Bactérias que preservam fósseis
Ação de microrganismos pode favorecer a conservação de fragmentos de tecidos moles, como olhos, veias e coração
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
ED. 255 | MAIO 2017
Podcast: Gabriel Osés
00:00 / 09:59
Em geral, essas estruturas — olhos, tecidos conjuntivos e fragmentos de fibras de coração — são as primeiras a se decompor e dificilmente se fossilizam. Nas raras vezes em que são preservadas, permitem o desenvolvimento de estudos acerca da biologia e da evolução de espécies extintas há milhões de anos. Sabe-se há algum tempo que a preservação dessas estruturas se dá em razão da ocorrência de processos geoquímicos específicos, como a substituição do material orgânico pela pirita, mineral composto basicamente por ferro e enxofre, ou pelo querogênio, a parte insolúvel da matéria orgânica que fica retida em rochas sedimentares.
Em um estudo publicado em maio na revista Scientific Reports, pesquisadores analisaram esses processos em nível microscópico e sugeriram que eles seriam condicionados pelo mecanismo de respiração de bactérias decompositoras.
No trabalho, a equipe da paleontóloga Mírian Pacheco, do Departamento de Biologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba, e do geólogo Setembrino Petri, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), examinou exemplares fósseis de uma espécie de peixe primitivo chamado Dastilbe crandalli, que viveu na região há cerca de 113 milhões de anos.
Os fósseis, abundantes no Araripe, foram encontrados em dois tipos de calcário, rochas sedimentares ricas em carbonato de cálcio: um da cor cinza, com mais matéria orgânica, e outro bege, com menos abundância desse conjunto de compostos químicos. As primeiras amostras estavam envoltas por um material fibroso acinzentado. Já os exemplares encontrados em calcário bege tinham uma coloração alaranjada, semelhante a um favo de mel, com um revestimento difuso de cristais microscópicos.
Os pesquisadores verificaram que as estruturas moles dos fósseis bege haviam sido preservadas por meio do processo de piritização. “Isso significa que os elementos que constituem esses fósseis foram substituídos por pirita”, explica Mírian. Segundo a paleontóloga, essa é a primeira vez que se observa um caso de piritização em um fóssil de vertebrado. Os poucos registros conhecidos são de insetos ou invertebrados diversos. Por sua vez, os tecidos moles dos espécimes do calcário cinza foram fossilizados por meio da formação de querogênio. Nesse processo, o carbono orgânico assume uma forma mais estável, capaz de perdurar por milhões de anos. Enquanto a piritização ajudou a preservar tendões, membranas e núcleos celulares e tecido dos olhos, a querogenização conservou, sobretudo, tecidos conjuntivos, tegumento e fibras musculares.
Em ambos os casos, no entanto, esses processos geoquímicos teriam sido condicionados pela ação de bactérias decompositoras. Por meio do processo de respiração anaeróbia — sem oxigênio —, os microrganismos teriam auxiliado na substituição da matéria orgânica em decomposição pela pirita ou pelo querogênio, dependendo do tipo de calcário em que os fósseis se preservaram. À medida que esses processos avançaram, os elementos que compunham as estruturas orgânicas desses animais foram sendo lentamente destruídos e substituídos por pirita ou querogênio. Ao mesmo tempo, deixaram marcas nas rochas que os envolviam.
Como na China
A hipótese baseia-se essencialmente em análises de microscopia eletrônica. Ao examinar os fósseis piritizados, os pesquisadores identificaram resquícios da atividade desses microrganismos. “Encontramos estruturas lisas e flexíveis, semelhantes a uma teia de aranha, resultantes da metabolização da pirita pelas bactérias”, esclarece Mírian. Isso explicaria por que cada processo geoquímico preservaria de forma distinta essas estruturas moles. Apesar de ambos conservarem essas estruturas de modo único, os fragmentos fósseis dos tecidos moles encontrados em sedimentos bege, de tamanho microscópico, são ainda mais bem preservados do que os depositados em calcários cinza”, explica o geólogo Gabriel Osés, primeiro autor do estudo e orientando de Setembrino Petri à época em que desenvolvia parte da pesquisa, no mestrado.
“O estudo é importante porque amplia a área de ocorrência desses processos para outros depósitos geológicos e elucida quais foram as condições geoquímicas que permitiram a preservação de tecidos moles em fósseis da bacia do Araripe”, afirma o paleontólogo Marcello Guimarães Simões, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, que não participou do estudo. Segundo ele, antes, pensava-se que esses processos só ocorriam em estruturas moles de fósseis de regiões específicas, como os da Formação Gaojiashan, na China, e de períodos geológicos anteriores ao Cretáceo, que durou de 145 a 66 milhões de anos atrás. “Agora sabemos que esses processos geoquímicos podem ser observados também em fósseis de eras geológicas mais recentes e, possivelmente, em outros depósitos geológicos do mundo.”
Projeto
Aplicações de espectroscopia Raman em paleobiologia e astrobiologia (nº 12/18936-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Setembrino Petri (USP); Investimento R$ 584.668,54.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.