Espinhos repletos de veneno
Glândula situada na extremidade das cerdas produz secreção tóxica da lagarta-de-fogo
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
ED. 254 | ABRIL 2017
É no ápice das cerdas que recobrem o dorso das lagartas-de-fogo que se encontra a glândula responsável pela produção de seu veneno, um coquetel de toxinas que em contato com a pele humana pode causar sérios problemas de saúde e, em casos extremos, matar. A identificação da célula produtora de veneno da taturana Lonomia obliqua resulta do trabalho de pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo. Sob a coordenação da bióloga Diva Denelle Spadacci-Morena, do Laboratório de Fisiopatologia, eles analisaram as cerdas da lagarta com o auxílio de um microscópio eletrônico de varredura, capaz de ampliar a imagem dezenas de milhares de vezes, e identificaram a existência de uma célula responsável pela produção da peçonha.
Há algum tempo se sabe que outras lagartas, como as taturanas do gênero Automeris, possuem uma glândula de veneno em seus pelos. Mas havia dúvida sobre o que se passava com as lagartas-de-fogo, que já foram qualificadas popularmente de assassinas por causa dos acidentes fatais. Antes da equipe do Butantan, outros pesquisadores também investigaram as cerdas da Lonomia. Como não encontraram a glândula, inferiram que o veneno devia ser produzido no interior do corpo da taturana — para eles, as cerdas funcionariam apenas como tubos que transportam a secreção para fora.
Além de identificar a célula produtora de toxina, os pesquisadores do Butantan constataram que o veneno, depois de produzido, fica armazenado na extremidade dos pelos. “Um leve esbarrão é o suficiente para romper a ponta e liberar o líquido”, diz Diva, primeira autora do artigo que descreveu o achado em setembro de 2016 na revista Toxicon. Curiosamente, não são todas as cerdas que produzem a peçonha, um líquido de cor alaranjada. Alguns dos pelos liberam hemolinfa, um fluido esverdeado responsável pelo transporte de nutrientes pelo corpo da lagarta.
Comum nas propriedades rurais do Sul do Brasil, essas taturanas podem alcançar 6 centímetros de comprimento. Elas são os exemplares imaturos (larva) de uma mariposa marrom, cujas asas, quando abertas, lembram uma folha seca. As lagartas nascem de ovos depositados em troncos e folhas das árvores e passam por seis estágios de desenvolvimento até se transformarem na mariposa adulta. Como larva, vivem em grupos de mais de 80 indivíduos, que, apesar das cerdas verdes, costumam ser confundidos com a casca das árvores. É nessas situações que ocorrem os acidentes mais graves.
Pequenas quantidades do veneno provocam, já nos primeiros minutos, queimaduras na pele, inchaço local e um leve mal-estar. Em grandes quantidades, no entanto, a peçonha pode desencadear depois de alguns dias distúrbios hemorrágicos e até insuficiência renal. “Nesses casos, se não for tratado, o indivíduo começa a sangrar pelo nariz e pela gengiva e a perder sangue pela urina”, explica o entomólogo Roberto Moraes, um dos autores do estudo da Toxicon. Uma proteína específica do veneno, a Lopap, altera a coagulação sanguínea e facilita a ocorrência de hemorragias.
Relatos de acidentes com a Lonomia começaram a surgir em fins dos anos 1980, sobretudo no norte do Rio Grande do Sul. À época, cerca de 300 pessoas se feriram somente em Passo Fundo, onde a lagarta é mais comum. Ao todo, por ano, são registrados no Brasil cerca de 500 acidentes. Por causa da gravidade dos casos, pesquisadores do Laboratório de Imunoquímica do Instituto Butantan, sob coordenação do imunologista Wilmar Dias da Silva, iniciaram, em 1994, a produção de um soro neutralizador do veneno. A médica Fan Hui Wen, responsável pelo Laboratório de Artrópodes do Butantan, coordena atualmente a produção desse antídoto, elaborado a partir de um extrato das cerdas da lagarta, que, depois de purificado, é injetado em cavalos. Todos os anos o Butantan recebe de agricultores cerca de 3 mil lagartas, quantidade que permite produzir 10 mil ampolas do soro, o suficiente para atender os acidentes que ocorrem no país.
Projeto
Identificação e caracterização das toxinas com atividade hemolítica da lagarta Lonomia obliqua e da glândula produtora das toxinas: Estudo bioquímico e morfológico (nº 01/07643-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Ida Sigueko Sano Martins (Instituto Butantan);
Investimento R$ 127.423,13.
Artigo científico
SPADACCI-MORENA, D. D. et al. The urticating apparatus in the caterpillar of Lonomia obliqua (Lepidoptera: Saturniidae). Toxicon. 1º set. 2016.
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