Egito já teve leão, girafa e hipopótamo
Em estudo, cientistas reconstruíram
interações ecológicas dos mamíferos ao longo de 6 mil anos: de 37
espécies originais, sobraram 8
04 Outubro 2014 | 23h45
Ao revelar a dinâmica de um colapso ecológico dessa dimensão, segundo os autores, o estudo permite entender os potenciais efeitos da perdas de espécies em ecossistemas submetidos a mudanças climáticas e a um grande crescimento populacional, como acontece na Amazônia, por exemplo.
De acordo com um dos autores, Mathias Pires, pesquisador do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa reuniu um conjunto de dados sem precedentes ao cruzar as informações obtidas a partir dos registros artísticos com referências paleontológicas, arqueológicas e históricas.
“Reunindo esses dados, usamos modelos matemáticos para reconstruir a comunidade de mamíferos em cada período. Com os dados sobre as relações entre predadores e presas, pudemos traçar toda a teia alimentar ao longo de seis milênios”, disse Pires, que é especialista na modelagem matemática aplicada à ecologia.
Assim, segundo o cientista, foi possível entender não só a estrutura da teia alimentar (como os animais interagiam entre si), mas também sua dinâmica: o que acontece com cada espécie quando outra é extinta. “Usamos outro tipo de modelagem para saber como toda a teia se comporta quando há uma perturbação, como períodos intensos de seca, ou a extinção de uma espécie em particular.”
Alterações. De acordo com Pires, houve quatro períodos especialmente dramáticos de extinções. Os três primeiros coincidiram com momentos de secas intensas. O mais recente, há cerca de 160 anos, aconteceu com o crescimento exponencial da atividade humana no Egito. “Já sabíamos que houve um processo de desertificação natural no Egito nos últimos 5 mil anos. Mas, nos momentos em que a aridificação foi mais intensa, a perda de espécies foi maior. No último período, no meio do século 19, a escala de extinção foi mais radical: o Egito perdeu metade da diversidade, passando de 15 para oito espécies de mamíferos.”
Cada espécie que se perdia comprometia a estabilidade de todo o sistema, em uma dinâmica de extinções que se tornava cada vez mais grave, segundo o pesquisador. “Percebemos que no início, quando havia muitas espécies, o sistema era robusto. Quando se perde uma espécie, ela é substituída na teia alimentar por outra e a perturbação não é tão grande. É o que chamamos de redundância ecológica.” Mas, à medida que mais animais são extintos, não sobram espécies de reposição e o sistema fica mais frágil, segundo Pires. “Quando a redundância ecológica diminui, cada espécie se torna dramaticamente importante.”
Os cientistas constataram que o sistema era pouco alterado quando uma espécie era suprimida há 5 mil anos. Mas, quando se retirava um animal no contexto de 100 anos atrás, todo o sistema entrava em colapso.
“Isso sugere que a fragilidade dos sistemas atuais é um fenômeno muito recente. O colapso da fauna no Egito ocorreu em um cenário no qual havia intensa atividade humana e mudanças climáticas consideráveis. É possível que muitos dos sistemas que vemos hoje tenham destino parecido”, disse Pires.
Hipóteses. Apesar do êxito em montar um quadro completo da dinâmica ecológica, Pires afirma que é difícil identificar os fatores que levaram à extinção de cada espécie. “Levantamos diferentes hipóteses. Em um cenário de mudanças climáticas, as plantas crescem menos. Isso provoca grande pressão alimentar nos herbívoros, causando impacto também em seus predadores.”
Outra hipótese levantada pelos cientistas é que, em períodos de seca intensa, os egípcios – cuja economia se baseava na agricultura – tenham usado a caça como alternativa alimentar. “Havia muitas representações de cenas de caça. Além disso, com mais população, as áreas de cultivo aumentavam, levando à competição com os animais”, afirmou Pires.
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