terça-feira, 18 de março de 2014

O mais antigo primata fóssil

Paleontólogos acabam de anunciar a descoberta do primata mais antigo do mundo, que, com aproximadamente 55 milhões de anos, revela os hábitos dos primeiros representantes desses mamíferos. O estudo é destaque na coluna de Alexander Kellner. 
 
Por: Alexander Kellner
Publicado em 14/06/2013 | Atualizado em 14/06/2013
O mais antigo primata fóssil
Representação artística do ‘Archicebus achilles’ em seu hábitat natural, em meio a árvores. A descoberta do primata mais antigo pode ajudar a reconstruir a história evolutiva desses mamíferos. (fonte: Xijun Ni, IVPP, Chinese Academy of Sciences) 
 
Desde Charles Darwin (1809-1882), sabemos que a espécie humana faz parte do grupo dos primatas, que reúne, entre outros, orangotangos, chimpanzés e lêmures. Até pelo parentesco relativamente próximo, sempre houve grande interesse em entender como ocorreu a evolução desses mamíferos, particularmente do grupo denominado Haplorhini, dividido em társios e antropoides. Estes últimos reúnem os macacos do velho e do novo mundo, incluindo os hominídeos.

O grande problema, no entanto, é a escassez de registros fósseis, que poderiam auxiliar na compreensão de como surgiram e viviam os primeiros representantes dos primatas. Pesquisadores chineses e norte-americanos, liderados por Xijun Ni, do Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology de Pequim, na China, acabam de fazer um achado espetacular: o primata mais antigo do mundo. A descrição da nova espécie, descoberta em rochas cuja idade gira em torno de 55 milhões de anos, acaba de ser destaque na prestigiosa revista Nature.
Reconstrução tridimensional do ‘Archicebus achilles’
Reconstrução tridimensional do ‘Archicebus achilles’. Pequeno, o exemplar cabe na palma de uma mão. (foto: Paul Tafforeau/ ESRF e Xijun Ni/ Chinese Academy of Sciences)

Na palma da mão

Um exemplar único de um animal de pequenas proporções é como podemos nos referir ao Archicebus archilles. Aliás, o nome por si só já é bem sugestivo, unindo ‘arche’, que em grego significa início, e ‘cebus’, termo que se refere aos macacos de cauda longa. Além de Achilles, herói da mitologia grega, uma alusão à construção particular do calcanhar dessa nova espécie.

O crânio tem apenas 25 milímetros, o tamanho médio da cabeça de uma escova de dente. O dorso, com 71 milímetros, regula com o comprimento de um dedo indicador de uma pessoa adulta. A cauda, com mais de 130 milímetros e 30 vértebras, é bastante longa comparada ao resto do corpo. Todo o fóssil, que foi encontrado torcido, cabe na palma de uma mão.

O material é tão pequeno que os pesquisadores utilizaram uma nova tecnologia de obtenção de imagens conhecida como luz síncrotron, que se vale de uma radiação eletromagnética gerada por elétrons, com ampla aplicação em diferentes áreas, tais como farmacologia e nanobiologia.
Crânio do ‘Archicebus’
Crânio do ‘Archicebus’, fóssil e imagem realizada com luz síncrotron. (fonte: Xijun Ni et al/ Nature)
O exemplar é proveniente da região conhecida como Jingzou, na província de Hubei, na parte central da China. As camadas onde foi encontrado possuem uma idade que varia de 55,4 a 54,8 milhões de anos. O fóssil foi encontrado ao se partir uma rocha, preservando molde e contramolde.
Entre as feições diagnósticas, Archicebus se diferencia dos demais primatas por aspectos observados em sua dentição, como a orientação perpendicular do dente canino superior. Além disso, possui o focinho bem curto e as pernas e os pés relativamente longos. A órbita, abertura na cabeça onde se aloja o globo ocular, é proporcionalmente pequena, sugerindo que a nova espécie seria um animal diurno.

Modo de vida

O mais surpreendente para os pesquisadores foi o fato de Archicebus possuir tanto características de antropoides como de társios. As feições dos pés e seu grande tamanho comparado ao restante do corpo, sobretudo da região metatarsal (ossos que ficam entre os dedos e o tornozelo), são similares às formas antropoides.
Os pés do ‘Archicebus’
Os pés do ‘Archicebus’, com os ossos metatarsais (entre o tornozelo e as falanges) bem alongados, similares às formas antropoides. (fonte: Xijun Ni et al/ Nature)
Já a dentição lembra feições encontradas nos társios. Aliás, os pesquisadores estabeleceram que o Archicebus seria um társio bem basal, mostrando que a divergência entre os tarsiformes e os antropoides é mais antiga do que se supunha. Segundo Xijun Ni, tal fato, um tanto inesperado, abre um novo leque de possibilidades para se interpretar como viveram os primeiros primatas.

De acordo com suas feições anatômicas, Archicebus e formas aparentadas deveriam ter desenvolvido a maior parte de suas atividades durante o dia. Eram arborícolas, se locomovendo entre as árvores, possivelmente saltando de galho em galho. Como alimentação, nada de frutos: os seus dentes, comparados com espécies recentes, sugerem que eles se alimentavam de insetos!

E eram pequenos. O peso de Archicebus não passava de 30 gramas. Segundo os pesquisadores, o achado na China sugere que os primeiros primatas deveriam ser semelhantes à espécie recente de lêmure-rato-pigmeu (Microcebus myoxinus)
lêmure-rato-pigmeu
Os pesquisadores acreditam que os primeiros primatas deveriam se assemelhar ao lêmure-rato-pigmeu (‘Microcebus myoxinus’), um dos menores primatas atuais. (foto: Wikimedia Commons/ Bikeadventure)
Naturalmente, todos sabem que mais achados são necessários para confirmar essa hipótese. Porém, acho sempre fascinante descobertas como a do Archicebus, pois elas nos permitem um novo olhar sobre uma pequena parte da história evolutiva dos primatas.
Novamente a China e os Estados Unidos, por intermédio de um investimento substancial e constante para o desenvolvimento das pesquisas paleontológicas, nos brindam com mais este achado.

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