Um parasita com muitas identidades
Variedade de Plasmodium vivax encontrada nas Américas acumulou alterações genéticas que a diferenciam das cepas da África e da Ásia
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
ED. 246 | AGOSTO 2016
Lâminas com sangue de pacientes infectados com malária causada por Plasmodium vivax.
Os pesquisadores, coordenados pela bióloga Jane Carlton, da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, analisaram o material genético de 182 amostras do parasita obtidas em 11 países da África, da Ásia e da América Latina. O Brasil contribuiu com 20 amostras, coletadas no município de Acrelândia, no Acre, próximo da fronteira com a Bolívia. Por meio de uma técnica chamada seleção híbrida, os pesquisadores isolaram o material genético do protozoário a partir do sangue de indivíduos infectados. As amostras foram sequenciadas e, em seguida, comparadas entre si. Os pesquisadores verificaram que, do ponto de vista genético, as cepas de P. vivax provenientes de países da África e da Ásia eram bem diferentes das dos países da América Latina.
O P. vivax causa cerca de 16 milhões, de um total de 214 milhões, de casos de malária no mundo todos os anos. Só no Brasil, estima-se que a espécie responda por 85% dos 300 mil casos da doença notificados anualmente na região da Amazônia. Apesar de a malária ser considerada um grave problema de saúde pública em muitos países, pelo menos um dos parasitas que a causam, o P. vivax, ainda é pouco estudado. Isso ocorre, em parte, porque é quase impossível cultivar essa espécie de Plasmodium em laboratório para investigar a sua biologia.
O P. vivax não causa mortalidade, e supostamente não é resistente às drogas. Nos últimos anos, no entanto, começaram a surgir casos de pessoas diagnosticadas com malária causada por P. vivax que apresentavam complicações de saúde e, em alguns casos, morriam. Também a partir dos anos 1990 foram verificados cada vez mais relatos em várias regiões da América Latina de resistência desse parasita ao fármaco cloroquina, o antimalárico mais usado no mundo.
Em Acrelândia, no Acre, pesquisadores coletam sangue de moradores com sintomas de malária para diagnóstico
Processo de adaptação
No estudo, os pesquisadores também verificaram que os genes com mais versões alternativas (polimorfismos) eram aqueles responsáveis pela produção de proteínas que são reconhecidas pelo sistema imunológico do hospedeiro, seja o mosquito ou o ser humano. Desse modo, ao chegar às Américas, é provável que tenham sobrevivido apenas os parasitas com uma variedade de genes que lhe permitissem escapar da resposta imune dos mosquitos da região, os quais são bastante diferentes dos que circulam em países da África e da Ásia.
Outra conclusão importante é que a variabilidade genômica do P. vivax é muito maior do que a do P. falciparum, espécie predominante no continente africano e responsável pela forma mais agressiva e fatal de malária. “Há muito mais polimorfismos em uma população de P. vivax na Amazônia do que em toda a população global de P. falciparum”, diz o parasitologista. Os pesquisadores ainda não sabem por que isso aconteceu, mas têm algumas hipóteses. Uma delas é que o genoma de P. vivax teria mecanismos de reparo de mutações menos eficazes. Outra possibilidade é que P. vivax e P. falciparum acumulem mutações de maneira semelhante e que o primeiro tenha agregado mais alterações ao longo do tempo por ser uma espécie mais antiga.
Ferreira e sua orientanda de mestrado Thaís Crippa de Oliveira trabalham agora no sequenciamento de outras nove amostras do P. vivax obtidas no Acre. A partir delas, o pesquisador quer verificar diferenças e semelhanças com as cepas de outras regiões das Américas, como Colômbia, Peru e México. “Pretendemos desenvolver marcadores genéticos de resistência à cloroquina e comparar os dados obtidos em nosso laboratório com informações colhidas em outras regiões sobre relatos de resistência do parasita ao medicamento”, conclui.
Projeto
Resistência à cloroquina em Plasmodium vivax: avaliação fenotípica e molecular na Amazônia Ocidental brasileira (nº 2010/51835-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Marcelo Urbano Ferreira (ICB-USP); Investimento R$ 103.417,00.
Artigo científico
HUPALO, D. N. et al. Population genomics studies identify signatures of global dispersal and drug resistance in Plasmodium vivax. Nature Genetics. 27 jun. 2016.
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