Os primeiros tetrápodes
Fósseis descobertos em depósitos de cerca de 348 milhões de
anos na Escócia abrem uma janela para melhor compreender como os
vertebrados conquistaram a terra firme. O achado é tema da coluna deste
mês de Alexander Kellner.
Publicado em 19/06/2015
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Reconstrução de um dos novos tetrápodes terrestres
encontrados na Escócia. (ilustração: Michael Coates/ University of
Chicago and National Museums Scotland - NMS)
Conquista da terra firme
De uma forma simplificada, pesquisas apontam para a origem da vida no mar. Sim, os mares do passado eram certamente diferentes dos atuais em termos de composição, distribuição e correntes, mas o registro fossilífero demonstra que os primeiros organismos surgiram em corpos de água e, depois, conquistaram os ambientes terrestres.
Na história evolutiva dos vertebrados, essa transição do mar para a terra firme ainda está envolta em muito mistério
Devido a intensas buscas e coletas de fósseis, existe hoje ao redor do mundo uma quantidade expressiva de depósitos do Devoniano Médio a Superior (360-375 milhões de anos atrás) contendo tanto restos de tetrápodes como também de peixes, que seriam mais proximamente relacionados aos primeiros tetrápodes. No entanto, a vasta maioria dessas ocorrências é de animais aquáticos, cujo tamanho variava de um a dois metros de comprimento, com o crânio achatado e grande em relação ao seu corpo.
Já as formas tipicamente terrestres, ou seja, que podiam se locomover em terra firme, são encontradas em depósitos do Carbonífero (cerca de 330 milhões de anos atrás). Nesse período geológico, os tetrápodes já eram bastante diversificados, ocupando uma variedade relativamente grande de ambientes.
Esses animais tinham o crânio proporcionalmente menor e menos achatado do que as formas aquáticas, o que estaria relacionado ao desenvolvimento de uma respiração mais efetiva para o ambiente terrestre. E o tamanho de muitas dessas espécies é relativamente pequeno: 100 milímetros da ponta do focinha à cauda.
Mas, como e quando ocorreu essa transição da água para a terra firme?
Teoria da atmosfera com pouco oxigênio
Para responder essa pergunta, o que os paleontólogos precisavam era justamente de fósseis. No entanto, por algum motivo, estes não vinham sendo encontrados nas camadas de idade crucial para a conquista da terra firme, entre 330 e 360 milhões de anos.Essa lacuna de informação já tinha sido registrada há bastante tempo pelo lendário paleontólogo Alfred Sherwood Romer (1894-1973), um dos principais especialistas em répteis fósseis. E apesar de ela ter sido reduzida por alguns achados realizados ao longo dos anos, os pesquisador
es ainda não tinham respostas para essa ausência de tetrápodes terrestres nesse período de transição.
Uma das principais teorias levantadas para explicar essa falta de fósseis era de que eles simplesmente não existiam. Logo após a extinção ocorrida ao final do Devoniano (359 milhões de anos), a atmosfera teria sido muito pobre em oxigênio, o que impediria os tetrápodes primitivos, cujo sistema respiratório não era bem desenvolvido para um ambiente terrestre, de deixar a água.
Curiosamente, a falta de tetrápodes nesse intervalo de tempo também coincidia com a ausência de artrópodes (grupo de invertebrados que inclui, entre outros, insetos, aranhas e escorpiões), possível base da alimentação dos primeiros vertebrados terrestres.
Os novos achados
Por meio de uma coleta de fósseis sistemática, Timothy e colegas conseguiram encontrar em quatro localidades da Escócia depósitos contendo restos de tetrápodes – tanto terrestres como aquáticos – cuja idade gira em torno de 348 milhões de anos. Essa descoberta diminuiu a lacuna do conhecimento sobre a evolução dos vertebrados em aproximadamente 15 milhões de anos.De quebra, os pesquisadores ainda encontraram em três desses depósitos restos de artrópodes – ou seja, o possível alimento dessas primeiras formas de tetrápodes terrestres.
Esses achados contradizem a teoria de que os níveis de oxigênio na atmosfera terrestre eram particularmente baixos durante esse período.
Mas a pesquisa ainda se encontra no início. Certamente, conforme os autores comentam, existem muitas espécies diferentes no conjunto de mais de centenas de tetrápodes encontrados. E alguns deles ainda precisam ser preparados para revelar detalhes de sua anatomia, o que levará algum tempo.
Um dos achados, por exemplo, é uma pata ainda não identificada que claramente demonstra uma forma muito parecida com os tetrápodes mais derivados. Isso sem contar os diversos crânios – uns mais completos do que outros – que demonstram pertencer a tetrápodes com aspecto geral moderno.
Ou seja: em breve teremos mais novidades sobre essas fases iniciais da conquista da terra firme pelos vertebrados.
Aproveito para agradecer aos leitores Francisco Mello e Keila Koiss pela sugestão de abordar essa descoberta.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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