terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os antigos vulcões de Minas

Há 600 milhões de anos erupções vulcânicas banhavam de lava o que hoje é a bacia do rio Doce
IGOR ZOLNERKEVIC | ED. 241 | MARÇO 2016
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© LEONARDO GONÇALVES / UFOP 
Pão de açúcar no interior de Minas: hoje exposto, bloco rochoso foi parte da raiz do Arco Rio Doce
Pão de açúcar no interior de Minas: hoje exposto, bloco rochoso foi parte da raiz do Arco Rio Doce.

Quem observa a paisagem montanhosa do Sudeste brasileiro não tem como desconfiar de que nessa região, há cerca de 600 milhões de anos, havia uma longa e alta cadeia de vulcões ativos. Naquela época, a forma e a posição dos continentes eram distintas das atuais e essa cordilheira ficava à beira de um golfo, no extremo de um mar estreito, e se estendia por quase 550 quilômetros, indo de onde hoje fica Teófilo Otoni, em Minas Gerais, até quase o Paraná. No auge de sua existência, seus picos podem ter sido tão impressionantes quanto os dos Andes.

Mas talvez nunca se saiba ao certo suas dimensões. Assim como o mar estreito e o antigo continente, essa cordilheira desapareceu, consumida pela erosão. O que resta são fragmentos do leito desse mar e das rochas que formavam a raiz profunda da cadeia de vulcões e hoje afloram em Minas. Esses registros estão ajudando os geólogos a entender a origem e a história evolutiva do chamado Arco Vulcânico do Rio Doce. “Nosso trabalho buscou reconstituir a história e o relevo desse conjunto de montanhas”, conta o geólogo Antônio Carlos Pedrosa Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele e outros 14 pesquisadores descrevem como surgiu e se moldou o Arco Rio Doce em um artigo publicado em novembro no Journal of South American Earth Sciences.
Nesse trabalho, Soares e seus colaboradores coletaram rochas que afloram nos arredores dos municípios mineiros de Governador Valadares e Teófilo Otoni, próximos à divisa com o Espírito Santo, analisaram a sua composição química e a idade dos minerais que as formam. A esses dados, eles uniram informações de estudos anteriores sobre a geologia dos blocos remanescentes dessa cadeia vulcânica para recompor a região, cujos primeiros indícios foram identificados nos anos 1960 pelo geólogo Fernando de Almeida, da Universidade de São Paulo (USP).

Os dados compilados agora confirmam que existe uma variação na idade das rochas do arco: as rochas mais a leste, próximo à divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, são mais antigas que as mais a oeste, na região entre Teófilo Otoni e Governador Valadares. Essas idades foram determinadas por análises do decaimento de elementos químicos radioativos do mineral zircão feitas em laboratórios da UFMG, da USP, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “É um conjunto de dados muito consistente”, afirma o geólogo. “Análises de laboratórios diferentes, usando métodos diferentes, chegaram às mesmas conclusões.”
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Da determinação das idades das rochas, aliada ao estudo da composição química e da estrutura de seus minerais, emergiu uma história dividida em três capítulos. O Arco Rio Doce teria começado a se formar há 630 milhões de anos, quando os pedaços de continentes que existiam estavam reunidos em um supercontinente próximo ao polo Sul.
De acordo com as análises, em um desses continentes havia uma longa península, formada por um embrião continental muito antigo, envolvendo partes do que hoje é o leste do Brasil e o oeste da África. No interior dessa região, que os geólogos chamam de cráton São Francisco-Congo, havia um mar estreito chamado oceano Adamastor, que era semelhante ao mar Vermelho e se estendia de onde hoje é o estado de São Paulo até a Bahia.

Entre 630 milhões e 605 milhões de anos atrás, o movimento das placas tectônicas teria feito a crosta oceânica na região do Adamastor mergulhar sob o cráton do Congo e iniciar a formação dos vulcões, fenômeno semelhante ao que hoje contribui para a formação dos Andes e a ativação de vulcões no Chile (ver infográfico). Nos 20 milhões de anos seguintes, à medida que o Adamastor fechava, novas montanhas se formavam e o vulcanismo se expandia em direção ao litoral daquele oceano primitivo. Por fim, entre 585 milhões e 575 milhões de anos atrás, quando esse oceano havia praticamente desaparecido, um grande bloco da crosta oceânica que afundava sob a placa continental teria se desprendido e afundado no manto terrestre. Como provável consequência, houve um aquecimento maior da crosta continental e um último episódio de vulcanismo, mais intenso que os anteriores. “Esse teria sido o momento derradeiro da evolução do Arco Rio Doce ”, explica Pedrosa Soares, “quando o mar se fechou e as margens dos crátons de São Francisco e do Congo Ocidental se tocaram”.

Outros grupos já identificaram remanescentes de cadeias vulcânicas do mesmo período no Brasil e em outros países. Nenhuma delas, porém, apresentava história tão fascinante como a do Arco Rio Doce, formado entre dois con-tinentes, à margem de um mar interior. Por causa dessa configuração única, as rochas no extremo norte do arco têm uma composição incomum. Essas rochas são formadas a partir de magma contendo mais crosta continental derretida do que crosta oceânica e foram descritas pelo geólogo Leonardo Gonçalves, da Ufop, um dos colaboradores de Soares, em um artigo recente na revista Gondwana Research.

Segundo a geóloga Mahyra Tedeschi, aluna de doutorado de Pedrosa Soares e primeira autora do artigo no Journal of South American Earth Sciences, falta esclarecer muitos detalhes da história do Arco Rio Doce. “Existem várias formações rochosas que podem integrar o arco, mas ainda precisam ser mais bem estudadas”, ela diz.

Artigos científicos
 
GONÇALVES, L. et al. Granites of the intracontinental termination of a magmatic arc: An example from the Ediacaran Araçuaí orogen, southeastern Brazil. Gondwana Research. 29 ago. 2015.

TEDESCHI, M. et alThe Ediacaran Rio Doce magmatic arc revisited (Araçuaí-Ribeira orogenic system, SE Brazil. Journal of South American Earth Sciences. 26 nov. 2015.

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