Assassino da natureza: Glifosato não é água
Estudos revelam que os herbicidas à base de glifosato, o
agrotóxico mais comercializado no Brasil e no mundo, têm efeitos
adversos para a saúde humana e dos animais e para os ecossistemas. Na
base desse problema, está a falta de rigidez na regulamentação de seu
uso: leia o artigo da CH 332.
Por: Sonia Corina Hess e Rubens Onofre Nodari
Publicado em 18/01/2016
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Atualizado em 18/01/2016
Herbicidas contendo glifosato são classificados como pouco
tóxicos no Brasil e têm seu uso autorizado em vários cultivos. (foto:
Andreas Levers / FreeImages.
O glifosato é o princípio ativo do produto comercial Roundup, que mata qualquer tipo de planta, exceto os vegetais transgênicos denominados RR (Roundup Ready), que foram desenvolvidos para serem resistentes ao referido produto.
Ao investigar a composição química de grãos de soja produzidos em Iowa, nos Estados Unidos, pesquisadores relataram, em trabalho publicado em 2014, que os grãos da soja geneticamente modificada Roundup Ready acumulavam glifosato, o que não foi observado em grãos de variedades não transgênicas. Além disso, foram encontradas diferenças substanciais na composição química dos grãos investigados, como os teores de proteínas, minerais e açúcares, evidenciando que a soja transgênica não tem o mesmo perfil químico e nutricional que a soja não transgênica produzida em sistema orgânico ou convencional. Não são, portanto, alimentos equivalentes.
Os grãos geneticamente modificados, contaminados com glifosato, são usados como alimento na criação de bois, porcos, ovelhas e frangos. Consequentemente, ovos, leite, manteiga, queijo e outros produtos animais são contaminados.
Desde 2005, também tem sido comum a aplicação de agrotóxicos à base de glifosato para secar plantas não transgênicas pouco antes da colheita de modo a facilitar esse processo, o que tem resultado no aumento de resíduos desses herbicidas em alimentos como trigo e cana-de-açúcar, entre outros.
No Brasil, herbicidas contendo glifosato e seus derivados são classificados como pouco tóxicos e têm uso autorizado nas culturas de algodão, ameixa, arroz, banana, cacau, café, canadeaçúcar, citros, coco, feijão, fumo, maçã, mamão, milho, nectarina, pastagem, pera, pêssego, seringueira, soja, trigo e uva. Além do uso agrícola, esse agrotóxico é frequentemente aplicado em áreas urbanas para eliminar ervas em calçadas, ruas e jardins.
Em 2008, o Brasil se tornou o maior mercado mundial de agrotóxicos e, quatro anos depois, respondia por 19% das vendas desses produtos no mundo. Entre 2010 e 2012, os herbicidas à base de glifosato foram os mais vendidos no país, representando 29% do total das vendas. Em 2012, foram comercializadas, pelo menos, 187 mil toneladas desse produto e seus sais, quantidade equivalente a 920 gramas por habitante e que significa um aumento de 40% em relação a 2010 (ver ‘Paraíso dos agrotóxicos’, em CH 296).
Riscos à saúde humana e animal
Segundo seu fabricante, o glifosato age como herbicida ao interromper a síntese de aminoácidos essenciais à sobrevivência do vegetal. Estudos recentes feitos com bactérias presentes no trato intestinal de humanos e outros animais concluíram que o composto bloqueia a síntese de aminoácidos e outros processos metabólicos dos microrganismos benéficos, que deixam de fornecer ao seu hospedeiro aminoácidos, neurotransmissores, hormônios, vitaminas, enzimas, entre outras substâncias, levando ao desenvolvimento de doenças. Por outro lado, bactérias patogênicas se mostraram altamente resistentes ao herbicida.Essas pesquisas apontam que herbicidas à base de glifosato têm sido responsáveis pelo desencadeamento de doenças cada vez mais comuns na população, como desordens gastrointestinais, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, depressão, autismo, infertilidade, câncer, doença celíaca, de Alzheimer e de Parkinson e intolerância a glúten.
Pesquisas apontam que herbicidas à base de
glifosato têm sido responsáveis pelo desencadeamento de doenças cada vez
mais comuns na população, como desordens gastrointestinais, obesidade,
diabetes...
Os riscos desses herbicidas para a saúde humana e animal vêm sendo
demonstrados ao longo dos anos por uma série de estudos, alguns dos
quais serão destacados a seguir. Pesquisadores franceses relataram, em
2007, que o Roundup causou danos às células embrionárias e da placenta
de seres humanos e de equinos e, em 2009, o grupo mostrou que quatro
formulações comerciais de glifosato (Roundup), em concentrações da ordem
de miligramas por litro (mg/L), causaram morte de células humanas
placentárias, umbilicais e embrionárias.Outro trabalho de 2009 apontou que o glifosato desregula mecanismos endócrinos em células hepáticas humanas e, em 2012, demonstrouse que o Roundup, em concentrações da ordem de miligramas por litro, induz a morte de células de testículos de ratos, entre outros efeitos indicativos de interferência hormonal nesses mamíferos. Coelhos brancos machos que receberam soluções de glifosato apresentaram diminuição do peso corporal, da libido, do volume das ejaculações e da concentração de esperma, além de aumento da quantidade de espermatozoides anormais ou mortos.
Em 2013, foi divulgado estudo que concluiu que o glifosato, na concentração de nanogramas por litro, induz a proliferação de células humanas de câncer de mama. Em 2014, pesquisadores inferiram que o aumento da incidência de problemas renais crônicos em uma região agrícola do Sri Lanka está associado à contaminação ambiental por herbicidas à base de glifosato, que resulta em acúmulo de sais nos rins das pessoas expostas.
Um estudo de longa duração divulgado em 2014 mostrou que ratos que beberam água contendo o herbicida Roundup (0,1 micrograma por litro) ou com milho transgênico tolerante a esse produto apresentaram cerca de 70 diferenças significativas em parâmetros sanguíneos, clínicos e urinários e no peso corporal e dos órgãos, além de modificação do consumo alimentar, se comparados com animais não expostos ao herbicida. Como resultado dessas alterações, aumentou o risco de desenvolvimento de câncer e danos nos rins, fígado e sistema gastrointestinal dos ratos, principalmente dos machos, e de câncer de mama nas fêmeas, assim como diminuiu o tempo de vida dos animais de ambos os sexos.
Sonia Corina Hess
Departamento de Ciências Naturais e Sociais,
Universidade Federal de Santa Catarina, campus de Curitibanos
Rubens Onofre NodariDepartamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias,
Universidade Federal de Santa Catarina
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