Pesquisa descobre que os lagartos teiús têm sangue quente
27 de janeiro de 2016
Peter Moon | Agência FAPESP – O teiú é um dos maiores lagartos das Américas. Pode atingir até 2 metros. É também, a partir de agora, o único lagarto de sangue quente conhecido pela ciência. A descoberta da capacidade de regulação térmica nos teiús fornece uma pista importante para o entendimento de como pode ter evoluído a endotermia nos ancestrais dos mamíferos e das aves (e dinossauros).
Esta é a conclusão de um estudo desenvolvido por biólogos brasileiros e canadenses no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, com apoio da FAPESP, publicado no Science Advances.
A pesquisa foi feita inicialmente com quatro indivíduos (dois machos e duas fêmeas) de teiú-gigante ou lagarto teiú (Salvator merianae). Os animais foram mantidos em cativeiro e tiveram a sua temperatura corpórea e sua frequência cardíaca acompanhadas ininterruptamente ao longo de um ano.
Os teiús permanecem entocados, sem comer, num período de dormência de quatro meses no ano, do início de abril até início de setembro, quando emergem da dormência para o início do período reprodutivo.
O registro da variação térmica interna dos teiús mostrou que, durante a dormência, eles sustentam um metabolismo muito baixo à temperatura de 17 graus centígrados, que é a temperatura da toca. Ao emergir da dormência para a fase reprodutiva, a temperatura interna começa a variar ao longo do dia. No fim da noite e de madrugada, ela é de 24 graus. Assim que amanhece, bastam duas horas de exposição aos raios solares para os teiús elevarem sua temperatura para 35 a 37 graus. A partir do fim da tarde a temperatura começa a declinar, e volta ao mínimo de madrugada. Porém, durante este período reprodutivo, a temperatura do corpo dos animais permanecia elevada, vários graus acima da temperatura da toca.
Tais resultados deixaram a equipe surpresa. “Não pode estar certo”, foi a reação dos pesquisadores, recorda o biólogo Denis Andrade, que participou da pesquisa. “Devia ter alguma coisa errada nos equipamentos, porque o bicho é ectotérmico.”
O esperado seria que a temperatura corpórea deles entrasse em equilíbrio com a temperatura ambiente algumas horas após terem se recolhido nas tocas, em todas as estações do ano, como seria o esperado para os répteis em geral. “Essa era a nossa premissa. Os dados foram uma surpresa completa. Era uma mudança de paradigma”, afirma Andrade.
Qual seria a fonte de calor para alterar a temperatura dos bichos? Só havia duas possibilidades, uma fonte de calor externa, solar, ou interna, do metabolismo dos animais.
Calor endógeno
Para corroborar a evidência de que os teiús seriam, afinal, animais de sangue quente, a equipe realizou um novo experimento. Dez animais foram confinados numa câmara climática com temperatura constante e foram monitorados. Naquelas condições, e na ausência da exposição aos raios solares, os animais ainda foram capazes de manter a temperatura corpórea acima da temperatura ambiente.
Como agora não havia fontes externas de calor, esses resultados convenceram a equipe de que o teiú estava de fato produzindo calor endogeneamente, às custas do aumento no metabolismo e do gasto energético.
Em condições naturais, essa produção interna de calor, combinada com a diminuição nas taxas de calor perdido para o ambiente, permitia que os teiús mantivessem uma temperatura corpórea de até 10 graus centígrados acima da temperatura ambiente. Tais estratégias são exatamente as mesmas utilizadas por mamíferos e aves para regular sua temperatura corpórea.
Agora se sabe que, ao menos na época do acasalamento, essa espécie de lagarto é endotérmica, tem sangue quente. Já a origem do calor interno que o bicho gera, a fonte da termogênese nos teiús, ainda é um mistério.
Seria o teiú o primeiro réptil endotérmico, de sangue quente, do qual a ciência tem conhecimento? “Esta é uma pergunta difícil”, diz Andrade. “O teiú usa o metabolismo para regular a temperatura interna durante a época da reprodução. No resto do ano, ele se comporta como um animal ectotérmico. Eu diria que os teiús estão a meio caminho entre a ectotermia e a endotermia.”
A regulação térmica dos teiús pode ser uma adaptação evolutiva independente do gênero Tupinambis, pode existir em alguns gêneros da família Teiidae, ou pode ainda ser exclusiva de algumas famílias da ordem Escamada. Para ter a certeza, é preciso repetir a experiência com várias espécies escamadas de todo o planeta – o que muitos cientistas começarão a fazer de agora em diante motivados pelo resultado desta pesquisa.
Caso se verifique que a regulação térmica é comum aos membros da ordem Escamada, isto poderia significar que a termorregulação dos teiús é uma relíquia evolutiva. Tal adaptação pode ter evoluído há mais de 200 milhões de anos num ancestral comum de todos os escamados.
Metabolismo e reprodução
Qual seria a razão para a evolução da endotermia? Como os teiús apresentam regulação interna de temperatura apenas no período reprodutivo, estaria a evolução da endotermia ligada à evolução do investimento paterno em mamíferos e aves?
Esta teoria foi levantada em 1998 pela bióloga americana Colleen G. Farmer, da Universidade de Utah. “O aumento da atividade metabólica ligado à reprodução foi lançado por Colleen Farmer. Os nossos dados parecem corroborar sua hipótese”, diz Andrade.
Se a endotermia nos teiús só ocorre na época do acasalamento, haveria diferença na regulação térmica entre machos e fêmeas? “Seria de se esperar que o aumento de temperatura fosse pronunciado nas fêmeas, devido à produção de gametas e ao investimento colossal na geração de ovos. Só que não verificamos diferenças entre os sexos. Os machos apresentam a mesma capacidade endotérmica”, afirma Andrade.
Uma possível explicação para isso seria o fato de que a reprodução envolve muitas outras alterações, hormonais, morfológicas e comportamentais que vão além da produção de gametas. Os teiús machos, por exemplo, são muito territorialistas e envolvem-se em disputas de território entre eles quando chega a hora de acasalar, argumenta Andrade.
Em 2015, descobriu-se que os peixes da espécie Lampris guttatus, conhecidos como peixe-lua, peixe-papagaio ou peixe-cravo, mantêm a temperatura interna constante em 15 graus, apesar das águas frias onde vivem (com temperatura média de 5 graus). “Há um monte de vespinhas, mariposas e abelhas, animais tradicionalmente vistos como ectotérmicos, que se utilizam da termogênese para a regulação da temperatura”, afirma Andrade.
Existem ainda os animais mesotérmicos, energicamente intermediários entre os animais de sangue frio e os de sangue quente. Como os mamíferos e as aves, os mesotérmicos geram calor suficiente para manter a temperatura corpórea independente do ambiente onde vivem. Mas, semelhante aos répteis, aos anfíbios e aos peixes, eles não mantêm a temperatura corporal constante. Exemplos de animais mesotérmicos são o tubarão branco, o atum e a tartaruga-de-couro.
Quanto ao teiú, pode-se afirmar agora que eles são sazonalmente endotérmicos. Ou seja, “agora ficou mais difícil separar os bichos ectotérmicos dos endotérmicos”, avalia Andrade.
O artigo Seasonal reproductive endothermy in tegu lizards (DOI: 10.1126/sciadv.1500951), de Andrade e outros, publicado no Science Advances, pode ser lido em http://advances.sciencemag.org/content/2/1/e1500951.full.
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