Estruturas promissoras
Base de dados de compostos químicos da biodiversidade brasileira ganha reconhecimento
FABRÍCIO MARQUES |
Edição 217 - Março de 2014
“As bases de produtos naturais trazem informações sobre ocorrência de espécies, hábitat, algumas propriedades físico-químicas e estrutura dos compostos, mas nem sempre disponibilizam outros descritores moleculares que correlacionam a estrutura molecular à atividade biológica e que são essenciais para a pesquisa em química medicinal. A nossa acrescenta, além das propriedades físico-químicas usuais sobre cada molécula, dados importantes como solubilidade, ligações de hidrogênio, volume molecular, cálculo teórico de coeficiente de partição, violação da regra de Lipinski, entre outras, fundamentais para que que uma substância natural alcance o estágio de protótipo”, diz. Esse conjunto de propriedades ajuda a definir o uso do composto em etapas mais avançadas do planejamento de novos fármacos. São informadas, ainda, a espécie a partir da qual a substância foi isolada e o local onde ela ocorre. “Os dados são importantes também para a pesquisa acadêmica em biodiversidade. Se eu consigo correlacionar uma distribuição fitogeográfica em alguma região de mata atlântica ou do cerrado com as classes de substâncias que um conjunto de espécies produzem, temos um dado muito valioso para o avanço do conhecimento, por exemplo, de quimiotaxonomia, ecofisiologia, ecologia química ou de políticas públicas, como a preservação de espécies ricas em constituintes químicos de valor agregado”, afirma Vanderlan.
A base de dados do NuBBE é integrada por 80% de compostos isolados de plantas, 6% de fungos ou microrganismos, 7% de compostos sintéticos inspirados em produtos naturais, 5% de compostos semissintéticos e 2% de produtos de biotransformação (modificados por enzimas).
O lançamento da base foi divulgado em 2013 no Journal of Natural Products, um dos mais importantes da área, ligado à American Chemical Society. O artigo foi mencionado na webpage dos National Institutes of Health dos Estados Unidos como uma das publicações mais relevantes sobre produtos naturais de 2013. Em novembro, a base foi apresentada com destaque num artigo sobre bases de dados de produtos químicos na revista Drug Discovery Today, periódico consagrado na área de descoberta de fármacos. A base Zinc, a maior do mundo em química medicinal, com mais de 35 milhões de compostos, sediada no Departamento de Química Farmacêutica da Universidade da Califórnia em São Francisco, agora tem um cruzamento (cross link) com a base do NuBBE, em outro sinal de reconhecimento. “Recentemente, fomos contatados pela Royal Society of Chemistry, do Reino Unido, que sedia a Chem-Spider, base de dados químicos mundialmente conhecida, com 30 milhões de estruturas de centenas de fontes diferentes”, diz Vanderlan. “A RSC tem interesse em produtos naturais das regiões tropicais e equatoriais e quer inserir nosso acervo na plataforma da Chem-Spider.”
A criação da base de dados foi um dos objetivos do projeto de doutorado da bolsista da FAPESP Marilia Valli, sob orientação de Vanderlan, no âmbito do programa Biota-FAPESP ( ver Pesquisa FAPESP nº 200). Em 2013 incorporou-se ao Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, que tem como pesquisador responsável Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Vanderlan Bolzani como vice-diretora e um dos pesquisadores principais.
O CIBFar é o sucessor de um Cepid coordenado por Oliva que funcionou entre 2000 e 2011, o Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, voltado para estudos da estrutura e da função de moléculas de interesse biotecnológico.
O novo Cepid busca aproveitar a experiência do anterior e associá-la ao conhecimento acumulado pelo Nubbe a fim de desenvolver fármacos com base em compostos encontrados na biodiversidade brasileira e também de substâncias sintéticas. “Há estruturas muito interessantes para desenvolver como candidatos a fármacos. A questão agora é associar a informação da base de dados de pesquisa CIBFar com outros projetos afins do programa”, diz Adriano D. Andricopulo, professor do IFSC da USP, coordenador de transferência de tecnologia e um dos pesquisadores principais do CIBFar. “Já realizamos diversos ensaios biológicos contra parasitas e células de câncer, e recentemente com substâncias pesquisadas pelo NuBBE. Buscamos agora caracterizar moléculas de origem natural para servir como modelos alternativos e, depois disso, dar continuidade à pesquisa por meio de colaborações internacionais e no Brasil. Temos essa perspectiva, pois o programa Cepid nos garante investimento de longa duração para fazer pesquisa bem estruturada e de alta qualidade”, diz Andricopulo. A parceria está ajudando a aperfeiçoar as informações da base de dados. “Algumas das propriedades dos compostos são identificadas por meio de cálculos matemáticos.
Com o Cepid, compramos a licença de um software para automatizar esse processo e minimizar erros. Já fizemos várias correções dos dados que foram inseridos”, afirma Vanderlan Bolzani.
Os compostos descritos na base de dados foram identificados ao longo do tempo e publicados em mais de 170 artigos científicos. “A base organizou toda essa informação de certa forma dispersa”, diz Vanderlan. A intenção agora é incorporar novas substâncias identificadas por outros grupos de pesquisadores do país e criar uma base com maior número de substâncias isoladas da biodiversidade brasileira. “Já iniciamos o levantamento de substâncias de plantas pesquisadas e publicadas por outros grupos do país, com duas bolsistas financiadas pelo CNPq e projeto de pesquisa do Edital Universal aprovado recentemente. Assim, pretendemos ampliar o número de substâncias e de informações para que possamos no futuro ter uma base de dados de produtos naturais do Brasil robusta, com informação organizada útil para todos os interessados nesta área fascinante de pesquisa”, diz a pesquisadora.
Segundo Adriano Andricopulo, a expansão da base, com a inclusão de mais compostos da biodiversidade brasileira, é importante para ampliar as possibilidades de pesquisa. “A base de dados tem um caráter inovador de reunir informações e abrir a possibilidade de produzir novos conhecimentos. Se conseguirmos expandi-la, o país terá um papel proeminente nesse tipo de pesquisa”, afirma. “Há vários grupos dos Estados Unidos, da Europa e daqui do Brasil que já usam as informações da base de dados do Nubbe para fazer triagens virtuais de substâncias, usando programas computacionais, um tipo de tecnologia avançada de planejamento de novos fármacos. Creio que dentro de mais algum tempo começaremos a conhecer resultados dessas triagens”, afirma. Bruno Villoutreix, professor da Universidade Paris Diderot e autor principal do artigo na Drug Discovery Today que mencionou o NuBBE, ressalta que bases de dados de compostos químicos com informações fidedignas e precisas são fundamentais para gerar novos conhecimentos e desenhar novas moléculas com finalidades terapêuticas. “É sabido que muitos medicamentos disponíveis no mercado, cerca de 60% deles, são derivados de produtos naturais ou inspiraram-se em produtos naturais”, disse a Pesquisa FAPESP o professor, que há 10 anos acompanha a evolução de bases de dados desse tipo. “A coleção do NuBBE contém uma numerosa quantidade de informações valiosas que frequentemente não estão disponíveis em outras coleções. Disponibiliza moléculas novas e originais e é construída como um banco de dados no qual se pode buscar vários tipos de informação, enquanto em outras bases apenas um arquivo eletrônico é fornecido. Além disso, reflete a biodiversidade rica e única de espécies botânicas encontradas no Brasil e deve com certeza contribuir para a concepção de novos compostos terapêuticos para os próximos anos.” Ele observa que várias iniciativas parecidas estão sendo desenvolvidas em outras partes do mundo, compilando produtos naturais de plantas medicinais africanas, plantas usadas na medicina chinesa e também da Ayurveda, o conhecimento médico desenvolvido na Índia nos últimos 7 mil anos. “Esses projetos devem ser estimulados. É preciso garantir suporte financeiro para eles, pois vão ajudar os cientistas a projetar novos compostos terapêuticos, a adquirir novos conhecimentos e contribuir para muitas outras áreas”, afirma Villoutreix.
Projetos
1. CIBFar – Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (nº 2013/07600-3); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Glaucius Oliva; Investimento R$ 18.219.303,58 para todo o Cepid (FAPESP).
2. Produtos Naturais do NuBBE, fonte de diversidade micromolecular para o planejamento racional de novos agentes antitumorais (nº 2010/17329-7); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisadora responsável Vanderlan da Silva Bolzani; Bolsista Marilia Valli; Investimento R$ 65.003,67 (FAPESP).
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