes de Castro Souza, Bruno Henrique Saranholi, Peter Gransden Crawshaw Jr, Agustin Javier Paviolo, Lilian Elaine Rampim, Leonardo Sartorello, Pedro Manoel Galetti Jr.
Por Paula Drummond de Castro
About the Author
Paula Drummond de Castro é bióloga, mestre e doutora em Política Científica e Tecnológica. Desenvolve sua linha de pesquisa em gestão e planejamento de ciência, tecnologia e inovação com ênfase em conservação, recuperação e uso sustentável da biodiversidade. Também é editora do Biota Highlights.

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