Filhotes sem pais
Relatos de casos de reprodução por partenogênese em tubarões e raias intrigam cientistas
Publicado em 29/06/2015 | Atualizado em 29/06/2015
Em 2001, cientistas observaram pela primeira vez a
reprodução por partenogênese em um tubarão-martelo. Análises do DNA do
filhote comprovaram que não houve contribuição de um macho em sua
geração. (foto: Barry Peters / Flickr / CC BY 2.0)
Geralmente, a partenogênese ocorre em seres
invertebrados, como abelhas e mariposas, entre outros. A maioria dos
vertebrados se reproduz de forma sexuada
A maioria dos vertebrados se reproduz de forma sexuada, em que há a
contribuição de um óvulo (gameta feminino) e de um espermatozoide
(gameta masculino) para a concepção da nova prole. No entanto, na
natureza, alguns grupos animais apresentam a reprodução assexuada, em
que não é preciso a contribuição de indivíduos de diferentes sexos para
que os filhotes nasçam. Na partenogênese, modo de reprodução assexuada,
ocorre o crescimento e desenvolvimento de um embrião sem que a fêmea
seja fertilizada pelo macho, ou seja, existe a participação unicamente
de um gameta feminino.Nesse fenômeno, metade do material genético de uma fêmea se agrega a uma cópia idêntica, que também se encontra nas suas células. Assim, pode-se dizer que o embrião é um clone da mãe pela metade. Geralmente, a partenogênese ocorre em seres invertebrados, como abelhas e mariposas, entre outros, mas alguns animais vertebrados – como répteis, aves e peixes – também são capazes de se reproduzir desse modo. No final de 2006, causou sensação o artigo na conceituada Nature que relatava o nascimento de filhotes de dragões-de-Komodo a partir de fêmeas mantidas em diferentes instituições na Inglaterra. Como elas não tinham tido contato anterior com machos, por anos deduziu-se que foram capazes de produzir ninhadas a partir de ovos gerados por partenogêse. Alguns testes com o material genético dos filhotes confirmaram as suspeitas dos cientistas e provaram que os dragões-de-Komodo podem se valer dessa estratégia para manter suas reduzidas populações.
De volta aos tubarões e raias, são conhecidas suas diversas estratégias de reprodução sexuada, fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução. Mas, a partir do ano de 2001, a ocorrência de alguns casos de reprodução assexuada por partenogênese em tubarões mantidos em cativeiro tem surpreendido os cientistas e aumentado ainda mais a fascinação que os seres humanos sentem por estes animais.
Foi observada pela primeira vez a ocorrência de partenogênese viável em peixes cartilaginosos em seu ambiente natural
Testes genéticos de paternidade foram realizados em amostras de DNA provenientes de 190 exemplares de peixes-serra que vivem nos rios Caloosahatchee e Peace e na região das Ten Thousand Islands, na Flórida, Estados Unidos. Sete desses exemplares, todas fêmeas, eram altamente aparentadas entre si, com mais de 80% de índice de parentesco interno. Ou seja, as análises genéticas mostraram que eram praticamente cópias idênticas do DNA contido no óvulo de sua mãe, comprovando a partenogênese.
Os cientistas que fizeram esta descoberta discutem que a ocorrência facultativa de partenogênese na natureza pode estar relacionada a baixas densidades populacionais destes peixes e pode figurar como uma saída ao fato de as fêmeas não encontrarem machos para acasalarem.
A ocorrência de partenogênese levanta questões importantes sobre a conservação do grupo. Como nos filhotes provenientes da partenogênese só existe material genético da mãe, esse tipo de reprodução diminui a variabilidade genética das populações, o que, por sua vez, reduz a capacidade destes animais de se adaptarem a ambientes que cada vez mais sofrem mudanças drásticas.
De maneira prudente, cientistas estão longe de realizar inferências detalhadas a respeito dos impactos que este fenômeno acarreta nas populações destes peixes. Todavia, é bem provável que mais e mais casos de reprodução assexuada em tubarões sejam registrados em um futuro próximo, o que irá nos esclarecer mais a este respeito. Além disso, por meio do desenvolvimento de novas técnicas em pesquisa genética e estudos populacionais detalhados, será possível saber com precisão as implicações evolutivas e ecológicas da reprodução por partenogênese em populações destes tão ameaçados e magníficos animais.
Márcio Luiz V. Barbosa Filho
Programa de Pós-graduação em Zoologia, Universidade Estadual de Santa Cruz
Salvatore Siciliano
Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz
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